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Nos bastidores do Linux brasileiro

Como trabalham as empresas que empacotam o sistema operacional que está revolucionando o mundo do software

A aceitação mundial do Linux tem estimulado o aparecimento de um revolucionário modelo econômico baseado no conceito de comunidade e caracterizado pelo e stímulo à cópia ou livre distribuição, que já abalou definitivamente a estrutura convencional da indústria de software. Esse modelo também tem proporcionado o surgimento de inúmeras empresas, algumas das quais já se revelaram espetaculares sucessos de Wall Street. São as chamadas distribuições, termo equivalente a versões, e que, independente de onde estejam localizadas, trabalham em ritmo frenético empacotando um produto que poderia ser obtido gratuitamente pela Internet.

Qual o segredo? Como essas distribuições surgiram, cresceram, se multiplicaram e ganham dinheiro vendendo um software gratuito? O que acontece nos bastidores do desenvolvimento de uma distribuição Linux? Quais os aspectos técnicos, logísticos, administrativo-financeiros e de recursos humanos envolvidos?

Para começar a responder, é importante mostrar que o conceito de open source, erroneamente definido como sendo sempre algo estrangeiro e relativo a produto de primeiro mundo, na verdade é também um fenômeno geográfico, que implanta modelos locais de economia e que representa uma proposta real e viável de crescimento tecnológico sustentado. Assim como a RedHat tem uma enorme base instalada no mercado americano, a SuSE na Alemanha, a Mandrake em território francês, ou a TurboLinux na Ásia, no Brasil e América Latina a Conectiva responde pela maior parte do parque instalado, sendo reconhecida como a grande distribuição local. Isso porque existe um âmbito geográfico intrínseco a todas as grifes Linux, e por isso se fala em uma geopolítica das distribuições.

Dessa forma, idioma local, documentação nativa e suporte regional são imperativos para se fechar qualquer acordo comercial e determinantes para se agregar uma comunidade de usuários.

"Ao contrário do modelo tradicional de indústria de software, em que, a partir de seu país de origem uma empresa exporta seus pacotes para todo o mundo, não dá certo querer comercializar a distribuição da Conectiva na Romênia, por exemplo, simplesmente mandando produtos daqui para lá", observa Sandro Nunes Henrique, CEO da empresa.

A verdade é que o Linux se desenvolve principalmente em países onde uma empresa decidiu investir na viabilização da adoção dessa ferramenta.

O uso do Linux está associado à camada de suporte local.

Dessa forma, é natural que as distribuições tenham a cara de seu país. "Toda a estratégia em torno da nova versão do produto da Conectiva, a CL 5.0, parte do princípio de que se trata de um produto com a cara do Brasil. Assim, o preço do pacote é acessível a qualquer consumidor brasileiro, a foto da caixa retrata crianças brasileiras, a distribuição, o suporte e o treinamento têm âmbito nacional, a comercialização chega a pontos de venda de massa, como supermercados, o sistema operacional e os outros softwares que o acompanham têm farta documentação em português, e a própria concepção do produto procura atender a um anseio do usuário brasileiro, que pedia facilidade de instalação e ambiente gráfico.

Finalmente, o produto é uma alternativa real de legalidade para os mais de 60% do mercado brasileiro que não podem pagar o preço de outros sistemas operacionais.

Para consolidar-se como a distribuição para o resto da América Latina, a Conectiva também está abrindo filiais ou constituindo parcerias nos principais mercados latino-americanos, criando centros de suporte e treinamento nesses países, além de oferecer o produto e documentação em espanhol e a preços compatíveis com sua realidade. "Tudo isso, naturalmente, acrescido de um forte vínculo com a comunidade acadêmica, de programadores e usuários dessas regiões, o que, por sinal, foi o motivo que nos induziu a levar o produto também para esses outros países", informa Jair Batista, diretor comercial da Conectiva. Nos três primeiros meses deste ano, por exemplo, estavam com inauguração prevista os centros de São Paulo, Rio de Janeiro, México, Colômbia e Buenos Aires. Em seguida virão Salvador, Brasília, Porto Alegre, Miami e Madri.

