Entrevista
Guardião das contas do governo
Especialista em orçamento e finanças públicas, o Deputado Federal Sérgio Miranda (PC do B-MG) é a principal referência da esquerda nesse campo. Muito de sua credibilidade vem de seu profundo conhecimento das contas do governo e de sua luta pela correta utilização dos recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) na informatização das escolas públicas e em outras áreas. Miranda é contra o uso do dinheiro do Fust em favor das empresas de telecomunicações e defende a adoção do software livre no serviço público e o desenvolvimento da informática nacional. Aposta na produção de softwares no país e é contra o financiamento público da importação de produtos e serviços com similares nacionais. Em seu terceiro mandato de deputado federal, o trabalho de Sérgio Miranda é reconhecido, já que foi eleito pela pela 7º vez consecutiva um dos cem melhores e expressivos representantes no Congresso. Desde os anos 60, quando lutava contra a ditadura e pela soberania popular, vem imprimindo à sua carreira política coragem e determinação para enfrentar os abusos de poder e as investidas contra a Constituição, os trabalhadores, os aposentados e o crescimento do país. Pela sua destacada luta a favor do Software Livre, o deputado Sérgio Miranda é o entrevistado deste mês na Revista do Linux.
Revista Do Linux - Como está hoje a licitação com recursos do Fust para a informatização das escolas públicas?
Deputado Sérgio Miranda - Hoje, os recursos do Fust somam cerca de R$ 1,8 bilhão, referentes aos anos de 2001 e 2002. A sua origem está no recolhimento de 1% do faturamento das empresas de telecomunicações e também referente ao pagamento de R$ 700 milhões. São, portanto, recursos públicos, ao contrário do que se diz: seria dinheiro das empresas. O governo Fernando Henrique está retendo a sua totalidade na Conta Única do Tesouro para fazer superávit primário e cumprir as metas acertadas em acordos com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Desse conjunto, cerca de R$ 480 milhões estão destinados à informatização das escolas neste ano. Ao final de três anos, será mais de R$ 1,5 bilhões. Contestamos na Justiça o edital, pois ele continha vícios que beneficiavam os monopólios das empresas concessionárias de telefonia fixa e também a Microsoft, que tem suas ações monopolistas contestadas no seu país de origem e mesmo no Brasil, em processo no Cade. Não havia um projeto pedagógico claro, não se considerava as redes já existentes nos estados e nem mesmo os investimentos que já foram feitos, não se previam penalidades progressivas e compatíveis com os possíveis descumprimentos contratuais. Faltava, ainda, uma logística para controle da distribuição dos equipamentos. A licitação apresentava fragilidades e até irresponsabilidades em praticamente todos os pontos analisados.
RdL - Já que a Anatel anulou o edital contestado pelo senhor na Justiça, como será o novo edital?
SM - A Anatel iria definir um novo serviço em regime público para atender especificamente à demanda pela informatização das escolas. Esse é outro aspecto significativo, pois o regime público garante que os equipamentos sejam de responsabilidade da empresa concessionária que vencer a licitação, que deverá mantê-los e atualizá-los. Em quaisquer casos de rompimento do contrato, os equipamentos retornam ao poder público. Antes eles seriam propriedade das concessionárias. Novas concessões seriam outorgadas para qualquer empresa que se apresentasse em condições de atender às demandas especificadas. Aqui temos um importante avanço: a licitação não estará mais restrita às concessionárias de telefonia fixa, nem mesmo restrita às atuais empresas de telecomunicações. Vai estar aberta a todas as empresas que queiram participar. Abre-se a possibilidade de se utilizar os recursos como um instrumento de política setorial para a área da Tecnologia da Informação. Uma preocupação que tenho é a de garantir uma boa divisão geográfica para a licitação, que não será mais correspondente às áreas de concessão, como no edital anterior. Tudo bem, é um avanço, mas precisamos estar atentos para garantir que as áreas sejam reduzidas o suficiente para ampliar a concorrência e grandes o necessário para assegurar a viabilidade econômica da rede. Outra vitória importante da sociedade nesta luta foi a garantia do presidente da Anatel de que a Microsoft não será mais privilegiada. Terá de concorrer como qualquer outra empresa.
RdL - O senhor acredita que essa é a melhor solução para a informatização das escolas?
SM - Acredito que precisamos encontrar um ponto de equilíbrio. Não podemos ficar infinitamente buscando a melhor solução. Esse é um programa de grande importância para nossa juventude e para o país. Temos pressa! Sempre tivemos urgência, mas não podíamos aceitar uma das piores alternativas, senão a pior, aquela do edital revogado. O essencial é encontrarmos um modelo que atenda, no mínimo, as nossas exigências de qualidade e necessidade. Um modelo que possa ser ampliado, que não seja fechado e excludente. Para isso, precisamos que a Anatel mantenha o espírito de diálogo e assegure um processo de discussão amplo e aberto a todos os setores. Nesses 10 meses, quando o edital esteve suspenso, a sociedade se mobilizou para debater o tema. A Anatel manteve-se fechada e isolada. Ela precisa abrir-se para incorporar as diversas soluções que surgiram nesse debate franco, que acabou se organizando em torno de meu gabinete.
RdL - Como deverá ser a participação das empresas prestadoras de serviços de informática e das secretarias estaduais de educação no novo processo?
