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Brod pelo mundo

Experiência que é boa a gente compartilha. O linuxer Cesar Brod conta, em uma espécie de "diário de bordo" leve e divertido, como foi a sua viagem de trabalho pela Finlândia

Helsinque I

Em uma escavação na Inglaterra foram encontradas barras de ferros paralelas datadas de 1677, o que levou os arqueólogos à conclusão de que as primeiras estradas de ferro foram construídas pelos britânicos. Na Espanha encontraram pares de cabos de cobre datados de 1795, e os arqueólogos concluíram que os primeiros cabos telefônicos foram usados no país. Um investimento arqueológico financiado por inúmeras empresas americanas descobriu cabos de fibra ótica enterrados há mais de 120 anos. Na Finlândia cavaram, cavaram, e não encontraram nada. Os arqueólogos finlandeses descobriram que a telefonia celular foi usada pela primeira vez na Finlândia. Nem dois dias em Helsinque, e já sei piadas locais!

Se em 1993, quando usei o Linux pela primeira vez, alguém tivesse me dito que em 2002 eu estaria na terra do criador do kernel, eu iria perguntar: "Quem criou mesmo este negócio?". O mundo é pequeno. A Finlândia não é muito grande também: quatro milhões de habitantes, dos quais 500.000 estão em Helsinque (um milhão e meio, se contar as cidades-satélites). Isto sem contar os elfos da Lapônia, que fica um pouco mais para cima.

Se nevasse em Arroio do Meio (N. de R.: Município localizado no interior do Rio Grande do Sul), seria muito parecido com Helsinque, tirando o mar Báltico, que é um pouco menor do que o Taquari em época de enchente. Em outras épocas, é tal e qual. Aqui é tudo muito limpo, talvez por causa da neve que deixa tudo branquinho, branquinho.

Estou trabalhando no escritório da Kepa (www.kepa.fi), uma associação de ONGs que tem o suporte do governo finlandês. A OneWorld.Net e seu escritório local foram contratados pelo ministro de apoio ao desenvolvimento, para descobrir de que maneira o software livre influencia social e economicamente países emergentes (um nome político para o que no ginásio chamávamos de terceiro mundo). A idéia é descobrir se o governo do país do Linus deve destinar verbas para projetos de software livre na América Latina, África e a parte pobre da Ásia. Ainda que todos os coordenadores regionais deste trabalho coordenado pelo Niranjan Rajani (eu mesmo, o Nico Coetzee da África do Sul e o Frederick Noronha - ver a última Revista do Linux - da Índia) estejam ligados ao movimento de Software Livre, o ministro trabalha com várias agendas e prioridades. Ou seja, no início da reunião já fomos avisados de que todo o trabalho pode virar apenas uma "referência para o futuro". Os resultados, porém, serão publicados para a crítica pública.

Uma das coisas que discutimos hoje foi a participação da mulher no mercado de trabalho de informática e como o software livre pode ajudar neste aspecto - um dos que foram destacados no quesito geração de emprego e renda. Imediatamente consultei as GNURIAS, e a Preta rapidamente respondeu com uma extensa lista de sugestões. A Preta coloca a versatilidade feminina, a capacidade de adaptação, como um diferencial positivo na busca de trabalho em um mercado cuja lógica de negócios se transforma. O que ela coloca nas entrelinhas de maneira não tão óbvia é a natural preocupação feminina com o próximo, a coisa de cuidar dos outros, um sentimento para o qual a melhor palavra que encontro é em inglês: nurturing (não estou me exibindo, é só o cansaço mesmo que faz com que as palavras escapem. Quem tiver mais idéias pode contribuir que eu agradeço!).

Aliás, falando na Preta, ela acaba de ter seu projeto de levar software livre como auxílio ao aprendizado à populações carentes no norte do Brasil aprovado pelo programa Universidade Solidária. A Preta já vinha pensando em fazer alguma coisa neste sentido desde que tivemos contatos com um grupo de professoras no primeiro treinamento de software livre que ministramos aos NTEs, e acompanhando o projeto Rede Escolar Livre e os trabalhos feitos pela Ofset (Organization for Free Software Education and Teaching) a Preta foi desenvolvendo o seu próprio projeto, trocando idéias com a mãe dela, que é professora. A Preta é jóia!