Com uma base instalada de mais de 500 mil cópias, e que neste a no deve ser acrescida de mais 1,2 milhão de cópias, sendo 800 mil no Brasil e 400 mil no resto da América Latina, a Conectiva montou uma operação bastante complexa no lançamento de sua versão 5.0. Primeira versão que pretende atingir o usuário comum em toda a América Latina, um universo muito maior de usuários potenciais em relação ao que a empresa vinha trabalhando. Isso significava um enorme esforço de desenvolvimento para tornar o produto amigável a esse público, de documentação para atender ao usuário iniciante sem descuidar dos avançados, de logística para chegar com o produto e o suporte a pontos de venda e regiões ainda não atendidos, e de marketing para ajudar a plantar o conceito do software livre na cabeça do consumidor e a certeza de que o Linux é fácil e já tem aplicativos para tudo que os usuários necessitam, inclusive aplicações gráficas e de gestão. Mas para tudo isso eram necessários recursos, muitos recursos. Assim, entre o final de 1999 e o início de 2000, a Conectiva ganhou um sócioo fundo de investimento Latinvest para ajudar a dar o necessário fôlego financeiro a essa operação. Mudou de instalações, triplicou o número de funcionários nos diversos setores, inclusive em funções de diretoria, e programou a abertura de diversos centros de suporte e treinamento nas principais cidades brasileiras e em outras capitais da América Latina.

E detalhe, tudo isso processado em três línguas: português, espanhol e inglês, uma vez que a empresa também recebeu inúmeras solicitações de produto vindas da comunidade hispânica dos Estados Unidos.

As pessoas

Só no desenvolvimento, por exemplo, foram 25 pessoas trabalhando exaustivamente, sendo quatro deles basicamente na instalação, e em contato permanente, via Internet, com uma comunidade formada por dezenas de outros programadores que palpitam, testam, descartam e aprovam. "E um complicador do trabalho foi que muita gente entrou no meio, pois era preciso aumentar a equipe para cumprir os prazos", observa Arnaldo Carvalho de Melo, diretor de tecnologia da Conectiva. Ele observa que a CL 5.0 começou a ser desenvolvida em novembro, a partir da versão 2.2.14 do kernel, lembrando que o Linux tem duas árvores: o fonte estável, que é o 2.2 e o fonte em desenvolvimento, que é o 2.3. E calcula que foram mais ou menos 3013 linhas descrevendo 820 mudanças principais nos pacotes, sem contar o desenvolvimento do instalador. "Toda modificação é submetida a um intenso ritual, pois primeiro ela vai para a lista de discussão, em que se coloca o problema e a solução, inclusive para se testar o desempenho em outros ambientes, e depois que tudo está bem envia-se novamente à lista para nova opinião e desta vez, se está correto, coloca-se no kernel principal. Um pressuposto do desenvolvimento em Linux é que cada nova versão deve manter total compatibilidade com as versões anteriores.

Um investimento de peso na área técnica foi a incorporação de Alfredo Kojima à equipe de desenvolvimento. Reconhecido internacionalmente como coordenador do projeto do WindowMaker, este jovem e famoso programador imprimiu sua marca na primeira versão gráfica do instalador. Tendo em vista que muitos dos usuários que instalarão a nova versão não serão usuários de versões anteriores, o processo de instalação foi simplificado. Uma das "exigências de usuário" era a construção de um instalador na interface gráfica complementando a tradicional em modo texto destinada a máquinas de poucos recursos. Outra era a adição de pacotes nacionais, desenvolvidos por empresas brasileiras. Assim, entre os aplicativos contidos na nova versão merecem destaque as ferramentas de gestão para Linux e as ferramentas de comércio eletrônico para Linux. Tudo isso empacotado em seis CD's acompanhados de dois manuais de peso, mostra que não se pode ignorar a grande quantidade de trabalho contida em cada página e em cada trilha. O pacote completo sai por 88 reais, o mesmo preço da versão anterior, mas agora com mais software e mais serviços. O pacote econômico, que vem com seis CDs e suporte, sai por 45 reais; existe ainda a versão dois CDs, sem suporte, por 28 reais.

Dá para ganhar dinheiro vendendo Linux? A essa pergunta, Sandro Henrique garante que sim, e trabalhando muito, é bem verdade, mas com prazer. "Não buscamos nos tornar a empresa mais rica do mundo, apenas o software mais utilizado". Esse é o espírito da comunidade Linux. Coerente com esse espírito de estimular a popularização da informática, a Conectiva fez o pré-lançamento da versão 5.0 em uma escola da periferia de Curitiba, onde o CDI — Comitê para a Democratização da Informática do Paraná —, com o apoio da Conectiva, inaugurou a primeira Escola de Informática e Cidadania totalmente equipada com o sistema operacional Linux.

