Governador do software livre
O Rio Grande do Sul é, sem dúvida, o estado brasileiro
mais entusiasta na discussão e disseminação do uso
de software livre na informática pública. Governo Estadual
e Prefeitura Municipal de Porto Alegre, através de suas empresas
de processamento de dados, a Procergs e a Procempa, têm levantado
essa bandeira, mostrando que o uso de programas com código fonte
aberto e de livre distribuição está entre as soluções
mais viáveis para um país que precisa reduzir os vultosos
gastos públicos com a compra de software proprietário, universalizar
o acesso à tecnologia e oferecer uma informatização
segura e de qualidade aos cidadãos.
Articuladores do projeto de lei apresentado pelo deputado Walter
Pinheiro (PT-BA), que dispõe sobre o uso do software livre nas empresas
públicas, e com adesão de diversos setores e das universidades do Estado,
o pessoal do Rio Grande do Sul tem conquistado, com muito trabalho e
dedicação, uma posição forte e coerente na árdua batalha
pela difusão do software livre. Vale destacar dois importantes
eventos que acontecem em Porto Alegre, na primeira semana de maio, e que ampliam
o espaço de discussão do tema e seu aprofundamento:
o 1º Fórum Internacional Software Livre 2000e o 3º
Encontro Nacional de Profissionais de Informática Pública-ENAPIP.
E ninguém melhor do que o governador do Rio Grande do Sul,
Olívio Dutra, para falar desse movimento
que envolve interesses de todos os cidadãos brasileiros, e que tem em
seu Estado o maior exemplo de que o software livre realmente funciona e
é viável como solução nacional.
Revista do Linux - Como foi que o senhor
se envolveu com a questão do Linux? Qual a importância do
projeto software livre para o Rio Grande do Sul?
Olívio Dutra - O meu envolvimento
começou quando era deputado federal e atuava na Comissão
de Ciência e Tecnologia da CUT. Tínhamos a preocupação
de que a evolução científica e tecnológica
proporcionasse melhorias na qualidade de vida para o conjuntoda humanidade,
em especial os excluídos, e não que servisse como mais um
instrumento e acumulação de riquezas das elites. No governo,
temos o compromisso com a cidadania plena que envolve direitos fundamentais,
como é o do acesso à tecnologia gratuita e de qualidade.
O trabalho competente e de credibilidade reconhecida realizado pelos
companheiros das companhias de processamento de Dados do Estado (Procergs) e da
Prefeitura de Porto Alegre (Procempa), do Banrisul, enfim, de todas as empresas
públicas do estado e da capital, reflete esta preocupação. Nosso
governo está assumindo a responsabilidade de investir em tecnologia de
ponta e de apropriação universal, buscando alternativas que
viabilizem a utilização dessa mesma tecnologia para
diminuição do abismo social.
RdL - De que forma o governo
está se envolvendo no evento a ser realizado em maio?
Dutra - O governo do Estado
está envolvido diretamente no evento Software Livre através da
Procergs, que atua como mobilizadora das forças sociais que militam nessa
área e catalisadora de novos processos tecnológicos
voltados a proporcionar melhor qualidade de vida.
RdL - Várias frentes
políticas em todo o mundo discutem hoje a importância de se garantir a
independência de seus acervos culturais e dados adotando softwares gratuitos e de
código aberto. Muitos alegam que é vital controlar efetivamente suas
bases de dados sem depender de sistemas em que a auditoria é
impossível de ser implantada. Principalmente departamentos de defesa e órgãos
governamentais que manipulam bases confidenciais adotam essa postura. O senhor
poderia dizer algo a esse respeito, inclusive a partir da
experiência do Rio Grande do Sul?
Dutra - Eu incluiria nas tuas
afirmações, que também é dever do Estado preocupar-se com a
privacidade dos cidadãos. Não adianta apenas o Estado garantir
auditorias bem estruturadas e seguras com softwares específicos. Temos que
pensar que as informações particulares do cidadão
têm que estar com garantia de privacidade, através de
sistemas de informação que não contenham códigos
secretos de seus fornecedores.
As experiências que temos vivenciado no Rio Grande do Sul nos
levaram a pesquisar sobre esse tema da segurança e descobrimos
que existem projetos como o do Echelon que são uma afronta à
privacidade de todos. O Software Livre oferece ótimas condições de
segurança, principalmente por nos permitir uma visão clara dos softwares,
o que eles fazem e como funcionam.
RdL - Após atravessarem o que
se convencionou chamar pelo título de globalização,
muitos países tiveram seus caixas dizimados por déficits
monstruosos e o Brasil não foge à regra. Diante do empobrecimento
dos Estados, como na América Latina, o Linux passou a ser uma
alternativa possível de informatização do Estado. O senhor
diria que o Linux é mera solução de emergência ou
um solucionador de dependências de terceiros? Uma alternativa
para a falta de recursos ou um caminho de independência
tecnológica?
