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Química que deu certo

Um químico industrial zelando pelo projeto OpenOffice Brasil? Sim, isso é possível e a "química" deu certo. O gaúcho Claudio Ferreira trabalha na área de informática há 18 anos, atuando nos setores de educação, networking, TI e software livre. Atualmente, trabalha em uma indústria de suplementação animal em Rondonópolis-MT, onde é o responsável pelos sistemas de informática da empresa. Na área de software livre, coordena o projeto OpenOffice.org Brasil, Projeto PostgreSQL-Br e Projeto Mozilla Brasil. Tal dedicação rendeu a Claudio o prêmio "Software Brasil", recebido durante o I Seminário Nacional de Software Livre, realizado em março, em João Pessoa - PB (vide foto acima). É com ele que conversamos nesta edição.

Revista Do Linux - Como você soube da existência do projeto OpenOffice?
Claudio Ferreira - Acompanho a história da Star Division desde 1992, quando soube que eles haviam liberado uma suíte office gratuita. Para os padrões da época, lembro-me de ter sido um alvoroço. Desde então, tenho acompanhado muito de perto. Lembro-me do lançamento do Star Office 5.1, da compra da Star Division pela SUN, do StarOffice 5.2, até a liberação do código e surgimento do OpenOffice.

RdL - Há quanto tempo trabalha com programação e como foi o seu primeiro contato com a informática?
CF - Difícil precisar, mas programação, desde 88, quando fazia programinhas em BASIC para Apple II. Depois disso, minha paixão sempre foi conectividade, quando trabalhei alguns anos com redes em geral, passando a estudar programação apenas nos últimos anos. Quanto ao contato, tive meus primeiros contatos em 86, com os primeiros cursos de BASIC para CP-500 e, depois, com o meu velho TK-95, versão melhorada do TK-90 (ZX Spectrum), com um teclado similar aos atuais. Coisa rara de achar no Brasil...

RdL - Por que o interesse em trabalhar voluntariamente com software livre?
CF - Sempre fui idealista e apaixonado pela idéia de um mundo melhor. Fui escoteiro desde muito pequeno, engajado nesta causa por quase 15 anos. Como os interesses e necessidades nos levam para outros caminhos, acabei me afastando de qualquer trabalho social, até que, em 94, conheci o Linux, tentando instalar um slack, mas mexendo mesmo, só depois de 96.
Como a maioria dos usuários de informática, achei o Linux difícil e precisei estudar um pouco mais. Em 98, depois do anúncio de uma empresa brasileira que começou a "traduzir" o RedHat, lançando o CRHL, me empolguei novamente. Imagina, um Linux no nosso português!! Foi quando comprei minha primeira caixa, o Marumbi que, por acaso, foi o Sandro Nunes Henrique que me vendeu. A idéia toda do software livre encanta, mas sempre me achei aquém das capacidades de fazer qualquer coisa, até que surgiu o OpenOffice. Depois da liberação do código e a criação das primeiras localizações, prontamente contatei algumas entidades no Brasil, como a SoftwareLivre-RS e o pessoal do Código Aberto, comentando a respeito, mas acabou dando em nada, principalmente pela pouca idade do projeto. Depois de algum tempo em contato com a coordenação do projeto central, Rafaela Braconni, a responsável pelo projeto L10N do OpenOffice na época, disse-me que poderia iniciar a tradução se desejasse. Imagine eu, que tinha interesse em ajudar a comunidade de qualquer forma, nem que fosse para "servir o cafezinho", começar uma localização? Daí as coisas começaram a tomar seu rumo. Aos poucos, outros brasileiros se interessaram em ajudar, e o L10N pt-Br começou a tomar corpo. Em vista da falta de suporte, também comecei o projeto Lang/Br, Extras, Mirror, Porting, e disso tudo nasceu o OpenOffice.org Projeto Brasil. Só quem está dentro deste universo sabe o quão valioso é, entre outras coisas, receber um agradecimento de alguém que tem uma micro-empresa ou uma escola pública sem condições de se legalizar, ou uma pequena prefeitura, dizendo um "Muito obrigado!", sabendo que você está ajudando muita gente. Por outro lado, o conhecimento que adquiri nos últimos anos ajudando de maneira direta ou indireta estas pessoas, não conseguiria pagar se os tivesse adquirido em cursos.

RdL - Quais as dificuldades que você e a sua equipe enfrentam para manter o projeto no Brasil?
CF - O software livre, como um todo, é algo de difícil previsão. Conforme os problemas se apresentam, conseguimos contorná-los. Até pouco tempo atrás, o maior problema era termos pessoas que dominassem a compilação nas plataformas suportadas, mas hoje temos um know-how nacional, brasileiros que ajudam brasileiros. Acho que o maior problema que temos é um dia de 24 horas.

