Revista Do Linux
 
 

Crônica de uma experiência bem sucedida

O Metrô de São Paulo foi uma das primeiras grandes empresas públicas a adotar Software Livre e é um exemplo genuíno de convivência pacífica e gradual entre soluções proprietárias e livres

O Metrô de São Paulo tem uma longa história de convivência com Software Livre. Mas, também não é de menos. A empresa é uma das pioneiras no serviço público no país em utilizar softwares livres como suíte Office padrão. No caso do Metrô-SP, o StarOffice é utilizado desde novembro de 1999 como solução para suíte de escritório padrão da empresa. O processo de implantação do StarOffice foi gradual em todas as áreas, com o objetivo de não promover grandes choques culturais. “O StarOffice foi instalado sob o sistema operacional Windows e em convivência com o Microsoft Office, em limitado número de cópias”, informa o gerente de Informática e Tecnologia da Informação do Metrô-SP, Gustavo Celso de Queiroz Mazzariol.

A adoção do StarOffice - na época, utilizava-se a versão corrente, 5.1 - deveu-se às dificuldades que a empresa atravessava, como a crise financeira (havia até um Plano de Demissões Voluntárias para redução dos custos operacionais) e a intensificação da política de fiscalização da Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES). O custo dos softwares proprietários era alto demais para os padrões da empresa. “Havíamos chegado a resultados totalmente inviáveis na negociação com a Microsoft para aquisição das licenças do MS-Office para todo o nosso parque de microcomputadores”, frisa Mazzariol. E o que aconteceu em seguida, pode ser considerada uma das experiências mais bem sucedidas da convivência de padrões livres com proprietários de que se tem notícia, considerando o elevado número de usuários.

Números? Bem, por enquanto é um pouco difícil fazer estimativas. “Nossa estratégia de implantação do StarOffice é de convivência com as licenças do MS-Office que tínhamos adquirido até então”, diz Mazzariol. Foi essa estratégia que permitiu ao Metrô-SP fazer uma transição mais serena e alongada de softwares proprietários para livres e evitar maiores conflitos com os usuários da empresa. “Considere que, em novembro de 1999, o conhecimento de softwares livres era praticamente nulo e existia uma forte cultura que produtos livres ou grátis não tinham qualidade e que software livre não era algo para se usar em empresas sérias”. Infelizmente, essa visão persiste até hoje em determinados setores, mas as resistências estão cada vez menores, principalmente nas empresas públicas. Mazzariol é otimista neste aspecto. “Hoje, esse contexto mudou bastante, e soluções alternativas são vistas e analisadas com novos enfoques, tanto em empresas privadas como públicas”. Ele lembra que entre os anos de 1999 e 2000, a gerência de Informática do Metrô-SP teve que enfrentar um conservadorismo arraigado e a melhor estratégia foi ir conquistando e convencendo usuário a usuário, setor a setor. E não é que a tática “formiguinha” deu certo?

Resistência é cultural

Hoje, mesmo havendo o uso misto de ferramentas livres com proprietárias em determinados setores do Metrô-SP, a utilização do StarOffice é encarada como uma coisa normal e foi assimilada pela maioria dos usuários. “A quantidade de usuários aumenta à medida que treinamos mais gente”, lembra Mazzariol. Um recurso utilizado pela equipe da gerência de Informática, e que acelerou o processo de migração, foi a atualização dos micros novos apenas com o StarOffice e a retirada das cópias do MS-Office ou do MS-Word/Excel isoladas dos equipamentos mais antigos. “Podemos considerar que temos uns 1.800 usuários efetivos do StarOffice, de um total potencial de 4.000 usuários, portanto, cerca de 45%, e está crescendo”, enumera. Ele afirma, ainda, que esse número pode ser bem maior, pois muitas pessoas estão usando o StarOffice sem ter tido qualquer tipo formal de treinamento, tendo começado a usá-lo por analogias com a utilização do MS-Office. “Não realizamos desde novembro de 1999 nenhum treinamento nos produtos do MS-Office”, reitera.

