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O reverso da fortuna
A forma como projetos de código fonte aberto vêm ampliando sua importância econômica pode parecer surpreendente. Como produtos oferecidos livremente podem ameaçar produtos sob a retaguarda de uma fabulosa estrutura como a da Microsoft?

O sistema operacional Linux vem desafiando as grandes empresas de software proprietário ao ganhar participações crescentes de mercado a cada ano. A taxa de adesão ao sistema Linux tem sido extraordinária, e mesmo a Microsoft, que antes adotava uma política de ser (aparentemente) indiferente ao crescimento do Linux, vem mudando para uma política de contra-ataque, como se viu pelo recente anúncio publicado em uma revista especializada alemã.

A forma como projetos de código fonte aberto, tanto aqueles caracterizados como Open Source quanto os caracterizados como Free Software, vêm ampliando sua importância econômica pode parecer surpreendente para alguns. Como produtos que são disponibilizados livremente podem chegar à escala de um sistema operacional, como o próprio Linux e todas as derivações do BSD, ou mesmo softwares como o Apache, que detém a maioria absoluta do mercado de servidores Web, podem ameaçar produtos como o Windows, que tem a fabulosa estrutura de uma Microsoft, e principalmente um orçamento destinado à criação de novos produtos?

A análise econômica da disputa entre tecnologias concorrentes, em que se baseia este artigo, foi tratada pela abordagem inovadora de um economista do Instituto Santa Fé chamado Brian Arthur, e esta abordagem fornece elementos preciosos para entender temas como o poder de monopólio da Microsoft e a importância de termos padrões abertos e códigos fonte livremente disponíveis.

O núcleo da análise de Arthur se baseia na idéia de retornos crescentes à produção e ao uso de uma determinada tecnologia. Resumidamente, a idéia pode ser colocada como a percepção de que quanto mais pessoas e empresas adotarem uma tecnologia, os ganhos individuais e coletivos de se adotar esta tecnologia são maiores, independente de essa tecnologia ser a melhor tecnologia disponível, o que economicamente leva a uma situação de ineficiência.

Existem casos notáveis em que tecnologias consideradas superiores foram desprezadas em favor de tecnologias inferiores; a adoção do sistema VHS, que especialistas consideram inferior ao padrão concorrente, Betamax, talvez seja o caso mais notável, mas temos diversos outros exemplos. Talvez um exemplo atual em informática seja a superioridade da arquitetura PowerPC em relação à Intel, mas, como sabemos, a Intel tem o domínio absoluto no mercado de micros domésticos.

A importância de retornos crescentes é um fenômeno diário para quem trabalha com informática, nos mais diversos níveis, do administrador da rede ao gerente de tecnologia. Um argumento freqüentemente utilizado em favor da superioridade do Windows é o simples fato de que existem mais programas para Windows do que para qualquer outra plataforma disponível. Aparentemente isso indicaria a superioridade do Windows: o simples fato de existirem mais programas para ele é porque ele é o melhor. Verdade? Bem ... talvez não.

A maior vantagem de se adotar o Windows tem sido uma só: a maioria das outras pessoas adotam o Windows. E quanto maior a adoção do Windows, mais programas são criados para ele.

E mais programas criados para o Windows significam maior vantagem de se adotar o Windows ... Como se nota é um mecanismo de realimentação. Este fenômeno foi chamado de Mecanismos Auto-Reforçantes (Self-Reinforcing Mechanisms) e como se vê, a superioridade ou inferioridade do Windows em relação a outras plataformas não está relacionada diretamente a sua adoção. Assim, mesmo que tenhamos uma tecnologia notavelmente superior como o Linux (como eu e a maioria do Linuxers acreditamos) ela pode não ser adotada pela maioria simplesmente por não ter esse mecanismo de realimentação a seu lado.

Mas fica então a pergunta: como se determina o sistema dominante? Aqui entra a terceira definição utilizada por Arthur: a da importância de pequenos eventos históricos na determinação da tecnologia adotada. Em alguns mercados onde não existam mecanismos auto-reforçantes relevantes é de se esperar que independente dos eventos passados a melhor tecnologia seja adotada. Mas onde existam esses mecanismos, os eventos acontecidos no passado são fundamentais para determinar qual tecnologia será a vencedora. Um exemplo clássico desse fenômeno é a adoção do padrão de teclado Qwerty, ou seja, a ordem em que as letras são colocadas no teclado.

