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O Banrisul tomou a dianteira ao adotar o Linux.

Ele derrubou a primeira peça deflagrando um... Efeito dominó

O segmento bancário sempre foi um grande investidor em tecnologia no Brasil. Cada ano os bancos fazem novos investimentos em informática e telecomunicações, quer para poder gerenciar com eficiência o número crescente de transações e a variedade de aplicações dos correntistas, quer para melhorar o atendimento aos clientes. Recentemente, um novo ingrediente tornou o uso da tecnologia ainda mais imprescindível nesse setor: a abertura do mercado a grupos estrangeiros.

Eficiência passou, então, a ser palavra-chave nos bancos brasileiros, que hoje enfrentam novos concorrentes ávidos por uma fatia desse saboroso bolo. Até os bancos mantidos pelos governos estaduais — alguns em processo de privatização — acabaram tendo de se adaptar aos novos padrões de eficiência e competitividade do mercado.

Assim, embora o sistema bancário brasileiro esteja entre os mais modernos do mundo, os investimentos do setor em tecnologia da informação continuam crescendo. Em 1999, o total investido em hardware, software e linhas de comunicações atingiu R$ 2,49 bilhões, que representaram um aumento de 18% em relação aos R$ 2,10 bilhões gastos no ano anterior, segundo levantamento do Centro Nacional de Automação Bancária (CNAB), da Federação Brasileira das Associações de Bancos (Febraban). Para 2000, a estimativa da entidade, com base no total orçado, foi de um investimento total de R$ 2,82 bilhões — portanto, um crescimento de 13,2% em comparação a 1999.

Na busca pela eficiência, os bancos também cortaram alguns gastos e deixaram suas estruturas mais enxutas. Essa pode ser a justificativa para o aumento considerável nos investimentos em softwares adquiridos de terceiros em 2000 segundo o CNAB/Febraban: R$ 426 milhões, ou 42,4% a mais do que os R$ 299 milhões do ano anterior. No mesmo período, ainda segundo dados da entidade, os gastos em desenvolvimento interno de softwares pelos bancos caíram 4,9%: de R$ 574 milhões, em 1999, para R$ 547 milhões, em 2000.

Dentro desse quadro, sem dúvida, o uso de um sistema operacional aberto e flexível como o Linux apresenta-se como alternativa mais do que adequada. E isso não só por ser isento de custos de licenças de software, mas por dispensar investimentos em máquinas mais poderosas para rodar. Ao mesmo tempo, o Linux oferece a segurança e a alta disponibilidade que as aplicações de missão crítica dos bancos exigem.

Bom exemplo

Tudo isso vem sendo comprovado no dia-a-dia pelo Banrisul, o banco do Estado do Rio Grande do Sul, que foi um dos poucos a escapar da recente onda de privatizações no setor. Primeiro banco a adotar o Linux no Brasil, o Banrisul mostrou que esse sistema operacional é uma opção real e viável para qualquer instituição financeira. Muitas delas, por sinal, já estão avaliando essa alternativa e poderão encontrar boas referências no exemplo do banco gaúcho, cuja experiência transformou-se em marco na história do Linux no País.

Ao escolher esse sistema aberto, o Banrisul queria, principalmente, livrar-se do que chamava de "abraço amigo" na relação com seus fornecedores de hardware e software. Assim que os contratos eram fechados, começava a dependência e a cobrança pela prestação de serviços — aliás, a preços elevadíssimos. Essa situação passou a incomodar a diretoria do banco, ainda mais depois que o Banrisul teve de se reestruturar, primeiro durante o processo de preparação para a privatização (que não se concretizou) e, em seguida, para enfrentar a concorrência no setor. Nessa fase, há mais de dois anos, a instituição perdeu boa parte de seus funcionários, principalmente da área de desenvolvimento, que mantinha técnicos altamente especializados nas várias arquiteturas e sistemas utilizados no banco.

Com a estrutura enxuta, menos gente disponível e poucos recursos financeiros, o Banrisul precisava ainda modernizar seus sistemas, para manter sua posição no mercado. Isso implicava atualizar o já obsoleto sistema operacional de mais de dois mil terminais de auto-atendimento (ATMs), ou caixas automáticos, que eram as peças fundamentais da estratégia de aumento da eficiência dos 710 pontos de atendimento do banco. Mas a escolha de um produto como o Windows, da Microsoft, exigiria um investimento pesado, uma vez que demandaria também a atualização do parque de equipamentos, programas e sistemas.

A essa altura, o atraente caminho dos padrões abertos já havia sido descoberto pelo Banrisul, quando sua equipe de desenvolvimento projetou novos terminais ATM — iniciativa que resultou em sensível redução de custos — para serem fabricados pelos fornecedores. E, como muitos técnicos já utilizavam o Linux em outras áreas, o sistema acabou sendo escolhido para teste operacional.