Os números

Estima-se que mais de 20 milhões de máquinas utilizem o Linux atualmente em todo o mundo, por vários motivos: alta performance, estabilidade, baixo custo, segurança e uma extensa lista de hardwares compatíveis, entre outras vantagens. Só no segmento de servidores, a previsão, segundo o IDC (International Data Corporation), é que até 2003 as instalações Linux devam crescer em torno de 25% ao ano, enquanto outros sistemas para servidores aumentem apenas 12%.

E o Brasil é um dos países que registra uma das maiores taxas de crescimento, tendo alcançado, em 1999, o índice de 212% de aumento sobre o ano anterior, um dos mais altos do mundo, segundo o IDC. Dos grandes servidores aos desktops, o sistema operacional conquistou diversos mercados em 1999. Estima-se que, só no primeiro semestre, o Linux tenha crescido 200% no país e que o sistema operacional tenha alcançado a marca de 450 mil usuários no território brasileiro.

O desenvolvimento

A Conectiva identificou a necessidade de uma versão mais amigável do Linux para o usuário final, através de mensagens enviadas diretamente à empresa, ouvindo as necessidades do mercado e acompanhando os comentários da comunidade Linux. Decidiu-se então que a próxima versão do Conectiva Linux seria voltada para usuários iniciantes. Definida a meta, o desenvolvimento deste produto foi um empenho de toda a empresa. Todo o corpo técnico envolveu-se com testes, e a comunidade Linux foi fundamental para testar a versão de avaliação, que podia ser encontrada na página da Conectiva. Centenas de usuários cadastraram-se na lista criada e baixaram a versão. Posteriormente mandaram várias sugestões que foram importantes para que se pudesse fazer uma versão realmente revolucionária do Conectiva Linux.

Um dos focos principais, sob a ótica dos desenvolvedores, era um instalador que utilizasse menos memória. O desafio seria construir um front-end gráfico, mas que fosse leve o suficiente para instalações em máquinas com pouca memória e processadores mais antigos. Outro quesito importante seria quanto ao particionamento de discos. Cavassin, Arnaldo,Rodarvus, Baretta, Fuganti, Kojima e Paulo Andrade literalmente quebraram a cabeça, principalmente no particionamento, e no final conseguiram um instalador enxuto, embora gráfico, consumindo menos memória que a interface texto das versões anteriores e com particionamento automático. Baseado no t"parted", o particionamento detecta com eficiência outros sistemas presentes e já sugere o tamanho da nova partição. "Nunca existe um particionamento 100% seguro para nenhum sistema, e mesmo recomendando-se um backup prévio dos dados, encontramos no parted estabilidade e confiança", diz Wanderley Antonio Cavassin. Nos testes da Conectiva e da equipe que desenvolve o "parted", a avaliação foi de excelência. Uns poucos passos e em uma média de 15 a 25 minutos, e o Linux 5.0 está instalado. Toda a interface gráfica foi construída com base na biblioteca GTK+ e não é preciso ficar escolhendo muitas opções durante a instalação. Por padrão serão instalados pacotes que ocupam cerca de 800 Mb de disco. Para instalar só os pacotes básicos (115 Mb) o usuário terá que optar pelo modo expert. Na atualização de versões anteriores, esta deverá ser feita através de boot de disquete e no modo texto habitual. Fora a equipe central de desenvolvimento, ainda outro grupo formado por aproximadamente vinte pessoas testou à exaustão e forneceu o retorno sobre bugs, que não foram poucos e nem fáceis de serem sanados. No velho estilo "passar a comida por baixo da porta", rigorosamente concentrados e dormindo muito pouco, ao final da maratona, todos puderam enfim voltar a trabalhar as habituais dez horas e levar aquela vidinha normal da Fórmula 1. Sem Control, sem Alt e sem Del.