A maior dificuldade enfrentada pelos funcionários do Metrô-SP que iniciaram o aprendizado com o OpenOffice foi a resistência cultural, ou seja, a dificuldade que a pessoa tem de deixar a ferramenta ou técnica a que está acostumada e não quer mudar. “As diferenças técnicas para aprendizado não são muitas, pois as ferramentas são muito semelhantes em sua interface”, diz Mazzariol. O que atrapalhou um pouco no processo de aprendizado do StarOffice, ao contrário do que deveria ser, foi o recurso do Desktop, que visa a integrar todas as funcionalidades da suíte, de forma que o usuário seja orientado para o documento e não para a função (processador de texto, planilha de cálculo, etc). “O usuário, acostumado com o MS-Office acaba se atrapalhando com mais um desktop, além daquele do Windows”, complementa.

Negociação com Microsoft

Para uma empresa pública de porte e com grande necessidade de investimentos para manutenção e ampliação dos serviços, como o Metrô, os gastos com licenças de software, enquanto existia uma alternativa mais em conta, eram proibitivos. Na época em que foi implantado o StarOffice, o Metrô-SP tinha acabado de negociar com a Microsoft alternativas de licenciamento e a melhor oferta que a empresa tinha obtido era o licenciamento Enterprise. “Segundo a Microsoft, ele era somente para empresas com grande volume de equipamentos, mas que poderia ser aberta uma exceção no caso do Metrô-SP”, lembra Mazzariol. E qual foi a proposta da Microsoft? “Seria 'apenas' US$ 300 por micro, por ano, com direito a usar a última versão do Windows e do MS-Office”, revela. Como o parque de equipamentos do Metrô-SP girava na época em torno de 1.300 equipamentos, os gastos representariam US$ 390 mil por ano. “Atualmente, temos cerca de 1.600 equipamentos, com necessidade de expansão para 1.800, o que implicaria, no mínimo, em gastos da ordem de US$ 480 mil por ano, ou quase R$ 1,5 milhão todo ano, caso tivéssemos optado pela oferta da Microsoft”, afirma.

A economia gerada com a adoção de ferramentas livres, sem perdas de qualidade e atendendo perfeitamente às necessidades do Metrô-SP, foi o principal benefício para a empresa. A não necessidade de controle de licenças do produto por máquina, uma vez que o StarOffice pode ser instalado livremente, foi uma conseqüência direta da adoção de Software Livre, que mudou, inclusive, a gestão dos recursos da empresa. “Inicialmente, nem percebemos que passamos a analisar alternativas de soluções com uma cabeça mais aberta, considerando, além dos tradicionais e consagrados produtos do mercado, outras opções disponíveis, sem menosprezar software livre, gratuito ou mais barato”, diz Mazzariol.

Essa mudança de valores levou a gerência de Informática do Metrô-SP a estar sempre buscando a melhor relação custo X benefício. “Valorizamos sobremaneira o que se necessita e não o que é oferecido e criamos uma mentalidade de não ficar escravo de um único fornecedor”, afirma. É dessa maneira que o Metrô-SP conseguiu se livrar de uma política de preços e condições de contrato de um fornecedor, que pode mudar suas cotações a qualquer hora, sem qualquer explicação. “O uso dos softwares livres e aplicação melhor da verba que seria gasta no licenciamento do software nos proporcionou um novo estado de espírito, muito mais aberto, flexível e criativo”, completa.

Linux nas estações de trabalho

O Metrô-SP continua utilizando o sistema operacional Windows, pois foi essa a opção feita quando se decidiu migrar para o StarOffice. “Fizemos isso para evitar maiores choques culturais”, ressalta Mazzariol. “Até mesmo porque não dava para ficar sem o Windows face aos demais aplicativos”. No entanto, ele considera que uma “nova transição progressiva” é viável, e a empresa estuda por onde e como iniciar o processo de adoção do Linux nas estações de trabalho, enquanto nos servidores do Metrô-SP o sistema operacional do pingüim já é uma realidade.

