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Entrevista

Oásis do software livre
Ele partiu de Boston debaixo de neve e dez horas depois aterrizava em Porto Alegre sob um sol abrasador. Tinha vindo para dar algumas palestras no Fórum Social Mundial e para ver o SAGU, um sistema GPL de administração de universidades desenvolvido pela Univates, uma universidade gaúcha da cidade de Lajeado. Como consultor de software livre do governo da Coréia, país que adotou plenamente o software livre, estava interessado em conversar com a equipe que desenvolveu esse sistema e, eventualmente, propô-lo aos coreanos. Timoty Ney, diretor-executivo da Free Software Foundation (FSF) e que atua como responsável pela licença GPL, durante sua viagem até Lajeado conversou conosco sobre GPL, FSF, Fórum, Davos, Bill Gates, sobre as grandes distribuições e sobre o avanço do Linux no Brasil e no mundo.

Revista do Linux — Como funciona a FSF, quantos funcionários ela tem e como consegue dinheiro para bancar suas atividades?

Timoty Ney — Na fundação somos apenas 7 pessoas assalariadas, mas contamos sempre com uma quantidade razoavelmente grande de colaboradores que vão e vêm continuamente, oferecendo ajuda em diversos projetos, seja programando, documentando ou auxiliando com o serviço interno e externo. Mas é claro que não podemos contar apenas com um trabalho sem vínculos profissionais, como no caso dos colaboradores, e assim temos de remunerar diversas pessoas em muitas frentes. Gastamos uma fortuna com advogados, por exemplo, e software livre exige mais qualidade que software proprietário, o que significa pagar por uma mão de obra bastante especializada. Mas não vivemos hoje uma situação financeira difícil como no passado. Recebemos doações de muitas pessoas, também fazemos um bom dinheiro com nossos livros (sem dúvida uma atividade bem rentável) e contamos com uma generosa quantia vinda de um grupo de empresas japonesas, nossos principais patrocinadores. Estranhamos bastante o fato de as grandes distribuições Linux pouco ou nada contribuírem financeiramente para tocarmos os nossos projetos. Por outro lado, embora a RedHat não nos financie nada, seu presidente, Bob Young, faz polpudas doações periódicas para a FSF. Outra empresa que nos ajuda bastante é a VA Linux. Grandes empresas não nos procuram para fazer doações em dinheiro, mas algumas fornecem equipamentos, outras patrocinam eventos, pagam passagens e estadias das nossas viagens, cedem seus funcionários para um determinado projeto, enfim, contribuem indiretamente. Nossa sede fica em Boston, mas nosso presidente, Richard Stallman, não trabalha lá. Richard está sempre viajando por diversos países para disseminar a ideologia do software livre. Ele tem uma sala à disposição no MIT para usar quando necessário, mas seu escritório na verdade é na estrada.

RdL — A defesa, a manutenção, o desenvolvimento legal da licença GPL, envolve muitos recursos? Para nós que apenas a conhecemos ou a usamos não nos parece assim tão complicado...


TN — Mas é, e você nem desconfia quanto. Primeiro porque estruturar uma licença de âmbito mundial, que possa ser reconhecida ou enquadrada na legislação de qualquer país, é como um castelo de cartas. Lamentamos que as leis existam mais para beneficiar os oportunistas, que agem de má-fé buscando as brechas legais, do que para defender o direito das pessoas decentes. É só observar os presidentes das grandes corporações, invariavelmente acompanhados de uma legião de consultores inescrupulosos. Advogados, arghhh... No entanto, sem eles você está morto!


RdL — Uma característica interessante que percebemos na sociedade norte-americana é o fato de que ela parece retratar um país dividido. Enquanto uns querem levar vantagem a qualquer custo e acumular a maior fortuna possível, outros, como vocês, se empenham em defender a liberdade. Como vocês vêem isso?


