Software Livre na Administração Pública - Parte final
Acompanhe o caso de sucesso no Rio Grande do Sul e os estudos para a utilização do software livre na Europa
Na homepage do projeto na Internet está conceituado "O Projeto Software Livre RS é uma parceria do governo do Estado do Rio Grande do Sul com instituições públicas e privadas do Estado, que tem como principal objetivo a promoção do uso de softwares livres como alternativa econômica e tecnológica ao mundo proprietário, que tem ditado os parâmetros de custo e de desenvolvimento do setor em todo o mundo. Estimulando o uso de software livre, o projeto pretende investir na produção e qualificação do conhecimento local a partir de uma nova postura, que insere a questão tecnológica no contexto da construção de mundo com inclusão social e igualdade de acesso aos avanços sociais. Esta iniciativa tem origem no alto volume de investimentos em softwares proprietários exigidos do governo do RS no ano e na qualidade técnica e segurança garantida pelos uso de softwares livres. Em 1999, o governo gastou aproximadamente R$ 18 milhões na aquisição de softwares proprietários para atualizar a estrutura de informática que herdou da gestão anterior. Este valor não inclui gastos dos poderes legislativo e judiciário. Inúmeras são as carências de necessidades básicas da população que poderiam ser atendidas com estes recursos, se tivessem sido utilizados softwares livres".
No ano de 2001, os gastos estaduais com a aquisição de licenças de softwares proprietários caíram para R$ 150.000,00, o que resultou, em relação a 1999, em uma economia de cerca de 83 % para o erário riograndense.
Outro exemplo gaúcho é o Projeto Rede Escolar Livre que objetiva viabilizar o uso da informática nas escolas públicas estaduais do Rio Grande do Sul, possibilitando assim a inclusão dos alunos, professores, funcionários e comunidade escolar no novo mundo que se apresenta através da tecnologia da informação.
As escolas do projeto-piloto contarão com aplicativos livres em seus laboratórios, entre eles o Linux e o StarOffice. O software livre trabalha com código aberto, permitindo que os programadores tenham acesso e possam modificar as suas configurações. Além disso, tem livre difusão, o que possibilita que uma mesma cópia de um programa possa ser instalada em quantas máquinas o usuário desejar. A economia de custo do software livre é outra vantagem. Com a sua utilização no Rede Escolar Livre RS, serão economizados cerca de R$ 40 milhões.
Em 22 de fevereiro de 2001, a Comissão Européia - Intercâmbio de Dados entre as Administrações (IDA - Interchange of Data between Administrations) organizou um seminário em Bruxelas, Bélgica, para tratar do uso do software livre na administração pública européia. Deste evento resultou a encomenda de um estudo sobre o uso do software livre no setor público da França, Espanha, Alemanha, Itália, Bélgica e Suécia.
Segundo o relatório1 que resultou do estudo encomendado, a França e a Alemanha lideram em termos de inovações na área. A Alemanha2 , pelas diretrizes e realizações concretas, e a França3 , pelo crescente suporte governamental na área.
Na Espanha4 , embora o suporte político oficial seja ainda limitado, apresenta considerável nível de realizações em departamentos específicos do setor público.
Na Bélgica, Itália e Suécia, as realizações resultaram de esforços individuais, sem expressividade em termos de volume, e não contam, até agora, com um suporte ativo de uma política governamental.
Interessante aspecto do estudo europeu se refere às razões apresentadas dos motivos de se usar software livre, pelos órgãos públicos avaliados que já o fazem (Figura 1). Observar que o baixo custo, que é a motivação principal apresentada pela legislação brasileira aparece em sexto lugar em importância no estudo europeu.
Isto porque, embora o software livre seja geralmente disponibilizado gratuitamente ou a baixo custo de aquisição, este custo representa apenas um componente (cerca de 20%) do custo total que abrange instalação, migração de dados, treinamento, suporte e interoperação. A solução nunca será isenta de custos, e investimentos em software livre podem apresentar considerável onerosidade em termos de treinamento e implementação. É evidente que, dependendo do número de usuários (efeito escala), o corte no custo das licenças pode se tornar muito atrativo.
A questão da interoperabilidade e do respeito aos padrões está intimamente relacionada com o desejo dos governos europeus de não ficarem cativos de determinadas empresas, notadamente as norte-americanas, e também com a necessidade de integração dos estados europeus.
A segurança advém do conhecimento do código fonte e o direito de modificá-lo. Entender como o sistema funciona é fundamental para os requisitos do setor público em termos de transparência.
O estudo também apresenta as razões que dificultam ou inviabilizam o uso do software livre na administração. Uma delas se relaciona com os aspectos legais e contratuais. Os contratos geralmente são de longa duração e com parceiros tradicionais que ainda não incorporaram em sua infraestrutura e no seu corpo técnico a cultura das novas soluções disponibilizadas pelo software livre. A tendência é oportunizar o software livre nas novas contratações.
Com respeito a este assunto, vale a pena recordar a recente controvérsia referente ao processo licitatório do programa brasileiro Telecomunidade, financiado com recursos do FUST/Anatel5 , com favorecimento da plataforma proprietária da empresa americana Microsoft, em detrimento do interesse público brasileiro6 . Há um projeto de lei tramitando no Congresso7 para acrescentar um parágrafo ao artigo quinto da lei 9998/2000, que instituiu o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações, obrigando os terminais de operação a utilizar equipamentos com plataforma operacional de software livre.