Helsinque II

O mundo é pequeno. Quando cheguei ao aeroporto de Helsinque, dividi o Táxi para o centro com uma jornalista que conhecia os pais do Linus (eu estava usando o moleton da LinuxWorld, o que motivou a conversa). Ao mostrar minha surpresa, ela disse que em Helsinque quase todo mundo se conhece. Eu disse para ela que em Arroio do Meio também era assim, e perguntei, olhando pela janela: "Que rio é este?". Ela respondeu que era o Mar Báltico. O pior é que eu já tinha olhado o mapa, e mesmo assim passei por um ignorante geográfico. O pai dela era amigo do avô do Linus, e ela conta que ele contava muitas coisas do neto do amigo, e como ele era ligado em "máquinas". Um barato.

Hoje apresentamos todos nós os projetos nos quais estamos envolvidos. Pra variar, um sucesso. O pessoal está mesmo interessado no aumento da participação da mulher no mercado de trabalho e, além de praticamente traduzir o e-Mail que a Preta mandou (Preta, manda para as listas!), ainda pude falar mais sobre as GNURIAS.

Helsinque III

A Finlândia é que devia ser a terra do sol nascente. O sol aqui fica nascendo um tempão, e logo em seguida fica se pondo por um tempão. O processo todo inicia quase nove horas da manhã e termina lá pelas quatro da tarde. Por isto que aqui tudo é branco, até as pessoas. Mas não dá para ver muito delas, só os olhinhos. Que saudade do verão brasileiro e das pernocas de fora das donzelas! Liguem as webcams e me mandem as URLs!!! No auge do inverno (sim, mal está começando), o pessoal confunde o sol com um OVNI.

Na quinta-feira, todos os participantes do "Projeto Helsinque" estiveram reunidos na sede da Kepa (www.kepa.fi), apresentando os resultados preliminares de uma pesquisa que busca determinar avanços sócio-econômicos diretamente ligados ao software livre em economias emergentes. Na sexta-feira, cada um apresentou seus projetos e experiências pessoais ao público em geral. Destas reuniões e do relatório final sairão propostas aos ministérios finlandeses de relações exteriores e apoio ao desenvolvimento, que podem, ou não, destinar recursos a alguns projetos selecionados, visando à sua aplicação em escala global.

O jovem professor de filosofia Tere Vadén, do Hypermedialab da Universidade de Tampere (www.uta.fi/hyper), posicionou a audiência com relação à propriedade intelectual e apontou (como o professor Imre Simon sempre nos chama a atenção) que o movimento de software livre é uma das manifestações de algo muito maior, que é a liberdade para todo e qualquer tipo de conhecimento humano. O professor irá nos enviar uma cópia de sua palestra, na qual, dentre outras coisas, ele faz uma matemática redução ao absurdo da definição de propriedade intelectual, mostrando que podemos chegar ao ponto onde, se toda a informação é proprietária, a própria informação de que a informação é proprietaria também é, o que leva a uma total invalidade de qualquer tipo de informação.

Ele também mostra que a propriedade intelectual nunca é neutra: para o bem ou para o mal, sempre está alinhada a alguma linha de pensamento filosófico ou político. Ele conclui que, mesmo nos casos onde possa ser bem intencionada, a propriedade intelectual nunca mostrou benefício prático. Taí uma idéia para o próximo Fórum! Especialmente neste momento em que algumas propostas que têm vindo para a lista mostram que há alguns que perderam (ou nunca chegaram a ter) o real foco do movimento, que, antes de resultados práticos para o negócio de um ou de outro, busca reconhecer que o conhecimento tem que ser sempre livre.

O professor Tere, por sinal, inicia sua palestra com uma definição do termo "conhecimento" e mostra que, já em sua definição, não pode ser propriedade de ninguém. Que tal uma mesa coordenada pelo Prof. Imre Simon, trazendo para um debate envolvendo a platéia também o Prof. Heber Godoy, o Prof. Tere Vadén e, eventualmente, se o dinheiro permitir, o Lawrence Lessig (Open Law) e o Pierre Levy? Coloca o Marcelo Branco ou o Rubens Queiroz (ou os dois logo de uma vez!) no contato direto com a platéia, dando uma de Serginho Groissmann (dos bons tempos). Vai ser uma sessão que vai dar o que falar!!!