TN — Muito curioso você perguntar isso, pois essa é a nossa principal inquietação. Estamos sempre discutindo sobre essas duas ideologias. Não somos anticomerciais, não somos contra ganhar dinheiro, não somos contra as práticas comerciais das distribuições Linux, e seria um contra-senso defender isso. Algumas pessoas dizem maldosamente que abominamos as empresas, que somos contra quem ganha dinheiro com Linux, e com isso pretendem nos desmoralizar ou nos enfraquecer diante da opinião pública. Queremos que a liberdade seja o pilar de nossa sociedade. Ganhe seu dinheiro, seja feliz e, principalmente, não permita que outros seqüestrem sua liberdade, apenas isso. Ao que assistimos hoje é aquela velha conversa de que você não precisa da sua liberdade, pois alguém cuidará de você. Basta assinar esse contratinho. Como se a liberdade fosse uma mercadoria. Esse modelo faliu e não é preciso ser nenhum gênio para descobrir isso.


RdL — No ano passado presenciei o Stallman se recusando a dar um autógrafo para um adolescente que queria que seu ídolo assinasse uma caixinha da SuSe. Ele se recusou dizendo que aquela caixa não continha apenas software livre. Estranhei bastante a atitude e vi o garoto se afastar perplexo. O que acha disso?


TN — Eu não agiria assim, mas entenda que a intransigência do Richard tem apenas o objetivo de defender a pureza e a força da GPL. Usamos métodos diferentes, mas a meta é a mesma. Assim contado parece uma grosseria, mas não podemos encarar a GPL como uma atitude sem importância. Ela é o motor do software livre. Gostaria de contar um fato que talvez o faça ver essa questão por outro ângulo. Fomos procurados há uns dois anos pela VA Linux, pela O’Reilly e pela Loki Games, que haviam empacotado uma distribuição com Debian, jogos e livros freeware, para que a FSF aplicasse um selo do tipo 100% GPL na caixa do produto. Embora a imensa maioria dos softwares fosse de fato software livre, alguns jogos e livros tinham copyright e eram, portanto, proprietários. Fomos bastante flexíveis e apenas exigimos que esses produtos proprietários fossem colocados num CD à parte, fora da caixa, para que pudéssemos homologá-lo. Eles próprios entenderam que estavam querendo colocar um bigode na Mona Lisa e que a coisa não fazia muito sentido.


RdL — E sua experiência como consultor de software livre na Coréia? Como você vê o avanço do Linux no mundo? Dá para falar como Linus Torvalds em dominação global?


TN — Esse termo sempre provoca risos, mas ele é, sem dúvida, verdadeiro. Sabemos que nosso movimento é irreversível. Nos Estados Unidos, todos sabem o que é Linux e quem é a RedHat. Todos sabem por que são muito ligados aos ícones da Nasdaq, de Wall Street e do desempenho financeiro das grandes empresas. Bob Young tem o mesmo respeito e espaço reservado na mídia que, por exemplo, Bill Gates. Aliás, gostaria de dizer que enquanto Bill Gates fala em super-rodovias para um futuro digital platinado e glorioso (sob sua batuta, é claro), nós estamos aqui fazendo o "caminho da roça" (Tim perguntou-nos como diríamos em português o inverso dessa imagem). Estamos indo ao encontro da vida de verdade, por uma estrada poeirenta, numa paisagem linda, de um belíssimo país real. E isso é muito melhor que qualquer ficção científica barata e opressiva. Sentimos um tremor de superfície nos Estados Unidos que vem crescendo cada dia. Percebemos que o Linux trará uma revolução vinda dos países mais afastados de nós, como a Coréia ou o Brasil. Aliás, este país é um oásis de software livre! A experiência dos brasileiros é impressionante!


RdL — Mas você acredita que é possível criar uma mudança tão radical nas poderosas corporações de software de seu país? Acredita que eles irão abraçar a causa do software livre e do código aberto?


TN — Claro! Isso já está acontecendo! O próprio mercado está corrigindo um desvio histórico: hoje as nossas empresas de software vendem segredos, mas os clientes não querem comprar segredos e sim serviços. Quanto custa um segredo? Podemos arbitrar um valor extorsivo para um produto apenas porque não sabemos a real quantidade de serviço empregada? Hoje as pessoas e as empresas estão bastante decepcionadas com esse modelo e é preciso ser um idiota completo para defender o software proprietário. A não ser que você seja o único beneficiário disso, não é, Bill? Essa discussão não está restrita apenas ao software, e afeta outros segmentos como no caso do bilionário mercado das gravadoras e a polêmica do MP3. A verdade é que assistimos hoje à ruína de um modelo que foi seriamente abalado com o florescimento da Internet e sua crescente tendência libertária.



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