Dutra - O GNU/Linux é um dos
sistemas que representa informatização de qualidade para o
Estado, e não se deve confundir a implementação desse
produto nas empresas públicas como uma solução temporal,
advinda de uma crise financeira. Sabemos que a necessidade é a
mãe da criatividade, mas esse software aberto tem uma história
recheada de bons resultados, além do que os programas abertos, livres de
fato, proporcionam acesso a métodos de uma elaboração
tecnológica muito rica em experiência, possibilitando
utilizarmos todo esse conhecimento a serviço do Estado e do cidadão,
livrando-nos enfim da dependência tecnológica.
RdL - Uma das propostas do Linux
é ser popular e esta é uma das razões para sua
rápida expansão, principalmente na mídia. O que muitos
estranham é que até políticos como o senhor tenham se
voltado para o assunto, e este é um fenômeno mundial, e que deixa
a muitos perplexos. Porque o Linux hoje é assunto de Estado?
Dutra - Nosso governo tem uma
identidade muito grande com esse tipo de projeto, logo, não
poderíamos deixar de participar e adotar como política a
implementação de soluções propostas pelo
GNU/Linux. Espero que muito em breve possamos encontrar soluções
que viabilizem o acesso do cidadão aos microcomputadores também de forma
gratuita, para que assim possamos ter uma sociedade em que seus participantes
possam utilizar a tecnologia da informação em
condições igualitárias.
RdL - Na área municipal e no
âmbito do Estado qual a mudança efetiva que a adoção do
software livre poderá trazer?
Dutra - Estamos alavancando projetos
de cunho social que ainda possuem recursos suficientes para sua
implementação adotando a tecnologia de software livres, na qual o desempenho
técnico é similar ou superior aos sistemas tradicionais, devido
à evidente economia que ele proporciona. Esses projetos estão nas
áreas de educação, saúde, habitação,
segurança, saneamento e da criança e do adolescente. Um
outro ponto importante é a capacitação do Estado para a
produção de software nacional. Poderemos dar uma
importante contribuição à cidadania, utilizando nossos
profissionais e investindo em organizações não governamentais
para a produção de softwares que tornem a vida do
cidadão mais fácil, e mais participativa no controle do Estado.
Imaginem se todos no Rio Grande do Sul puderem participar desde a
definição do Orçamento Participativo até o controle dos
investimentos, a partir de sua casa, utilizando-se de softwares gratuitos e
produzidos pelo próprio Estado?
RdL - O senhor poderia relatar como
tem sido a adoção do Linux pelo Governo do Rio Grande do Sul
e em que níveis? Por exemplo, na educação, na saúde
e na administração pública.
Dutra - Grande parte do nosso trabalho
ainda está em fase de elaboração, afinal temos
responsabilidades com a máquina pública, e não queremos de forma
alguma tomar medidas sem o tempo necessário para a
adequação de nosso pessoal. Em princípio, estamos mudando os softwares
dentro de nossas empresas do Estado. Em seguida, vamos trabalhar nas escolas,
e por fim, no restante da administração estadual. O mesmo
ocorre no município de Porto Alegre. Assim, preparamos inicialmente
nosso corpo técnico a partir das empresas de informática,
criamos condições de crescimento do público,
capacitando-o pelas escolas, e por fim, teremos novos produtos.
RdL - Como o senhor vê este
movimento mundial, de cunho solidário, como o Open Source (código
aberto)? Acredita que ele trará quais benefícios à
sociedade?
Dutra - Os benefícios
são inúmeros, mas gosto sempre de citar que para nós o mais
importante é podermos ter no Brasil o retorno à
produção de software, mantendo no país a inteligência e o controle
sobre a tecnologia da informação. Podemos, finalmente,
ter um sistema operacional que respeite as realidades regionais, operando
com base nas idéias das pessoas que com ele trabalham, permitindo
que cada comunidade possa se manter protagonista da sua própria
história na evolução e acumulação do conhecimento
científico e tecnológico.
RdL - Está sendo avaliado, no
Congresso Nacional, o encaminhamento de projeto que determina que o Estado deve
adotar preferencialmente o código aberto. Em sua opinião, quais
as chances desse projeto chegar ao congresso e ser aprovado?
Dutra - Para termos êxito nesse
projeto do deputado Walter Pinheiro (PT-BA), é fundamental mobilizar a
grande massa de profissionais que atuam na área e reconhecem a
importância do software livre. É importante conclamarmos todos os
usuários de Internet e de computadores em geral a se manifestarem junto aos
seus representantes no governo, exigindo que o projeto de lei seja
aprovado, cobrando responsabilidades com o bem público. Todo o projeto
encaminhado para o Congresso Nacional que altere o status quo das
relações econômicas tradicionais no nosso país precisa
preocupar-se com o convencimento dos senhores deputados e senadores. Essa
possibilidade de convencimento se dá através da
divulgação da idéia e seus benefícios tanto para os parlamentares
como sua base, que é, em última instância, a sociedade
brasileira. Dessa forma, acreditamos que esse movimento não pode ser
deixado sob a responsabilidade exclusiva do autor do projeto e deve sim ser
uma responsabilidade coletiva, para a qual contamos com a excelente
capacidade de articulação de todos os militantes sociais que atuam
na área da tecnologia da informação do nosso
país.