Sempre cabe
mais um?
A diversidade é muito freqüentemente uma virtude. A diversidade de gostos e opiniões torna conversas interessantes, de fornecedores nos dá a chance de obter o melhor preço no que queremos, a diversidade de programas e sistemas operacionais estimularia a interoperabilidade entre os mesmos, se ela existisse.
A “diversidade” em sistemas operacionais foi reduzida a três ou quatro modelos principais e suas variantes. O que vemos hoje é que ser tecnicamente superior tem pouca influência no sucesso de um novo produto. Idéias e produtos tecnicamente espetaculares são esmagados pela inércia do mercado todos os dias.
Não foi por falta de tentativas que novos sistemas não emplacaram no mercado. Vejam o exemplo do OS/2: muito mais estável e poderoso do que o sistema predominante para PC da época, se arrastou até a morte. Recentemente, assistimos a outro dos sistemas operacionais mais inovadores já desenvolvidos cair por terra, o BeOS.
Criado para ser um sistema operacional voltado à multimídia, o BeOS tinha um journaled file system muito eficiente, compatibilidade com POSIX, design orientado a objetos, arquitetura baseada em microkernel, privilegiando aplicações de Tempo Real, e um tempo de latência de I/O que deixava o Windows e o Linux na poeira (ao menos o kernel Linux oficial, sem modificações para Real Time). Tempo de latência é o tempo entre um dispositivo produzir um bloco de dados e gerar uma interrupção, e o kernel disponibilizar este bloco de dados para uma aplicação.
O design e potencial do BeOS atraíram a atenção de uma grande comunidade de usuários que desenvolveu e portou softwares como o servidor Apache, a shell bash e tudo o mais para o BeOS. Após alguns anos e várias mudanças de estratégia, a empresa que o desenvolveu, a Be Incorporated, acabou por ser Incorporada (desculpem o trocadilho) pela Palm.
A Palm declarou publicamente não ter interesse em licenciar nenhuma tecnologia da Be que não fossem aquelas aproveitadas em seus próprios produtos, deixando toda uma comunidade órfã. Mais uma vez, a excelência técnica não foi suficiente para sustentar um produto no mercado. Hoje o que resta da Be é uma página web com esclarecimentos a seus investidores.
Voltando ao assunto desta revista, o kernel Linux unido ao projeto GNU (também reconhecidos pela excelência técnica) gerou o único exemplo de sistema operacional bem sucedido no mercado dos últimos 20 anos que não saiu de dentro dos laboratórios da Microsoft. O segredo do sucesso do GNU/Linux é o mesmo do Apache, que é o mesmo do PostgreSQL etc. É o fato de poder ser utilizado livremente. A liberdade é também a garantia de que ele não desaparecerá do mercado, como o BeOS, como o OS/2...
Pode ser chocante para alguns, mas a verdade é que não existe lugar no mercado de hoje para novos sistemas operacionais se eles não forem livres.
Proprietário por proprietário, o mercado tende a sempre escolher quem já está estabelecido. Não fosse livre, quem escolheria “Linux” se já havia o SCO ou o Solaris x86? Hoje o quadro é completamente diferente e não foi somente pela excelência técnica que o Linux chegou onde está.
Já a comunidade que se formou ao redor do BeOS não se desfez tão facilmente quanto a Be Incorporated. Ao contrário, ela está desenvolvendo um clone livre do BeOS segundo as especificações do sistema original. O Open BeOS ou OBOS, como é mais conhecido começa a surgir, contando com mais desenvolvedores do que a Be Incorporated chegou a contratar em seu auge.
Quando, e se, o OBOS for concluído, quem sabe obtenha o sucesso que seu inspirador merecia.
Cenas dos próximos capítulos em open-beos.sourceforge.net/.
"Não existe
lugar no mercado de hoje para
novos sistemas operacionais
se eles não
forem livres"
Eduardo Maçan -
macan@debian.org