Helsinque IV

Com o final das reuniões, ainda que eu fique na sede da Kepa até segunda (na terça sigo para Frankfurt a convite do Ralf Nolden, do KDevelop), a equipe já começa a preparar suas conclusões com as quais trabalharemos pelos próximos três meses. Sinceramente, quando aceitei este trabalho ocupando as dez horas semanais que me restavam - trinta são relativas ao meu trabalho junto à UNIVATES - eu não imaginei que teria que esticá-las por noites e finais de semana afora. Assim, fica aqui o reconhecimento público à minha mulher e filhas que desde sempre aceitaram o fato de que o "trabalho do papai é meio esquisito" e à UNIVATES, que sempre permitiu que eu usasse seus recursos (sala, acesso à Internet, etc...) mesmo nas horas em que eu não estava trabalhando diretamente para ela, reconhecendo que trabalhos como este que faço agora também representam um retorno direto para a instituição. E já que estou trazendo tudo à tona mesmo (ô saudade!), tenho que deixar um agradecimento e um carinho especial para a Josi, minha secretária e GNURIA, que tem cuidado da minha agenda e de mim de uma forma muito especial, com carinho e profissionalismo.

Uma das conclusões às quais chegamos é que há ainda muito mais trabalho a ser feito. Especificamente no caso da América Latina, ainda preciso levantar mais dados sobre a infraestrutura de informática e comunicações de todos os países (história da tecnologia da informação, acesso à telefonia, distribuição de rádios, TVs e tudo o mais). Qualquer informação que puderem passar para contribuir para a pesquisa, eu agradecerei muito (Rodolfo Pilas e Diego Saravia, copiei vocês neste e-mail e lhes mando os outros relatórios em seguida para que tenham a seqüência - meu relatório inclui agradecimentos especiais a vocês dois). A idéia, em resumo, é determinar formas de alcance de informações livres que podem "saltar" da Internet para outros meios, associando a infraestrutura, de uma maneira geral, às propostas que estão sendo criadas, e reconhecendo que há muitos problemas que têm que ser resolvidos mesmo antes que o software livre (ou qualquer outra tecnologia da informação) tenha condições de começar a causar algum impacto (eu trouxe a pirâmide das necessidades de Maslov para a mesa e ela acabou ficando...).

Helsinque V

Passei boa parte do dia, umas quatro horas (sim, porque o resto do tempo é noite!), entre o Museu do Correio e o Museu de Arte Moderna. Como aqui neva muito, o carteiro é meio que um herói, quase no mesmo nível que Erik, o Vermelho. Gostei mais do Museu do Correio. Passei mais de uma hora escrevendo postais que só chegarão ao Brasil depois de mim. Não faz mal. Serviu de analgésico para a saudade.

Quando, no e-mail anterior, falei da pirâmide das necessidades de Maslov, acho que fica claro, quando falamos de América Latina, Ásia não industrializada (Índia, Paquistão ...) e África (Etiópia, Moçambique...), que a questão de apoio ao desenvolvimento sustentável é algo mais do que sério, sobre o qual não preciso falar muito aqui. Assim, no trabalho de identificar soluções que, usando o software livre, ataquem diretamente problemas como educação e geração de renda e emprego, a Rede Escolar Livre RS, junto com iniciativas de criações de Telecentros para populações marginalizadas, acabaram ganhando destaque na apresentação do meu trabalho.

Abro aqui um parêntesis para responder a todos uma pergunta que tenho recebido: o trabalho será publicado sim. Só concordei em fazê-lo se pudesse publicá-lo sob a FDL (Free Documentation License), e que, caso por qualquer motivo isto não fosse possível, eu tivesse a permissão de publicar a minha parte em meu site e permitir que todos os que tivessem interesse "linkassem" diretamente a ele (macetes que aprendi com o Prof. Imre). O pessoal da OneWorld levou adiante o meu pedido e o Ministro acabou tendo que ser instruído sobre o que era a FDL. Resultado: tudo será publicado sob a FDL, mas pediram aos envolvidos que só tornassem sua cópia pública em conjunto, na conclusão dos trabalhos. Será criado um portal público com nossas pesquisas, para que todos possam criticar e contribuir. Mas não há segredo nenhum. Tenho falado abertamente sobre o que estou fazendo e várias pessoas da América Latina têm contribuido. O UTUTO, do Diego Saravia, e o excelente nível de organização do UYLUG, do Uruguai, dos projetos LUGAR e AULA, da Argentina, assim como a ONG Via Libre, são destaque. Projetos de integração entre as Universidades da Nicarágua e de escolas da Colombia, também. Graças ao Marcelo Branco, consegui incluir bons dados sobre Cuba. Gente da Guatemala, Costa Rica e Peru também contribuiu. Falta achar informações sobre o Chile, de onde não consegui nada, e das colônias britânicas e francesas, além das dos Estados Unidos, que estão na América do Sul (Belize, Trinidad e Tobago, Ilhas Virgens, Porto Rico, entre outras), que, por suas características especiais, serão incluídos na etapa em que começo a trabalhar agora. E como já disse antes, toda a ajuda é bem vinda. Fecho parêntesis.