O padrão Qwerty foi baseado na idéia de colocar as letras mais utilizadas na posição em que fossem ergonomicamente mais confortáveis para o digitador, e nos velhos teclados das máquinas de escrever primitivas isto significava colocar as letras mais utilizadas onde os dedos tivessem mais força para pressioná-las, no menor tempo. E no padrão Qwerty as letras mais utilizadas correspondem às mais utilizadas no idioma do criador do padrão, no caso o idioma inglês.

Atualmente o sistema Qwerty não faria mais sentido, já que com o aperfeiçoamento dos teclados não há mais necessidade de força nos dedos para a digitação, e diversos estudos mostram que existem padrões mais eficientes de disposição de teclas. Mas independente da superioridade de outros padrões, o sistema Qwerty vigora absoluto, e a causa dessa dominância foi um simples evento histórico: ter sido o sistema utilizado nas primeiras máquinas de escrever.

O padrão Qwerty se encontra no que chamamos de lock-in, ou seja, é muito improvável, mesmo existindo tecnologias superiores, que ele seja abandonado, simplesmente porque é muito custoso para alguém individualmente abandonar a tecnologia dominante. Imagine um fabricante de teclados que tente vender um novo padrão que seja diferente do Qwerty! Provavelmente não será bem-sucedido.

No caso dos sistemas operacionais, temos claramente uma situação de lock-in para as versões do sistema Windows, o que é notório principalmente em micros de Desktop. Então isso significa que o Linux e os demais softwares livres estão condenados a ser usados apenas por geeks apaixonados e rebeldes, já que muito provavelmente nunca conseguirão vencer o monopólio da Microsoft?

Mas algo diferente acontece com o Linux, com os BSD, com o Apache, e outros tantos softwares livres, como foi colocado no primeiro capítulo deste artigo. Muitas pessoas, provavelmente a maioria, diria que a diferença está no fato de que esses softwares são gratuitos, ou seja, o fato de não termos de pagar por ele vai fazer com que eles sejam adotados em substituição aos outros. Embora este argumento possa fazer sentido, ele tem um problema. Na verdade esses produtos não são realmente gratuitos. Obviamente não pagamos uma licença de uso para tê-los em nossas máquinas, mas existe uma série de custos, custos efetivos e custos de oportunidade. Como custos efetivos teríamos, por exemplo, o treinamento necessário para aprender a utilizá-los. Como custo de oportunidade o tempo que se gasta no desenvolvimento e aprendizado desses softwares, que poderia ser usado para muitas outras coisas, como por exemplo dar consultoria ou implementar redes Win-NT e Novell. Se alguém ainda duvidar desses custos, é só pensar se pessoas como Linus Torvalds e Alan Cox não poderiam efetivamente trabalhar para a Microsoft.

A grande vantagem econômica, aparentemente paradoxal, desses softwares é que seus códigos fontes são de livre distribuição e alteração, e nos termos da Free Software Foundation, Free quer dizer livre, e não que são gratuitos. Para entender a importância da livre distribuição do código fonte, é só pensar nas vantagens que esse fato proporciona. Um programador pensaria que a grande vantagem é poder aprender e alterá-lo, uma empresa pensa na vantagem de customizar esses softwares para as suas necessidades. Mas existem muitas outras vantagens em um código fonte livre.

A primeira grande vantagem é a de não ter a necessidade de reinventar a roda a cada novo software, ou seja, não se perde tempo fazendo coisas que já foram realizadas por outras pessoas, e, assim ocorre um elevado aumento de produtividade ao se concentrar o esforço do programador em criar algo realmente novo. Em termos econômicos, diríamos que o programador se concentra em adicionar valor econômico, ao invés de perder a maioria de seu tempo refazendo algo que já existe.

Para uma pequena empresa, a grande vantagem de ter software de código fonte aberto é que ela pode ter acesso a um produto de qualidade muito superior ao que seu orçamento permitiria pagar por um software proprietário, já que os custos de produção desse software estão distribuídos por todos aqueles que o criam e o usam. Um exemplo: pense no custo econômico para uma pequena empresa ao utilizar um servidor Apache / Perl / PHP / MySQL contra um servidor IIS / ASP / SQLServer. E com a vantagem de que a economia efetiva obtida com o uso de software livre pode ser utilizada na customização desse software para as necessidades dessa pequena empresa.