De imediato, esse teste revelou a estabilidade superior do Linux, que permitia manter os caixas automáticos com disponibilidade constante, 24 horas durante os sete dias da semana. Tornava possível, ainda, monitorar remotamente toda a rede, dispensando o deslocamento das equipes de manutenção — coisa impossível no sistema anterior. Ao mesmo tempo, por ser totalmente baseado em padrões abertos internacionais, o Linux mostrou-se capaz de se conectar e "conversar" com outras máquinas rodando os mais diversos sistemas operacionais.

O porte do software dos ATMs, todo escrito em C-ANSI, exigiu apenas pequenas modificações no acesso ao hardware. Por meio dos originais em linguagem C, foi feita a migração de todos os aplicativos dos terminais, mantendo as características originais. Apenas alguns componentes foram adicionados à solução, de modo que o usuário não notasse diferenças — a não ser o aumento da velocidade nas operações.

Concluídos os testes de desempenho, teve início a substituição do parque instalado de terminais ATM do Banrisul, que vem seguindo o ritmo de 50 máquinas por semana. Centenas de equipamentos já estão em operação e a meta é converter toda a rede, com quase 4 mil máquinas, no decorrer deste ano. Ao mesmo tempo, o banco já decidiu substituir a suíte Office, utilizada em 5 mil PCs instalados nas agências e no setor administrativo, pelo StarOffice. Também está nos planos a própria substituição do sistema operacional desses micros pelo Linux.

"Tudo está sendo feito com absoluta cautela, a partir de testes e avaliações cuidadosas e decisões tomadas em conjunto", explica Paulo Galarza, chefe de Sistemas de Informação do banco. Segundo ele, os esforços para manter o banco competitivo e consolidar sua posição no mercado vêm sendo recompensados. "Nossas metas eram maior rapidez na prestação de serviços, alta disponibilidade dos caixas e tarifas mais competitivas, graças à redução de custos", conta Túlio Zaminn, presidente do Banrisul. "Hoje posso dizer que conseguimos atingi-las."

O novo convive com o antigo

Quando o Banrisul procurou a Conectiva, depois de tomar a decisão de testar o Linux em seus novos terminais de auto-atendimento (ATM), apresentou um quadro técnico curioso — e, ao mesmo tempo, desafiador. Os ATMs então utilizados na rede do banco funcionavam com um sistema operacional já bastante antigo e fora de produção. A empresa que o havia desenvolvido permitia que o software obsoleto continuasse sendo usado, desde que o banco comprasse uma cópia de seu atual sistema para cada novo terminal. Sem dúvida, isso implicaria aumento expressivo dos custos de implantação dos ATMs.

Assim, no caso do Banrisul, o Linux ainda teve a missão adicional de permitir a convivência dos antigos terminais ATM com os novos, projetados por seus técnicos. Várias etapas tiveram de ser cumpridas, para que as metas traçadas pelo banco fossem atingidas. Eis as principais.

Levantamento de necessidades

Os técnicos da Conectiva passaram um mês recolhendo informações sobre o funcionamento dos ATMs do Banrisul, de seu sistema central (um software chamado BNO, escrito em Microfocus Cobol e que roda em SCO Unix) e da rede física. Também definiram as necessidades estéticas e funcionais da aplicação em relação ao usuário, as APIs (Application Programming Interface) para acesso aos periféricos de cada equipamento e como seria a integração com o backend BNO.

Foi necessária uma pesquisa sobre a configuração dos equipamentos e periféricos. Afinal, teoricamente, os terminais ATM são PCs comuns, mas era preciso ter certeza de que o Linux rodaria nessas máquinas e como seria o acesso aos dispositivos. Várias instalações do Linux foram feitas nos terminais e o sistema apresentou boa adaptação à tarefa.

Ao mesmo tempo, outra equipe avaliou os fontes da API, com o objetivo de verificar como estava sendo feito o acesso em DOS. No caso dos terminais do Banrisul, esse acesso utilizava portas seriais — procedimento que pode ser facilmente reproduzido no Linux. Na fase de testes, pequenos programas foram utilizados para avaliar isoladamente o funcionamento e os protocolos de comunicação de cada periférico.

Todos esses dados foram reunidos e organizados de modo a servir de guia para os passos seguintes.

Integração com o hardware

As empresas SID, Procomp e Perto, fabricantes dos terminais ATM, tiveram papel fundamental na migração dos sistemas do Banrisul. Suas máquinas foram construídas a partir do projeto dos técnicos do próprio banco — que forneceu os discos de teste para a homologação do novo hardware com o sistema Linux. Isso permitiu desenvolver módulos de software específicos para os periféricos (os drivers, na linguagem Windows).

