OPINIÃO
Saber (e) usar
Dois fatos recentes na minha vida diária me chamaram a atenção. Um
advogado conhecido meu me perguntou sobre o "Linux"; em determinado
momento ele comentou: "dizem que ele é mais difícil", ao que
instintivamente intervi: "mais difícil não, ele é mais sofisticado".
Outro foi um e-mail do médico do meu filho contando que tinha
visitado o stand da Conectiva na Comdex e queria instalar o GNU/Linux
no micro do consultório, "fiquei realmente impressionado e comprei a
idéia" ele escreveu.
Ambos fazem parte de um universo que infelizmente tem sido forçado a
se encolher. Quinze anos atrás era freqüente abrirmos uma revista de
informática e encontrar pro-gramas feitos por médicos, advogados e
outros profissionais. Naquela época, todos os sistemas operacionais
vinham com uma linguagem de programação, em geral uma variante de
BASIC. As pessoas começavam a programar, simplesmente porque tinham
como.
A constante retirada de funcionalidade em nome de uma suposta
"simplicidade" tem efeitos negativos sobre o conhecimento médio da
população de usuários.
Se por um lado torna o sistema mais simples para aqueles que não têm
aptidão para a informática impede os que têm de progredir,
simplesmente por não ter o que explorar.
Hoje, com sistemas baseados em GNU/Linux, vivemos algo sem precedentes
na indústria da informática, contamos com um sistema que pode ser
personalizado de modo a apresentar tanta funcionalidade quanto
desejemos. Podemos com o mesmo sistema operacional atender à
secretária que precisa digitar um texto e ao empreendedor que quer
montar um site de e-commerce na Internet.
Aliás, os que não acreditam no uso de GNU/Linux por secretárias
dificilmente lembram que não é a secretária quem instala, configura e
gerencia o sistema operacional, que ela nunca vai precisar saber o
que é uma partição de disco ou um grupo de usuários, que ela precisa
apenas clicar nos ícones e editar o seu texto. Temos o KDE e o Gnome
que não deixam nada a desejar neste ramo.
E falando em editores de textos será que é tão diferente assim usar o
Word ou o Star Office? Tanto no Word, quanto no Star Office (ou no
Abiword, que eu adoro), a mudança do tamanho de uma fonte ou a
centralização de um texto pode ser feito da mesma maneira; quando
muito, os botões estão em lugares diferentes.
Mas aprender a usar um computador não é decorar onde estão os botões e
sim saber quais as funcionalidades genéricas disponíveis. Sabendo o
que todo editor de textos faz, aprender a usar um novo editor de
textos é questão de minutos de exploração e algumas horas de prática.
Há algum tempo deixamos de ensinar informática e passamos a treinar
pessoas para usar produtos. Ser treinado é muito diferente de
aprender.
Uma pessoa que aprendeu a usar editores de texto desenvolve intuição
suficiente para usar qualquer editor de textos. Uma pessoa que foi
treinada a usar um produto sentirá muita dificuldade, até desconforto
ou medo, de usar outro.
O mero treinamento limita nas pessoas uma capacidade muito desejada
no mercado de trabalho nos dias de hoje: a versatilidade. No
treinamento do uso de determinados produtos, ao invés de ensinar
informática, estamos criando profissionais que não terão capacidade
de se adaptar sozinhos a novas tendências. E não estamos falando de
artesanato com argila, cujas técnicas são aproximadamente as mesmas
há centenas de anos; estamos falando de uma realidade que nos empurra
novas tendências a cada 3 meses.
É muito limitada a visão daqueles que acham que treinar pessoas em
escolas para usar o produto mais usado pelo mercado hoje vai
realmente contribuir em algo para sua vida profissional. Há aqueles
que acreditam no condicionamento ao uso como método de ensino. Ou
lhes falta o conhecimento da causa ou sobram os interesses.
Eduardo Maçan
macan@debian.org