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Divulgar é preciso

Ele foi incluído na lista das 50 maiores personalidades do século XX por ser o criador de um sistema operacional de código aberto chamado Linux, um clone de Unix, e que catalisou a comunidade internacional dos hackers. A marca desse sistema, um pingüim chamado Tux, tornou-se presença obrigatória em todas as publicações de informática do mundo inteiro e virou o símbolo de toda uma geração de programadores que viviam à margem da poderosa indústria americana de software.

Seu método de trabalho, o faça&divulgue, conquistou a simpatia de um gigantesco exército de colaboradores, que foram aderindo ao longo dos anos para compor uma informal empresa da Internet e que é hoje a maior fábrica de software do planeta. Nenhuma companhia hoje pode rivalizar seu poderio, numérica ou operacionalmente.

Esse imenso e ruidoso grupo, guiado por sua batuta, tem hoje uma base de usuários estimada em 30 milhões de pessoas pelo mundo afora e não pára de crescer.

Esse finlandês, Linus Torvalds, causou um estrago sem precedentes e é o responsável direto pela quebra do tirânico monopólio da Microsoft, o que terminou elevando-o à categoria de herói da sociedade da informação e figura obrigatória na mídia. Quando em 1991, na cidade de Helsinque, Linus anunciou ao mundo o nascimento do Linux, ninguém podia prever um crescimento tão avassalador para um projeto de sistema operacional. Muitos especialistas e os principais institutos de pesquisa apontam que até 2004 ele será o sistema operacional dominante em todo o mundo e mais ninguém se atreve a duvidar desses números. Ainda há muito trabalho a ser feito, mas sabe-se que governos, empresas e usuários domésticos já esperam pelo dia em que comprarão máquinas com Linux pré-instalado de fábrica. Em 1998, ele mudou-se com a família para o Vale do Silício, na Califórnia, para trabalhar na Transmeta Corporation, empresa que desenvolveu o primeiro microprocessador baseado em software.

Aperfeiçoar o Linux continua sendo sua paixão. Torvalds passa todas as noites muitas horas conectado, discutindo novas idéias e projetos para melhorar sua extraordinária criação: "Se não há troca de idéias e ideais, eles se tornam inúteis, divulgá-los é o que os torna fortes", salienta Linus, em entrevista exclusiva concedida a Andrea Fabiana Flores, colaboradora da Revista do Linux.

Revista do Linux — O fato de você ser uma celebridade que chama a atenção da imprensa certamente ajuda a difundir a idéia do software de livre distribuição. Por outro lado, desenvolver o kernel e atender a muitas palestras envolve tempo. Você encara essa situação como parte do progresso do mundo Linux ou preferia a época em que você era famoso apenas na comunidade dos hackers? Como você equilibra seu tempo?

Linus Torvalds — Na verdade eu não gasto muito tempo com aparições em público, entrevistas etc. A maioria das vezes eu digo "não". Ainda com mais freqüência eu não respondo aos pedidos das pessoas. Eu gasto bastante tempo lendo e-mails, que na maioria versam sobre assuntos técnicos. Eu costumava falar bastante em conferências e as viagens geralmente tomavam uma boa parte do meu tempo. Agi assim porque realmente achei que deveria, sendo o principal participante do Linux e o único reconhecido. No entanto, nunca achei muito divertidas as viagens e conferências e atualmente existem inúmeras pessoas que são reconhecidas no mundo Linux, por isso eu parei com as palestras, que tomavam tempo e realmente não eram o que eu apreciava fazer. Isso não significa que eu passe 100% do meu tempo em questões técnicas relacionadas ao Linux. Obviamente meu trabalho na Transmeta envolve coisas não relacionadas ao Linux e também tento balancear minha vida pessoal. Não tem sido tão difícil assim: há muitas outras pessoas que assumem as áreas pelas quais não me interesso tanto. O meu principal trabalho atualmente é atuar como um ponto de contato e como um "avaliador de gosto" final e, mesmo nesse aspecto, há gente como o Alan Cox que faz boa parte do trabalho. Então eu basicamente priorizo as coisas me concentrando no que eu julgo mais importante. Surpreendentemente funciona muito bem!

RdL — A Transmeta é tida como uma empresa um pouco "paranóica" em termos de segredos industriais. Como você gerencia tal situação e continua trabalhando na filosofia de software de livre distribuição?

Linus — Na verdade é bem fácil. Eu não concordo com a FSF quanto à "filosofia de software de livre distribuição". Uma das razões pelas quais eu uso o termo "Open Source" [código aberto] é porque eu não acho que isso seja parte de uma grande filosofia ou afirmação política como a FSF faz. Eu trabalho com código aberto porque acho que é muito mais divertido dessa maneira e, se tenho uma filosofia, ela é "quero desfrutar o que faço".