Poderíamos então pensar em uma grande empresa em que os custos de licenças de uso não fossem um problema (o que é uma situação realmente teórica, porque principalmente nas grandes empresas é que o custo de licenças se torna de fato fundamental). Qual seria a vantagem para essa empresa em adotar um sistema como o Linux? A vantagem seria utilizar a estrutura de programadores existente na empresa (ou contratá-los) para modificar o código fonte gerando aplicativos mais eficientes e produtivos. Para mostrar como funciona esse mecanismo, veja o caso da união existente entre a empresa líder no mercado de ERP, a SAP, e a RedHat. O SAP tem reconhecido e direcionado o desenvolvimento de algumas partes do kernel Linux para que seu produto de ERP , o R/3, funcione de forma mais estável e eficiente, fazendo com que se torne um produto mais competitivo ante seus concorrentes. E com um grande bônus: como não tem que gastar com licenças do sistema operacional, as empresas potencialmente têm mais recursos para gastar em suporte, no caso, fornecido pela SAP e associadas.

Dessa forma, para que o Linux obtenha sucesso duradouro, retirando o mercado de sistemas operacionais do lock-in em que se encontra, a cultura do software livre tem de se estabelecer como fator econômico de vantagem competitiva. E como se torna evidente, o software livre, ao contrário da visão simplista, é um motor poderoso para a viabilidade econômica do Linux; é sua principal arma.

Mas para que o Linux atinja sua meta de dominação global, é preciso mais do que apenas paixão de seus usuários. É necessário que as vantagens do software livre sejam realmente aproveitadas, e para isso podemos apontar os principais problemas que devem ser superados.

1. É preciso que se desenvolva uma estrutura de suporte em Linux e nos demais softwares livres que mostre ao meio empresarial que as necessidades de implementação e suporte podem ser supridas em nível adequado. Para isso, é necessário que se criem mais centros de qualificação, treinamento e suporte em nível realmente profissional. Temos a necessidade de criar para o Linux certificações que tenham a importância das certificações Sun, Microsoft e Novell. Nenhuma grande empresa vai investir altos recursos no Linux se não puder ter elevada confiança nos resultados e na mão-de-obra utilizada. Felizmente parece que essa estrutura vem se desenvolvendo no mundo, onde já temos certificações de renome como a da RedHat, e aqui no Brasil a Conectiva vem liderando essa iniciativa.

2. As empresas que criam as distribuições do Linux devem criar mecanismos de coordenação, para evitar o desperdício de recursos empregados no desenvolvimento do Linux. O que não precisamos neste momento é o fracionamento do kernel e de grandes incompatibilidades entre as distribuições. As distribuidoras devem competir por mercados específicos, como os mercados locais já existentes, com a dominância da RedHat nos Estados Unidos, da Suse na Europa, da Conectiva na América Latina, e competir por necessidades específicas, como ter distribuições que tenham seu foco em web clustering, como a Turbo Linux, ou em alta disponibilidade que tem sido um dos focos da Conectiva. Essa é a forma de competição saudável. Se a disputa entre as empresas distribuidoras levar a distribuições incompatíveis do Linux, estaremos no caminho do suicídio comercial. Em resumo: precisamos de uma padronização efetiva.

3. As empresas distribuidoras do Linux precisam se conscientizar da necessidade de rentabilidade a curto e médio prazo, já que a época em que se investiam fortunas em sonhos já passou, como mostraram as recentes quedas na Nasdaq.

A boa conclusão é que temos fortes indícios de que o Linux já está colhendo os frutos dos rendimentos: cada vez mais temos novos aplicativos e novos desenvolvedores da mais alta qualidade; o mercado para consultores em Linux vem crescendo, na verdade existe uma carência por esses especialistas; o Linux tem sido adotado pelas empresas gigantes da informática: IBM, Intel, Dell... e isso mostra a confiança obtida. E principalmente a desconfiança em relação a sustentabilidade econômica é cada vez mais superada.

Os monopólios vão sendo vencidos, e o Linux e o código fonte aberto mostram que é possível superar o lock-in em que se encontrava a Microsoft e seu Windows.

 

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