O hardware do ATM é muito parecido com o de um PC comum, com processador Intel Celeron de 600 MHz, 16 Mb de memória e 4 Gb de disco rígido. O monitor colorido, padrão SuperVGA, e o controlador gráfico também são os mais corriqueiros de mercado. A principal diferença está nos periféricos, já que o ATM dispõe de interfaces para teclados numérico (do cliente) e normal (101 teclas), leitora de cartões magnéticos, dispensadora de notas, depositário de envelopes para pagamento de contas, leitor de código de barras e sensores do cofre. Todos os periféricos comunicam-se com a CPU por meio de interfaces seriais. Há, ainda, uma interface serial síncrona, para comunicação com o backend.

Todos os componentes das máquinas obedecem a altos padrões de qualidade, de modo a garantir elevados índices de MTBF (tempo médio entre falhas). Depois da homologação, os terminais começaram a ser produzidos, sendo fornecidos com o Linux pré-instalado — a distribuição adotada foi o Conectiva Linux 6.0, com as modificações e novos módulos para periféricos específicos do ATM.

O projeto do Banrisul também prevê a migração para Linux dos terminais antigos, ainda em operação. A configuração mínima definida para isso é baseada em processador Pentium de 100 MHz, com 16 Mb de memória e 540 Mb de disco.

Migração do sistema antigo

O sistema que roda nos terminais do Banrisul foi escrito basicamente em C-ANSI, o que facilitou bastante o porte para a plataforma Linux. Na verdade, poucas modificações precisaram ser feitas no código original. Pode-se dizer que o mesmo código que rodava em DOS agora funciona em Linux.

Já o sistema operacional Linux teve de ser adaptado ao novo hardware. Nos antigos ATMs, os "drivers" estavam incluídos no código principal do próprio software (que escrevia diretamente nos periféricos, "contornando" o DOS). Como isso não é possível no Linux, novos módulos ("drivers") foram desenvolvidos para a comunicação entre o sistema operacional e os periféricos especiais.

O uso do Linux como base do sistema acabou simplificando o código do software ATM. O tratamento de periféricos e a biblioteca gráfica foram suprimidos do código original, uma vez que, agora, o software usa o XFree 86 como servidor gráfico. Com a redução do código do ATM veio outra vantagem, impossível de ser obtida em ambiente DOS: um código praticamente igual para qualquer modelo de caixa automático. Dessa forma, os custos de implantação e manutenção do projeto, já reduzidos drasticamente, caíram mais ainda.

No modelo de desenvolvimento do Banrisul, uma das árvores do CVS (Concurrent Version System, ou Sistema de Controle de Versões) contém o núcleo da aplicação e as diferentes APIs para cada tipo de terminal. O núcleo da aplicação é, basicamente, o mesmo para todas as máquinas ATM e para as versões Linux e DOS.

Já na API, é possível notar as vantagens do Linux: as APIs para os terminais baseados nesse sistema ocupam bem menos espaço, além de serem em número menor. Isso porque o Linux permite ter praticamente a mesma API para todos os modelos de terminais (no sistema antigo, cada modelo de máquina exigia uma API diferente). No momento, apenas três APIs diferentes estão sendo usadas para o Linux, contra quase 20 para os terminais DOS.

Substituição dos ATMs

Um dos cuidados especiais tomados pelo Banrisul ao contratar a empresa que forneceria o suporte ao novo sistema foi com a independência. Desde o início do projeto, a idéia era que o banco assumisse o comando das operações baseadas no Linux. Ao exigir a transferência efetiva do conhecimento para suas equipes, o Banrisul queria afastar definitivamente o fantasma do "abraço amigo".

Assim, a Conectiva desenvolveu e homologou o software de ATM, e já está transferindo a tecnologia para o pessoal técnico do banco, que poderá fazer a manutenção do sistema de forma independente. Em termos técnicos, o que existe é um repositório CVS.

A atividade principal de desenvolvimento nessa fase é a recompilação das alterações, acompanhada de testes e envio para o pessoal encarregado da homologação final. Nos equipamentos novos, basta escrever os drivers de teste para os dispositivos "desconhecidos" (ainda não implementados) e adaptar esse código mínimo em uma API genérica, que se torna específica dessa máquina. Um descritor de hardware faz com que, no momento da compilação, a aplicação desabilite o acesso a operações que dependem de dispositivos não disponíveis em determinado modelo. Dessa forma, é possível manter uma aplicação única e APIs para cada tipo de equipamento.

Manutenção do parque

Com um sistema Unix-like como o Linux, fica fácil administrar a distância cada terminal e suas respectivas ferramentas. Todos os terminais podem ser acessados a partir de uma central de operações e telessupervisão, que está preparada para gerenciar remotamente até mesmo a qualidade do meio físico de comunicação (linhas privadas) entre os ATMs e o backend.

A manutenção e atualização do sistema ficarão sob o controle total do Banrisul. Mesmo que decida terceirizar esses serviços, o banco terá o controle da tecnologia, que está sendo transferida — junto com toda a documentação — para o seu pessoal técnico pela Conectiva.


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