RdL - Como você avalia o crescimento do OpenOffice no Brasil? É mais freqüente em empresas públicas ou privadas?
CF - Bem, as estatísticas estão mostrando um número equilibrado de migração entre estes dois segmentos. Tanto públicas quanto privadas estão preocupadas com questões de legalização de softwares e estão começando a ver as soluções abertas com olhos práticos. Em linhas gerais, vejo o OpenOffice como um novo padrão mundial em pouco tempo, e no Brasil, em particular, este processo é mais acelerado. Em contato com os segmentos públicos (executivo, legislativo, judiciário e forças armadas) e empresas privadas (indústria, comércio e ensino), constata-se um rumo para a adoção exclusiva do OpenOffice. Quem sabe não começamos 2004 com um novo padrão de documentação no Brasil ?

RdL - Quais vantagens você enumera para as empresas que adotam o OpenOffice?
CF - Do ponto de vista comercial, posso mencionar: Custo zero de aquisição: por ser um software livre, baseado na licença LGPL, basta baixá-lo da Internet e instalar. Com isso o TCO despenca (não some!). Atualização: novas versões podem ser baixadas, incorporando as últimas tendências e tecnologias também com TCO quase à zero. Do ponto de vista técnico, posso citar os padrões abertos e uso do XML. Mesmo que o OpenOffice seja descontinuado, outras aplicações, livres ou comerciais, podem criar filtros para ler/gravar seus arquivos, conseqüentemente, sem perda de material. Além de serem salvos em XML, os pacotes podem ser compactados. Desta forma, racionalizamos o uso de disco e banda, em caso de armazenamento de documentos e envios através da Internet, respectivamente. Temos também a diversidade. Em um único pacote, temos editor de texto, planilha e apresentação, típico de uma suíte office, além de um editor matemático, editor vetorial e acesso à base de dados, entre outros.

RdL - O OpenOffice tem sido usado em projetos sociais, como em Juiz de Fora - MG, por exemplo, onde a suíte está sendo utilizada por comunidades carentes. Qual a importância desses projetos em um país tão desigual e injusto como o nosso?
CF - De um modo geral, o OpenOffice, como todo o software livre, retorna um benefício gigantesco ao país, pois, além de não estarmos enviando divisas para fora do Brasil, estamos criando e melhorando nossa mão-de-obra local, e principalmente combatendo a exclusão digital, de maneira digna e legalmente correta. A partir daí, podemos pensar o quanto pode ser economizado nos cofres do setor público, destinando este dinheiro, que outrora iria para fora do país, para outros projetos, gerando mais empregos e, conseqüentemente, mais arrecadação; e do setor privado, que, a partir da economia resultante do uso do software livre, poderia destinar uma quantia, 0,1% desta economia, por exemplo, para financiar estes e/ou novos projetos, tanto de software livre, quanto sócio/econômicos/culturais. Qual a importância? Toda!

RdL - Há alguma previsão de atualização da versão do OpenOffice? Como está o andamento desse trabalho e quais melhoramentos estão por vir?
CF - O OpenOffice está atualmente na versão 1.0.2, trabalhando no lançamento do 1.0.3. Já existe o beta 1.1, e, entre as principais características, estão a capacidade de linha de comando e a impressão direta em pdf, além de uma série de melhorias de estabilidade e desempenho.

RdL - De que tipo de apoio o grupo de desenvolvedores do OpenOffice no Brasil está precisando para fazer o trabalho de manutenção da suíte no idioma português brasileiro?
CF - Tempo. Atualmente, a questão mais importante, em minha opinião, é o trabalho na tradução da ajuda, que necessita de um ambiente de trabalho próprio que, no estágio atual, não apresenta uma boa solução. Estou desenvolvendo um framework para melhorar esta área.

RdL - O que uma pessoa que quiser ajudar no desenvolvimento do projeto OpenOffice no Brasil deve fazer para participar do grupo de desenvolvedores?
CF - Basicamente, visitar nossa página e verificar os projetos em aberto, escolhendo o que esteja mais de acordo com seu perfil.

RdL - Quais as maiores demandas de programadores que o projeto OpenOffice.br tem atualmente?
CF - Hoje, nos faltam pessoas que saibam programar/compilar, trabalhando em MacOS ou Solaris. Ainda não existe um trabalho de porte para estes sistemas, que possuem apenas as versões em inglês.


Rodrigo Asturian - asturian@RevistaDoLinux.com.br


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