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SL não é reserva de mercado

Velhos discursos adaptados para novas realidades são um prato cheio para os caçadores do bonde perdido

Pelo menos uma vez por semana podemos ler na mídia especializada matérias saídas das mais diferentes cabeças brasileiras, afirmando categoricamente que a criação de leis relativas à adoção de Software Livre pelos governos federal, estaduais ou municipais, deveriam ser barradas a qualquer custo e tampouco entrar em pauta de discussão, alegando-se uma reserva de mercado que poderia decorrer da sua adoção.

Mais que uma discussão sem fundamento, os argumentos destes pensadores chegam a ser histéricos no momento em que observamos de onde partem: empresas e pessoas representantes destas, ligadas estreitamente por um purulento cordão umbilical a grandes companhias de software estrangeiras. Difícil entender se defendem seu próprio bolso ou o bolso das grandes companhias e seus modelos sanguessugas.

Quando estes pensadores apelam para um passado pouco distante de reserva de mercado de informática em nosso país, esquecem tendenciosamente de pontuar e mostrar as diferenças do momento atual com o momento passado e jogam para baixo do tapete a incapacidade de remodelação de suas próprias empresas, com a finalidade de deixar transparecer que a adoção do software livre pelos governos seria a grande desgraça do século XXI.

O mais sarcástico comentário ou posição é aquele que diz assim: Tenho o direito de fazer software proprietário e vendê-lo como quiser. Não devo ser submetido a uma lei que me obrigue a fazer software livre. Com certeza, sim, tem este direito e nenhum projeto de lei ou lei já promulgada haverá de tirá-lo de qualquer empresa brasileira. Mas todas as leis, sem exceção, dizem que o governo deve usar Software Livre, preferencial ou obrigatoriamente. Este fato é simples de ser explicado: o governo não trabalha para uma pequena camada da população representada por estas empresas, mas sim para todos os brasileiros.

Se um determinado software livre é, comprovadamente, mais barato que o software proprietário e mantém as mesmas qualidades, quando não as supera, inexiste a necessidade de aquisição de produtos que pouco geram divisas para nosso país e pouco agregam tecnologicamente a todos nós. Além disso, estas leis são criadas para os governos e não para empresas, ficando a cargo delas (e de seus financeiros), o custo de aquisição do que quiserem, inclusive de software proprietário.

Neste ponto mora o primeiro grande embuste, que é escondido de todas as formas destes argumentos. Quando da reserva de mercado de informática, era previsto que nenhuma empresa ou governo poderia importar computadores se não existissem similares nacionais. A diferença hoje é que a lei diz respeito somente ao governo e não a empresas, sejam estas quais forem.

Então temos um flagrante de verdadeira acomodação daqueles que não querem mudar. Possuem hoje gordos contratos com o governo e estão medrosamente preocupados com a possibilidade de perder a mamata nacional. Mudar o foco da empresa ou migrar é algo inadmissível para aqueles que querem muito por pouco. Cômodo é ter uma empresa que vende sonhos e entrega pesadelos para todos nós.

Na mesma linha de incoerências, podemos ouvir algo como a equipe técnica é totalmente especializada em determinada plataforma e não pode mudar. Creio que a história não me deixa mentir ou me equivocar, quando afirmo que o ser humano evoluiu nos últimos milênios. Do par de fios de Graham Bell veio o telefone celular; da observação e estudo dos morcegos veio o sonar; da caldeira a lenha veio o motor a jato e assim por diante. É isto que diferencia o ser humano dos outros animais: a capacidade de se adaptar e criar, baseado em observação, tentativa e erro.

Desta forma, se existe no quadro de funcionários da empresa uma equipe técnica que não é capaz de se adaptar às novas tecnologias e tendências e mudar o foco de seu trabalho, ou não possui capacidade de aprender uma nova tecnologia ou não quer fazê-lo. Empresas assim precisam rever seus conceitos e trocar a equipe. O profissional é movido a desafio e curiosidade, assim sendo, este não é um argumento válido para a maioria deles, que adoram novos desafios. Ademais, se o problema é aprender novas tecnologias ou falta de mão-de-obra, temos atualmente dezenas de faculdades, universidades e cursos livres no Brasil que formam profissionais com proficiência na área de Software Livre, não podendo então ser usado como argumento válido na discussão.

Pensando nesta perspectiva, o que vemos realmente não é a discussão sobre a adoção ou não do Software Livre pelo governo, mas sim se os que brigam para que isso não aconteça podem ou não perder seus contratos e mamatas dentro do primeiro setor. O cerne da questão então muda de foco: passa dos interesses de todos os brasileiros para os interesses de alguns empresários e empresas que, com seus caixas polpudos, fazem lobby de todas as formas para que tais leis caiam por terra.

Finalmente, no viés desta marola criada por poucos, temos várias empresas de vários portes aprendendo realmente o que é fazer software e, principalmente, tendo lucros com isso. Mudaram o modelo de gestão; mudaram o foco. Pequenas empresas de um só programador também perceberam o que gigantes como Oracle e IBM vislumbram: um novo modelo de trabalho, um novo modelo comercial e principalmente, não reclamar das adversidades. Enfrentam-nas, como todo bom brasileiro que se preza.

Você lembra?

O interesse de vários segmentos da sociedade brasileira, notadamente os militares e os meios científicos, buscando atingir melhor independência tecnológica para a informática brasileira, levou à criação, em 1972, da Capre (Comissão de Coordenação das Atividades de Processamento Eletrônico), com o objetivo de propor uma política governamental de desenvolvimento do setor. Em 1974, foi criada a primeira empresa estatal brasileira de fabricação de computadores, a Cobra (Computadores Brasileiros S.A.).

Em 1976, houve a restruturação da Capre e a criação de uma reserva de mercado na faixa de minicomputadores, para empresas nacionais, além da instituição do controle das importações. Os primeiros minicomputadores nacionais, inicialmente utilizando tecnologia estrangeira, passaram a ser fabricados por cinco empresas autorizadas pelo governo federal.

A partir de 1979, a intervenção governamental no setor foi intensificada, com a extensão de reserva de mercado para microcomputadores e com a criação da SEI (secretaria especial de informática), ligada ao Conselho de Segurança Nacional, que é desde então, o órgão superior de orientação, planejamento, supervisão e fiscalização do setor.

Em 1984 foi sancionada a lei nº 7232, que fixou a Política Nacional de Informática e com a qual se oficializou a reserva para alguns segmentos do mercado, inclusive software, com duração limitada de oito anos. Com tais mecanismos de fomento, a informática nacional chegou a atingir taxas de crescimento de 30% ao ano em meados da década de oitenta. O país alcançou em 1986 a sexta posição no mercado mundial da informática, sendo o quinto maior fabricante.


Paulino Michelazzo - pmichelazzo@quilombodigital.org

Tem 31 anos, e é coordenador dos cursos de extensão universitária da FIAP - Faculdade de Informática e Administração Paulista (www.fiap.com.br), SuSE Education Specialist e secretário nacional da ONG Quilombo Digital (www.quilombodigital.org).

Agradecimentos ao “corretor ortográfico virtual” Lisias Toledo


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