Questão que agita o mundo jurídico internacional com graves impactos econômicos é a nova legislação americana8 sobre o comércio e uso de software e a nova interpretação da lei das patentes9 que permite a sua aplicação na área de software. Em 1981, o desfecho do caso Diamond versus Diehr, que permitiu a patente de processos industriais controlados por certos algoritmos, levou a uma nova interpretação da agência americana responsável pelas patentes (United States Patent and Trademark Office10 ) em favor da possibilidade de se patentear algoritmos e técnicas de programação. A partir desta interpretação, ocorreu uma corrida11 das empresas para registrar patentes de algoritmos, muitos deles descaracterizados da inovação e originalidade ensejadoras do registro. Muitas empresas americanas têm exercido o seu poder econômico para forçar a legislação dos vários países a adotar as patentes de software12 . No seu artigo "Software Aberto à Francesa"[13] , o Prof. Pedro Antonio Dourado de Rezende comenta:
"Existem hoje algumas 'empresas de software' que não produzem software, mas vivem de negociar patentes, de ameaçar com processos judiciais e de vender licenças a outras empresas, como a Refac International (pat. 4,398,249: ordem natural de recálculo das células de um vetor), a Cadtrak (pat. 4,197,590: uso de XOR para desenhar cursor). Existem também aquelas empresas que somente produzem patentes. Para quem hoje produz software (uma atividade deveras inventiva), é praticamente impossível saber se as idéias que lhe ocorrem ao codificar estão ou não cobertas por patentes (nem mesmo os advogados sabem), e a pior das ameaças é aquela que surge após a distribuição do produto. Não adianta nem pensar em ocultar o código fonte para se livrar das ameaças dos advogados de patente, porque muitas delas protegem "técnicas de programação", que podem se traduzir em elementos e recursos da interface com o usuário, como a patente da revisão ortográfica automática acionada pela barra de espaços e a do uso de cookies para a compra-em-um-clique da Amazon.com, que atualmente está processando uma concorrente por "plágio de tecnologia". Qualquer dia, veremos patenteada a técnica "compra-em-zero-cliques", quando o internauta estará assinando uma fatura assim que a página do vendedor for desenhada em sua tela. Não vou nem mencionar o mais novo tipo de patente, o de modelo de negócio".
Segundo Ivo Teixeira Gico Júnior, o princípio constitucional da eficiência preconiza que, na busca e consecução do interesse social, o Poder Público deve não só almejar a busca dos meios para produção dos efeitos desejados (eficiência material), como também adotar aqueles com a melhor relação custo/benefício (eficiência econômica), ou seja, na gestão dos recursos públicos deve-se primar sempre pela maximização dos resultados e minimização dos custos.
A análise de toda política pública deve se basear neste imperativo constitucional. A realidade atual nos informa que o exercício efetivo da cidadania está condicionado ao livre acesso à informação. É neste contexto que se enquadra a questão do uso do software livre pela administração pública.
Nota de Rodapé
- Study into the use of Open Source Software in the Public Sector. A report directed by Patrice-Emmanuel Schmitz, Unisys Belgium
- Entre estas realizações estão a criação de um centro de competência nacional em software livre (BerliOS) , a reengenharia de processos voltada para software livre em departamentos específicos e a criação de um site específico sofre software livre na administração pública alemã (linux.kbst.bund.de)
- A pedido do primeiro ministro Jospin, Thierry Carcenac entregou um relatório (www.premier-ministre.gouv.fr/fr/p.cfm?ref=22508 ) sobre a "administração voltada ao cidadão", onde consta a adoção de software livre na administração pública como uma das seis prioridades. O projeto de lei de Le Déaut / Paul / Bolch / Cohen (aful.org/presse/pr-ledeaut.html) objetiva impor o software livre na administração pública francesa.
- Entre estas realizações está o projeto MAP virtual (usar software livre no ministério da administração pública espanhola - www.andago.com/Ingles/icaso_virtualmap.htm).
- Este projeto visa, principalmente, a oferta de equipamentos, acesso à Internet e capacitação de professores para atender escolas públicas de ensino médio e educação profissional. A previsão é de proporcionar um computador para cada 25 alunos. O processo licitatório contemplará a compra de 290.000 PC´s, 16.000 servidores e infraestrutura de conexão à Internet para 13.000 escolas, beneficiando cerca de 7 milhões de estudantes.
- O artigo do professor Pedro Antônio Dourado de Rezende, "Comentários ao Edital 1/2001 da Anatel" (www.cic.unb.br/docentes/pedro/trabs/fust.htm), apresenta uma crítica bem fundamentada à decisão do Juiz Carlos Eduardo Castro Martins, da 6ª Vara da Justiça Federal de Brasília, de indeferir pedido de liminar pela nulidade do edital de licitação da Internet escolar, do programa Telecomunidade, financiado com recursos do FUST. Posteriormente, o edital foi anulado.
- PL. 05989 2001
- The Uniform Computer Information Transactions Act (UCITA)
- U.S. Patent Act ~W 35 USCS Sects. 1 - 376 (www.law.cornell.edu/patent/patent.overview.html)
- www.uspto.gov
- Existem mais de 2.000 destas patentes registradas nos EUA
- No artigo "The danger of the Hague Treaty", (www.uspto.gov/web/offices/dcom/olia/haguecomments/tab05.pdf), Richard Stallman cita os casos da empresa americana CISCO, que pressionou a legalização das patentes de software em Liechtenstein (pequeno país europeu), e da IBM, que ameaçou o corte de investimentos em vários países europeus, se eles não apoiassem as patentes de software.
- www.cic.unb.br/docentes/pedro/segdadtop.htm
Josafá Rodrigues Carvalho Silva - Mestre em Ciência da Computação pela UFMG e Acadêmico de Direito do Uniceub (DF)