Na África do Sul, um dos maiores problemas de infraestrutura é o alcance da energia elétrica. Basta instalar um cabo de cobre levando eletricidade a uma comunidade periférica para que ele desapareça no dia seguinte. O cobre é caro, e existe toda uma máfia de roubo de cabos. Na India, o grau de analfabetismo é tão alto que a infraestrutura capaz de suportar o acesso à Internet já chegou aos analfabetos: agora eles se preocupam em criar um computador que possa ser usado por analfabetos, antes de querer ensinar os analfabetos a ler e a escrever para daí poderem usar um computador. A gente é forçado a lembrar que a alfabetização não é diretamente ligada à cultura, e que, mesmo antes da escrita, ou quando a escrita ainda não era de acesso a todos, muita cultura já havia sido criada. Um trabalho como este faz a gente reafirmar valores que são muito básicos. Voltando para casa, vou me preocupar mais em contar para minhas filhas histórias que meus avós contavam e que nunca foram escritas, e, já que eu posso, vou escrevê-las antes que se percam. Por mais bobas que possam parecer, as histórias que fazem a nossa vida têm que ficar para que as gerações seguintes tenham um sentido mais completo do que somos. Descobri também que a faculdade que eu sou capaz de completar é Filosofia. Pra Física só volto quando me aposentar e puder dedicar o tempo que ela merece. Einstein já dizia que a matemática foi o idioma que Deus usou para escrever o Universo. Se for assim, acho que a filosofia é a base da matemática, da física e de todas as ciências supostamente exatas.

Helsinque VI

Combinamos para a apresentação pública que aconteceu na sexta-feira, que o Niranjan (coordenador dos trabalhos) faria um apanhado geral da situação do software livre nos países em desenvolvimento, o Fred falaria da India, que por si só é um continente, e o Nico se ateria aos problemas de infraestrutura.

Coube a mim falar de experiências práticas, do PSL-RS e, em especial, da UNIVATES, incluindo também o projeto SOLIES, uma iniciativa da Universidade Federal de São Carlos, em São Paulo, que chamou as Instituições de Ensino Superior para pensar uma estratégia conjunta para o software livre. Não deve demorar muito para que a "Carta de São Carlos" esteja na rede (universidade.codigolivre.org.br está aguardando). Já falei sobre isto em outros e-mails para a lista do projeto, então só digo aqui que a única iniciativa que passou perto do que o pessoal de São Carlos fez foi a da Venezuela, congregando quatro Universidades para um projeto unificado de adoção do software livre nas esferas acadêmica e administrativa (quantas Universidades há mesmo no Brasil? Em São Carlos havia umas 40, e só as que são membros da SBC já devem dar um balaio grande...).

O público não era técnico, mas ainda assim babou com três coisas:

~U Com o MIOLO (miolo.codigolivre.org.br - só para lembrar a URL aos poucos que ainda acham que o PSL-RS tem que ter algum espaço para coisas que não são livres), os planos para o seu futuro e sua função como ferramenta para o desenvolvimento rápido de aplicações.

~U O RAU-TU (lembrando, a platéia não era técnica), uma ferramenta que quem ainda não está usando deveria estar. Na UNIVATES estamos implementando o RAU-TU "Madame Myrna", um projeto do Marcelo Malheiros com o Júnior Alex Mulinari que prevê auxílio sentimental voluntário aos corações desesperados.

~U O curso interno da ferramenta OpenOffice, que a UNIVATES está promovendo a seus funcionários, usando o TELEDUC (lembro que a platéia não era técnica, e não estou querendo fazer nenhuma propaganda subliminar com isto). Como sou aluno/co-formador do curso, pude mostrar a "lição do dia", um trabalho sobre diagramação com o qual, coincidentemente (mesmo!) eu havia contribuído. A responsável pelo curso é a Figui, que alguns da lista também conhecem, outra GNURIA. Toda a história de usar o TELEDUC para o treinamento interno começou ainda com mais uma mulher, a Ciliane, da EMATER (se ela não está na lista, alguém da EMATER deve estar e pode repassar isto para ela).