Também gosto muito do que faço na Transmeta. É diferente e acho que o código aberto tem muitas vantagens, mas não sou religioso a respeito.

A Transmeta faz coisas interessantes, eles me pagam para eu fazer coisas interessantes e isso se encaixa perfeitamente na minha filosofia de desfrutar o que faço. Absolutamente não tenho conflito de culturas.

RdL — Você acha que o papel de países em desenvolvimento na informática pode se tornar mais importante no momento em que o desenvolvimento de software está disponível de graça e as pessoas e empresas desses países podem participar de projetos de software de livre distribuição e do mercado internacional de software?

Linus — Sim, é uma possibilidade e eu espero que aconteça, mas ao mesmo tempo estou ciente do fato de que a tecnologia tende a favorecer aqueles que já estão bem. O Linux diminui as barreiras para entrada, mas não faz com que elas desapareçam. Mesmo com o Linux, ainda é vantajoso ter mão-de-obra altamente preparada, e uma alta porcentagem da população com perfil e poder aquisitivo tal que esteja bem servida de computadores em seus lares, incluindo até mesmo as crianças. Dessa forma, penso no Linux como um degrau, uma abertura de possibilidades, mas ainda com uma porção de trabalho pesado envolvido.

RdL — Você tem acompanhado o trabalho de empresas de Linux fora da Europa e Estados Unidos? Qual sua opinião a respeito delas?

Linus — Heh! Acompanho sim, sei sobre a Conectiva. Ao mesmo tempo é preciso entender que eu me importo somente com o kernel e não com uma distribuição em particular. Sempre faço questão de usar mais de uma distribuição, porque quero permanecer neutro (e "qual distribuição você usa?" é uma pergunta que me fazem com freqüência), mas ao mesmo tempo eu realmente não tenho preferência. O que acontece é que eu estou muito menos a par de empresas e distribuições do que a respeito dos desenvolvedores, ou seja, eu não conheço um "desenvolvedor da RedHat" ou um "desenvolvedor da Conectiva", eu conheço Alan, David, Andrea, Rik Van Riel e Marcelo Tosatti. Não que seja uma relação mais "pessoal", eu raramente ou nunca os encontro e tendo a não me socializar muito, mesmo quando o faço. Funciona mais como uma rede pessoal de confiança — na qual você obviamente forma algumas conexões sociais também, mas que ainda está muito relacionada com a tecnologia. Minhas ligações sociais tendem a estar em outros círculos.

RdL — Como você vê o futuro próximo das grandes empresas de software proprietário, como no caso da Corel ou da Sun, que estão buscando o mercado de software livre? E quanto às novas empresas de código aberto, como a Ximian?

Linus — Acho bastante interessante o caso da IBM, que reconhecidamente é uma empresa grande e bem corporativa, mas que ao mesmo tempo tende a ser menos unilateral do que a Corel e a Sun, por exemplo. Ela tem mais "profundidade", e acredito que essa deva ser uma das razões de a IBM ter tido mais facilidade em adotar o Linux do que a maioria. Eles podem fazer uma pequena parte de cada vez, em vez de mudar uma grande porção da empresa. No geral, alguns setores da parte comercial irão falhar, enquanto outros serão bem-sucedidos. Só posso dizer que estou muito contente, porque não tenho de me preocupar pessoalmente com isso.

RdL — Por que morar nos Estados Unidos? Havia alguma desvantagem ou limitação para continuar trabalhando na Transmeta ou no kernel e viver na Finlândia? Existem desvantagens ao se mudar para os Estados Unidos?

Linus — Da perspectiva de trabalho no Linux, a Finlândia é um lugar tão bom quanto qualquer outro, e melhor do que muitos. Oferece boa conexão com a Internet, sem regras tolas de exportação para a criptografia (graças a Deus elas em sua maioria também já foram abolidas nos Estados Unidos). A razão principal para mudar para os Estados Unidos realmente não estava relacionada ao Linux, mas sim a motivos mais pessoais: a vontade de ver outras coisas e o desejo de fazer outros trabalhos além do Linux. Na Finlândia, muitos desses outros projetos acabam direta ou indiretamente ligados à Nokia — uma grande e boa empresa, mas se você não está tão interessado em telefones portáteis, acaba sendo um pouco demais. O Vale do Silício (Silicon Valley) ofereceu um trabalho interessante, um clima muito melhor (sendo do Brasil provavelmente você não vai compreender), e uma mudança de vida interessante. Nós gostamos daqui. Existem algumas desvantagens, mas no geral são pequenos detalhes, como ter de dirigir um automóvel para qualquer parte que se queira ir, mas eu compensei adquirindo um carro divertido de dirigir.


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