SM - Como disse, temos o compromisso do presidente da Anatel de que haverá abertura no edital para todas as empresas. Assim, as empresas de informática estarão em condições de participar em pé de igualdade com as de telecomunicações. Isso, pelo menos, em tese. Já ouvi opiniões de que essa abertura às demais empresas será, de fato, falsa, pois poucas têm experiência na formação de grandes redes como será a demanda do programa. Por isso, acho fundamental discutir como sinalizaremos com uma política para o setor de TI. O que não podemos é manter dúvidas sobre a necessidade de utilizarmos esses recursos do Fust para induzir uma nova onda de crescimento no setor de Tecnologia da Informação. Temos um quadro de profissionais da mais alta qualidade em um setor dinâmico, com grande possibilidade de crescimento. A demanda interna não atendida será aumentada com o programa Fust-educação. Além disso, o Brasil pode ocupar significativo espaço no mercado internacional, exportando soluções. O que falta é uma clara política de incentivos. Essa é uma oportunidade que não pode ser desperdiçada.
RdL - O governo federal anunciou que irá retirar boa parte (75%) dos recursos destinado à informatização das escolas públicas para atender uma reivindicação das empresas de telefonia, que alegam prejuízos na operação de linhas telefônicas para a população de baixa renda, áreas rurais e localidade com menos de cem habitantes. Qual a opinião do senhor quanto à isso? Isso não atrapalha o projeto de informatização das escolas?
SM - Certamente, se prevalecer o projeto de lei nº 26-2002, que se encontra no Congresso Nacional, a informatização das escolas simplesmente não será implementada. No entanto, não acredito que ele será aprovado. No próprio governo não há consenso sobre ele. Existe ainda a promessa do ministro do Planejamento, Guilherme Dias, ao ministro das Comunicações, Juarez Quadros, de enviar novo projeto de lei incluindo as ações do Telecomunidade, excluídas do PL 26. É aguardar para ver.
RdL - Como e quanto o senhor espera que a equipe econômica do governo Fernando Henrique libere para a informatização das escolas? Os valores serão suficientes?
SM - Eu não acredito que o governo Fernando Henrique libere os recursos do Fust que estão contingenciados na Conta Única do Tesouro. A sua lógica de reduzir investimentos e preservar recursos para honrar seus compromissos com os grandes especuladores, o impede de liberar o dinheiro do Fust, que, afinal, é da sociedade e deveria retornar-lhe como serviço. Dessa maneira, considero que o Fust já é um assunto a ser tratado somente no próximo governo. Por isso, é importante conseguir dos presidenciáveis um compromisso explicito com a aplicação dos recursos na informatização das escolas, da saúde e de outros setores. Devemos buscar também o apoio claro à utilização desses recursos como instrumento de política setorial para a TI. Hoje, esse é o único caminho viável que vislumbro para o Fust. Claro que não podemos ficar de braços cruzados esperando o próximo governo. Estamos conversando, fazendo seminários e apontando aspectos importantes que devem constar de uma nova proposta para o Fust.
RdL - Na sua opinião, quais vantagens os alunos das escolas públicas poderão obter com a utilização de softwares livres?
SM - Acho que a utilização de softwares livres na informatização das escolas poderia trazer inúmeras vantagens para os alunos, mas também enormes ganhos para a sociedade. Estou convencido de que o software livre é um importante instrumento de luta pela autonomia e independência tecnológica dos países em desenvolvimento. A liberdade de se apropriar de um conhecimento condensado por uma pessoa ou um grupo com o único compromisso de que os valores ali agregados continuem sendo ~Spropriedade~T coletiva. Esse processo faz com que a qualidade do software livre se coloque em um patamar superior. Quando se trata da utilização pelo Estado, então, a dimensão democrática ganha maior vulto. Por ter o código-fonte aberto é o único que permite ser auditado por diversos setores comprometidos com os interesses sociais, impedindo que as grandes vontades da sociedade tenham que ser submetidas aos critérios da propriedade e às idiossincrasias de proprietários. Mais do que isso, o Estado não fica refém de monopólios e pressões políticas.
RdL - O senhor tem esperanças de que os alunos da rede pública tenham os micros nas escolas ainda este ano?
SM - O governo está retendo os recursos do Fust para realizar seus superávits primários e dificilmente vai liberá-los. Por outro lado, a proposta que a Anatel pretende enviar depende de algumas medidas como mudanças no Plano Geral de Metas, publicação de Decreto criando o novo serviço em regime público e, além disso, todo o processo específico de concessão do novo serviço. Portanto, acredito que dificilmente os equipamentos chegam ainda este ano às escolas. O que poderia ocorrer é a assinatura de contratos.
RdL - Quais os planos do senhor para o futuro e o que pretende fazer na área de informática?
SM - Meus planos para o momento passam necessariamente pela reeleição para continuar essa luta em torno do Fust e de outras questões que têm marcado meu mandato. Uma das principais características de minha atuação é o trabalho na Comissão Mista de Orçamento. Com o debate em torno do Fust, fiz, também, muitos contatos na área de informática de uma maneira geral. Tenho discutido com empresários, pesquisadores, professores, intelectuais e trabalhadores da área e vejo grandes perspectivas de trabalharmos juntos em defesa do setor. Minha atuação tem algumas características gerais que se somam às preocupações do setor: defesa de um projeto autônomo para o país com o incentivo à produção para o mercado interno e, nos casos dos setores mais competitivos, (e o de TI se enquadra nesse caso), incentivar a exportação. Precisamos gerar divisas e superávits comerciais indispensáveis ao incremento do nosso crescimento econômico. Neste contexto merece destaque o software livre, como uma alternativa de desenvolvimento independente para o Brasil.
~SOutra vitória importante nessa luta foi a garantia do presidente da Anatel de que a Microsoft não será mais privilegiada. Terá que concorrer como qualquer empresa.~T
~SEstou convencido de que o software livre é importante instrumento de luta pela autonomia e independência tecnológica dos países em desenvolvimento.~T
Leia a íntegra da entrevista com o deputado Sérgio Miranda em www.revistadolinux.com.br
Rodrigo Asturian - asturian@RevistaDoLinux.com.br