Na próxima edição da Revista do Linux, Brod falará sobre a escala em Frankfurt, na Alemanha, onde encontrou o desenvolvedor do Kdevelop, Ralf Nolden.

Cesar Brod - cesar@brod.com.br

O Mito da Facilidade de Instalação e Configuração

Instalar o Windows em um computador parece mais fácil do que instalar o Linux. Instalar aplicativos no Windows, ou configurar um novo periférico também parece bem mais fácil. Pergunto: quando um "usuário comum" (ou usuário final) faz a instalação do Windows, de aplicativos, ou a configuração de hardware?

Os leitores desta revista certamente estão acostumados a prestar socorro a parentes, amigos e colegas de trabalho com problemas diversos de instalação de software ou drivers. Quem compra um PC espera que ele venha com o Windows e vários aplicativos prontos para uso. Toda empresa possui um grupo crescente de profissionais cuja única função é suporte e help-desk - ou seja, instalar e configurar os micros para que os outros funcionários da empresa possam utilizá-los. Não importa se eles são funcionários ou se são terceirizados, o fato é que o "usuário comum" não consegue instalar e configurar o seu Windows sem ajuda de especialistas.

O Linux então é apenas tão complicado quanto o Windows, o que é atestado pela oferta de micros com Linux pré-instalados em supermercados no Brasil, ou a possibilidade de comprar micros da IBM, Compaq e outros com Linux e contratar também serviços de suporte e help-desk destas e outras empresas. Mas o Linux tem o potencial de se tornar mais simples na vida real.

Voltando ao colégio de segundo grau, um único técnico de montagem de micros é o responsável por todo o suporte e help-desk para alunos e professores. Ele nunca havia visto Linux na vida; a primeira vez foi quando montamos um laboratório com Linux para os alunos. Eu fiz uma instalação ao lado dele e voltei no dia seguinte para a aula. Tudo estava pronto para uso, e depois da aula o técnico afirmou que "esse Linux é bem mais fácil de instalar do que o Windows".

O fato é que uma distribuição do Linux já fornece uma grande quantidade de aplicativos, que devem ser instalados separadamente no Windows. Além disso, qualquer distribuição do Linux fornece mecanismos simples de instalação via rede e de instalação automatizada, que não necessitam de servidores especializados como o SMS ou o Unicenter. Juntando-se a isto os gerenciadores de pacotes RPM ou DEB, a manutenção de um parque computacional baseado em Linux se torna bem mais simples, menos trabalhoso, do que manter o mesmo parque baseado no Windows.

A situação não é muito diferente em relação a hardware. Se há dificuldades de compatibilidade entre alguns dispositivos e o Linux, também há muitas em relação ao Windows 2000 e XP. No meu dia-a-dia, tenho encontrado nestes sistemas mais problemas do que no Linux.

Mas é fato que os fabricantes de hardware não têm condições de bancar o desenvolvimento de device drivers (drivers de dispositivos) para mais do que um sistema operacional, e este único sistema, em geral, é o Windows, qualquer que seja a versão corrente. O driver para o Linux deve sair da comunidade, mas hoje, felizmente, a grande maioria dos fabricantes colabora com a comunidade fornecendo acesso a informações sobre como programar seus dispositivos.

Portanto, você deve evitar versões recentes do Windows em hardware que não seja também muito recente, e deve evitar versões que não a última da sua distribuição do Linux em hardware recém-lançado. O ideal é garantir que o seu hardware foi lançado antes da sua versão do Linux. E lembre-se de que a própria Microsoft só recomenda o uso de hardware presente no HCI. Muitas empresas erram ao assumir a responsabilidade por configurar o Linux em seus PCs recém-adquiridos, quando delegam esta responsabilidade ao próprio fornecedor dos PCs, no caso do Windows.

Existem Aplicações?

Há dois ou três anos se poderia argumentar que faltavam ao Linux aplicações de qualidade para o usuário final, apesar da qualidade de suas aplicações para redes e desenvolvimento. Hoje, temos o Open Office, Mozilla, Evolution, Gimp, Mr. Project e Blender, para citar as mais populares. Estão plenamente atendidas as necessidades de edição de textos, planilhas, apresentações, gráficos, diagramas, Internet e mesmo de CAD.

