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Encruzilhadas

Tenho que confessar: esta semana usei o MS Word durante várias horas. E não foi por obrigação, não perdi nenhuma aposta nem nada assim - foi uma experiência.

Explico: após ler a notícia de que a SuSE anunciou para o início de 2003 o lançamento de uma versão de sua distribuição capaz de rodar o MS Office através do CrossOver Office (da CodeWeavers), resolvi montar um rápido laboratório. Instalei o SuSE 8.1 em uma máquina para a qual havia disponível uma licença do Office 97, obtive junto à CodeWeavers uma licença de demonstração do CrossOver e botei mãos à obra.

Antes de entrar na questão das licenças e liberdades envolvidas, quero mencionar que tudo funcionou como deveria. Para instalar o Office 97 (Word, Excel, PowerPoint, Outlook e seus amigos), inseri o CD, rodei o SETUP.EXE e cliquei no botão ~SNext >>~T várias vezes. Ele criou os ícones e as entradas no menu do KDE como se fosse o Windows, e depois rodei os programas com a maior naturalidade, sem mágicas nem configurações extras.

Nada melhor que uma aplicação prática para testar esse tipo de recurso. Resolvi, então, escrever minha análise do SuSE 8.1 (que está publicada nesta mesma edição da RdL) no Word. E ele se saiu bem no teste, sem travar nem rejeitar nenhum dos meus comandos. Há falhas aqui e ali (mapas de teclado, help online, etc), mas ele edita, imprime, insere figuras, gera índices... Tudo que esperamos de um editor. Não foi desagradável, mas esta coluna já está sendo escrita no editor joe, nativo do Linux, onde me sinto em casa.

Isto posto, vamos à parte controversa e que é tema recorrente nesta coluna: o uso do Linux para rodar aplicações comerciais do Windows. Alguns acham isso péssimo, porque desestimula a adoção de softwares livres, outros acham ótimo, porque abre a porta para a adoção gradual dos softwares livres, outros acham que a questão é puramente ideológica.

Este mês não quero entrar nessa discussão, mas sim retomar um ponto já visto neste espaço, agora por outro ângulo. Quando discutimos o lançamento do Lindows, eu argumentei que enfatizar nos anúncios de uma distribuição Linux que sua principal característica é ser capaz de rodar aplicações do Windows é uma forma de menosprezar o próprio Linux. Mas é pior ainda quando a propaganda é enganosa - imagine um usuário que adquire o Linux XYZ no supermercado pensando em rodar nele a última versão do Photoshop, e descobre que não dá?

É provável que ele nem vá querer saber de olhar as alternativas livres, como o Gimp - o anúncio dizia que roda aplicações do Windows, ele quer o Photoshop e pronto. Mais um usuário perdido, mais uma pessoa que vai fazer propaganda negativa convincente, porque é baseada em sua própria experiência. A culpa é da comunidade Linux? Não, mas isso infelizmente acaba sendo irrelevante.

Mas se o novo produto da SuSE adotar o mesmo tipo de marketing que o CrossOver, no qual se baseia, essa realidade pode ser bem diferente. O material publicitário do CrossOver contrasta muito com o relatado acima, dizendo algo como: ~SNosso produto roda o Office 97, Office 2000 e Lotus Notes. Alguns programas, como o Access e o Photoshop, não funcionam. Já detectamos tais e tais bugs e estamos trabalhando para superá-los. Você pode tentar rodar outros programas do Windows e nós queremos saber se você conseguiu, mas, no momento, não damos suporte a eles~T.

A intenção da SuSE me parece óbvia. Com um produto que roda o Office 97 e o Office 2000, ela pode convencer as empresas a fazer upgrade do seu sistema operacional, de Windows 98/NT/2000 para o Linux, mantendo o investimento anterior em aplicativos e o know-how dos seus funcionários. Uma vez com um pé no Linux, vai ser bem mais fácil convencê-las a trocar esses aplicativos proprietários por alternativas livres.

Claro que isso gera uma série de contradições aparentes. Rodar aplicativos comerciais, através de um framework comercial (o CrossOver) no Linux parece mesmo ser algum pecado contra o software livre. Mas o fato é que, embora existam organizações que já estão prontas para usar apenas o Open Office, o Evolution e o Mozilla, abandonando de vez o Office, o Outlook e o Internet Explorer, outras só podem migrar para o Linux agora se mantiverem os aplicativos.

E, na minha opinião, vale a pena oferecer a alternativa Linux a todos os que dela podem se beneficiar, mesmo que seja dessa forma parcial. A sabedoria popular diz que onde passa um boi, passa uma boiada. Depois de o Linux ser aceito, se ele provar que de fato funciona, os demais softwares livres acharão seu caminho para dentro dessas organizações.

Claro que sempre haverá lugar para aqueles ativistas que acham correto usar apenas softwares livres, mas no fim das contas, até eles acabam se beneficiando da adoção em larga escala do Linux, já que as empresas que empacotam softwares comerciais junto com o Linux continuam investindo no desenvolvimento de muitos softwares livres.

O lado bom: Linux cada vez mais amplamente adotado
O lado ruim: O custo disso é ter de suportar aplicativos proprietários


Augusto Campos - brain@matrix.com.br


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