Experiências já estão sendo feitas com o pingüim no desktop. Há uma estação Linux rodando o OpenOffice no laboratório de Software Livre do Metrô-SP. Um micro AMD K-6 com 64 Mb de RAM, HD de 4 Gb e RedHat 7.3 roda o OpenOffice 1.0.1 e, por enquanto, apenas a equipe de Software Livre da empresa o utiliza. “Pretendemos expandir para outros usuários”, revela Mazzariol. Há outro projeto em fase de gestação, com implantação prevista para o ano que vem, que se chama “Micro Livre”. “São equipamentos adicionais que colocaremos nas áreas onde o sistema operacional será só o Linux e os aplicativos serão todos do tipo StarOffice, OpenOffice, browser para Linux, nosso correio eletrônico que já é padrão web, acessos à Internet e Intranet”, explica. O objetivo do projeto é a aculturação e preparação dos usuários e do próprio pessoal que trabalha na área de informática do Metrô-SP para uma implantação mais geral e agressiva de soluções livres.

Engana-se quem acha que o processo de aculturação para uma solução livre seja rápido. “É um processo lento e progressivo, portanto, há que se ter paciência, trabalhar na estratégia de implantação e persistir no processo de aculturação, uma parte no convencimento e outra na pressão”, salienta Mazzariol. E o que falta para que o Software Livre se torne mais popular e aceito por todos? “Credibilidade no mercado”, responde. Para ele, as perguntas clássicas quem garante o produto, que suporte terei e quais empresas estão usando a solução podem ser respondidas à medida que mais empresas entram para valer no uso do Software Livre, seja qual for o motivo. “Exemplos marcantes e cases de sucesso são normalmente mais convincentes que um milhão de palavras”, afirma. E o Metrô-SP, certamente, é um desses cases de sucesso, pelo pioneirismo e os resultados representativos registrados pela Revista do Linux.

Treinamentos diferenciados

O Metrô-SP disponibilizou, de início, dois tipos de treinamento: um de migração do MS-Office para o StarOffice (denominado na empresa como “upgrade”) para os usuários que já tinham conhecimento e trabalhavam com o produto MS-Office. O treinamento era composto de três módulos, cada um com duração de oito horas, formados pelo StarWriter (processador de texto), StarCalc (planilha) e “Star-resto” (apresentação StarImpress, desenho StarDraw e agenda StarSchedule). Esse treinamento consistia na apresentação das diferenças e similaridades entre os produtos.

O outro tipo de treinamento é o completo, que atende aos usuários que não têm conhecimento de qualquer das ferramentas. Também é dividido em três módulos, cada um com duração de 20 horas, ministrados em cinco dias, quatro horas por dia. Os módulos são independentes, ou seja, os usuários podem optar por aprender todas as ferramentas ou apenas aquela que seja necessária para a realização das suas atividades.

Todos os treinamentos foram e continuam sendo ministrados por uma empresa contratada pelo Metrô-SP, que fornece locais nas dependências da empresa, com um micro por aluno e também o material (manuais elaborados pela própria equipe de suporte do Metrô-SP até porque não havia nada similar no mercado). A empresa contratada para o treinamento disponibiliza o instrutor e é responsável pela preparação das aulas e também pelo acompanhamento pedagógico, incluindo as avaliações. (RA)

StarOffice ou OpenOffice?

Em novembro de 1999 começamos a usar o produto StarOffice em paralelo com as cópias de MS-Office que tínhamos. Criado pela empresa alemã Star Division e depois adquirido pela Sun Microsystems, o programa StarOffice era e ainda é uma das melhores alternativas entre as suítes de aplicativos de escritório. Além de atender às necessidades do dia-a-dia, o StarOffice tem a seu favor um apelo irresistível: ser gratuito. Adotando uma postura revolucionária, a Sun decidiu abrir, em outubro de 2000, o código fonte do StarOffice, que passou a ser conhecido como OpenOffice.