Alguém poderá reclamar da falta de escolha, mas não é exatamente este o problema do Windows hoje? O mercado se reduziu a poucos aplicativos da Microsoft, Corel, Adobe e Macromedia. Se o usuário Windows podia optar pelo WordPerfect, Lotus 1-2-3 ou Freelancer, o usuário Linux pode optar pelo Koffice, Konqueror, Kmail, Galeon, Abiword, Gnumeric e outros.

O fato é que já temos aplicações ricas em recursos, visualmente atrativas e com interfaces gráficas "amigáveis" com qualidade e quantidade suficientes para atender ao usuário comum, seja ele doméstico ou corporativo. Se você busca pequenos utilitários, vai encontrar centenas deles em sites populares e, outrora, somente Windows, como o Tucows. O Souceforge lista mais de 400.000 softwares livres, e a IBM afirma haverem mais de 2.800 aplicativos empresariais disponíveis.

O usuário doméstico poderá sentir a falta de jogos, embora títulos populares como o Quake recebam versões Linux pouco após o lançamento. Já o usuário corporativo poderá sentir falta de IDEs RAD, pois até o momento, temos apenas o Kylix no Linux.

O primeiro problema está sendo resolvido por softwares como o CrossOver, que, a um custo bem baixo, permite rodar aplicativos como plug-ins internet e jogos do Windows no Linux; o segundo está sendo resolvido naturalmente pela crescente adoção de aplicações Web em substituição às aplicações gráficas cliente/servidor tradicionais.

Há dois anos, o Linux tem sido minha plataforma de trabalho exclusiva para tudo: Internet, escrever artigos, aulas, palestras, o meu livro "Java em GNU/Linux", propostas comerciais e etc. Mesmo que eu não possa ser comparado a um usuário não-técnico, o fato é que eu realizo as mesmas atividades do dia-a-dia de um trabalhador de nível superior mediano, sem enfrentar qualquer dificuldade por utilizar Linux e software livre em vez do "padrão de mercado" Windows. E isto também não me impediu de conseguir programas fáceis para gravar CDs, ler fotos da minha câmera digital, sincronizar com meu Palm ou assistir a DVDs. Nestes dois anos, comprei notebooks, periféricos e eletrônicos sem me preocupar em verificar antes a compatibilidade com o Linux, e não tive problemas.

Talvez eu seja apenas sortudo ou, quem sabe, meu conhecimento técnico me forneça mais jogo de cintura para lidar com os problemas deste sistema operacional complexo. Mas minha experiência não é um caso isolado. Temos no Brasil os casos bem-sucedidos do Metrô de São Paulo, do Banco Banrisul ou da Varig, e inúmeros outros exemplos mundo afora.

Mudança de Cultura

Pelo que vimos acima, os empecilhos atuais para a adoção do Linux em larga escala nos desktops não são técnicos. O sistema já está tão fácil (ou até mais fácil) de instalar e configurar do que os concorrentes; temos aplicações em quantidade e qualidade para todos os tipos de usuários; existe bastante oferta de serviços de treinamento, suporte e help-desk de várias empresas novas ou tradicionais.

Financeiramente, não apareceu ainda nenhum estudo de TCO desfavorável ao Linux. Na verdade, vemos freqüentemente na mídia como a adoção do Linux trouxe ao mesmo tempo redução de custos e aumento de qualidade de serviço, tanto no servidor quanto no desktop. Não há porque não migrar.

Então, por que o mundo inteiro ainda não está rodando Linux? Porque o ser humano tem sempre medo do novo. Somos naturalmente resistentes a mudanças. Por mais que a mudança pareça vantajosa, tendemos a permanecer acomodados em nosso mundinho e a continuar convivendo com os mesmos problemas de sempre.

Portanto, se você está pensando em migrar para o Linux, pode migrar sem medo, mas faça-o consciente de que este não é um projeto de mudança tecnológica, mas um processo de mudança cultural.

Saiba mais:
Uma experiência de migração total para o Linux, baseada em oferecer o Linux apenas aos novos funcionários, sem mexer no ambiente dos funcionários antigos, até que eles peçam por isso: desktoplinux.com/articles/AT9664091996.html
Fabricante de guitarras e acessórios que migrou totalmente para softwares não-Microsoft depois do transtorno causado por uma denúncia (infundada) de pirataria: www.worldtrademag.com/CDA/ArticleInformation/coverstory/BNPCoverStoryItem/0,3481,76659,00.html
Vários argumentos e estatísticas, com referências, a favor do software livre: www.dwheeler.com/oss_fs_why.html


Fernando Lozano - fernando@lozano.eti.br


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