A documentação

O Departamento de Publicações, além da confecção dos guias impressos, teve a tarefa de coordenar os trabalhos de internacionalização e tradução de um conjunto de programas. A equipe de tradutores foi ampliada, para que os programas mais importantes tivessem uma versão em português e em espanhol. Esse trabalho de tradução e adaptação dos programas é um processo contínuo e dinâmico. Essa equipe foi treinada pela Conectiva, pois não possuía conhecimentos técnicos sobre Linux. O vocabulário técnico foi aprendido com a prática e acompanhamento do pessoal técnico do Departamento de Publicações. Mesmo com a equipe de tradutores, foram fundamentais os trabalhos realizados pelos voluntários da LDP-BR (//ldp-br.conectiva.com.br/) e LIE-BR (//lie-br.conectiva.com.br/) que contribuiram enormemente para a internacionalização.

O Departamento de Publicações também se preocupou em montar uma equipe de profissionais da área técnica, que conhecesse profundamente o Linux, e que tivesse uma redação voltada para o usuário iniciante. Muitos profissionais não foram encontrados no mercado, e sim formados dentro da própria empresa.

Uma das preocupações foi apresentar guias destinados a atender três níveis de usuários: o iniciante, que nunca usou um computador, o usuário que está migrando de outros sistemas operacionais e usuários avançados, que já utilizam Linux. Para tanto, foram produzidos três guias: Guia de Instalação do Conectiva Linux, Guia do Usuário do Conectiva Linux e Guia Avançado do Conectiva Linux, este último disponível na Internet. O primeiro abrange aspectos relativos ao novo instalador gráfico e às opções de configuração do Linux. O segundo apresenta instruções para utilização de interfaces gráficas e programas que acompanham o Conectiva Linux. O terceiro está disponível na versão on-line, e apresenta aspectos avançados do sistema, tais como outros níveis de instalação, configurações de equipamento e de programas.

Usuários que nunca tiveram contato com Linux ou mesmo com informática, poderão começar a usar o sistema sem dificuldades, pois se trabalhou muito para preparar um guia com uma linguagem acessível. Termos e conceitos técnicos foram abordados de forma didática, para maior aproveitamento dos conteúdos. Também para estimular o usuário a buscar maiores informações em outras fontes. Os guias foram produzidos utilizando Linux e suas ferramentas. Para digitar os textos, foram utilizados os editores emacs e vi (bastante populares entre os usuários de Linux, a ponto de causar uma saudável rivalidade até mesmo dentro do departamento). Para o tratamento de ../imagens, foram utilizados o GIMP, o XV e o ImageMagick. Os textos foram escritos em LaTeX, formatados com estilos desenvolvidos na Conectiva. Para impressão, foi usado o programa gv. Houve um grande cuidado com a apresentação do guia, e um maior aperfeiçoamento gráfico em relação aos guias anteriores.

Distribuição e suporte

O principal trabalho foi mapear o país, promovendo um intenso cruzamento de informações para recolher tudo e desenhar um modelo que pudesse ser replicado para todos os países da América Latina. Em princípio, foi definida uma linha de canais baseada em distribuidores e revendas, centros de treinamento e centros de suporte. Assim, foram escolhidos cerca de 25 distribuidores voltados aos principais pólos econômicos do país, de caráter nacional e também local, para chegar ao pequeno varejo regional, e constituídos cerca de 2.300 pontos de venda.

Também se criou uma rede de centros de treinamento, tanto através da montagem de novos centros quanto reciclagem dos antigos, e uma rede de centros de suporte técnico, principalmente com o objetivo de readequar a estrutura para começar a pegar forte no mercado corporativo. Toda essa estrutura recebe o apoio de filiais e centros associados, que serão uma espécie de franquia, totalizando dez pontos. Além de dar apoio a todos os canais e responder por toda atividade de treinamento, suporte e atendimento corporativo, os centros terão a participação de pessoas do departamento de desenvolvimento da Conectiva, sempre que houver projeto que exija esse tipo de acompanhamento. "Nós estamos trabalhando intensamente, mas o resultado tem sido extremamente compensador, pois a receptividade em todos os canais tem sido excelente", observa Jair Batista, diretor comercial da Conectiva, acrescentando. "A grande vantagem do Linux é que é um produto que se vende sozinho, mas que tende a se consolidar de forma acentuada no momento em que começar a ser fortemente utilizado pelo governo". Um processo que, em sua opinião, já começa a se esboçar.

A idéia da distribuição é ter o produto nos supermercados, em livrarias, na Web, mas como não adianta só colocar o produto, é preciso que tudo esteja funcionando. A operação exigiu muito trabalho de praticamente todos os 240 funcionários da Conectiva, sem contar o envolvimento de mais duas centenas de pessoas alocadas nos parceiros.

 

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