O software adotou as características intrínsecas de um software livre e não proprietário, carregando em si uma concepção de cooperação, pois um programa livre pode ser modificado, alterado e aprimorado por centenas de programadores em todo o mundo.

Certamente, ao final desse processo, tem-se um produto muito mais adaptado aos interesses da maioria. Atualmente, a Sun está lançando a versão 6.0 do StarOffice com novas regras de licenciamento, o que significa que o software passa a ter um custo (reduzido, mas existente) e seu código fonte deixará de ser aberto, passando a ser proprietário. A última versão gratuita do StarOffice, a 5.2, com seu código aberto, passou a ser a base do produto, rebatizado como OpenOffice 1.0, que continua gratuito, é de código aberto e, nessta versão, consolida todas as colaborações e propostas de alteração da comunidade.

O Metrô é considerado um dos pioneiros no uso de software livre entre as empresas públicas do Brasil. A excelente qualidade dos produtos livres existentes tem criado uma forte tendência mundial de aceitação deste gênero de produto, fundamental em épocas de orçamentos restritos. Desta forma, temos por compromisso o uso preferencial de softwares livres como alternativa a produtos comerciais de cunho proprietário. Nossa estratégia será, então, convergir progressivamente para o OpenOffice, como substituto natural ao MS-Office 97 e StarOffice versões 5.1 e 5.2. É importante ressaltar que todo o investimento realizado em documentação, suporte e treinamento não terá de ser repetido, pois o OpenOffice é, basicamente, um novo nome do mesmo produto. Quem já utiliza o StarOffice não terá nenhuma dificuldade em usar o OpenOffice. O material de treinamento sofrerá pequenos ajustes e, em breve, deveremos disponibilizá-lo na Intranet e na Internet, como já ocorre hoje com o material elaborado para o StarOffice, versões 5.1 e 5.2. Programas de códigos abertos, do mundo de software livre, há tempos deixaram de ser aventura de “radicais” ou de exclusivo uso acadêmico para ocupar espaço significativo em pequenas ou grandes empresas.

O Metrô-SP sempre ocupou posições de vanguarda tecnológica. Temos servido de exemplo e motivação para várias empresas brasileiras, tanto públicas como privadas, que nos seguem, usam nossa documentação, nossa experiência e vivem citando e agradecendo nosso apoio. Este é mais um motivo para sermos coerentes com aqueles que acreditaram em nós e nos acompanharam até aqui.

Portanto, permanecer defendendo soluções de código aberto, compartilhando conhecimentos, buscando sempre a melhor relação custo/benefício é o que nos leva ao OpenOffice como caminho mais adequado. Para termos qualidade e independência tecnológica, precisamos ser livres.

(Reprodução do texto publicado na revista do Metrô de São Paulo - Metromix)

Resumo da solução

No ano de 1999, a Companhia do Metropolitano de São Paulo decidiu utilizar o StarOffice como solução para suíte de escritório padrão da empresa O processo de migração dos sistemas proprietários para livres foi gradual com o objetivo de não haver um choque cultural muito grande.

Razões para a migração:

  • dificuldades financeiras do Metrô-SP na época
  • intensificação da fiscalização por parte da ABES (Associação Brasileira das Empresas de Software)
  • alto custo dos softwares proprietários

    Estimativas da utilização do StarOffice no Metrô-SP:

  • 1.800 usuários efetivos do StarOffice
  • 4.000 usuários potenciais no total
  • 45% dos usuários operam soluções livres

    Economia proporcionada pela adoção de soluções livres:

    Atualmente o Metrô-SP possui 1.600 equipamentos, e se fossem utilizadas ferramentas proprietárias para todas essas máquinas, o gasto anual seria de R$ 480.000.

    Linux no desktop?

    Configuração da máquina de testes (desktop Linux) do laboratório de Software Livre do Metrô-SP

    AMD K6
    64 MB de RAM
    HD de 4 GB
    RedHat 7.3
    OpenOffice 1.0.1

    Fonte: Companhia do Metropolitano de São Paulo.


    Rodrigo Asturian - asturian@RevistaDoLinux.com.br


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