A estratégia da coopetição
Jacques Le Marois esteve em São Paulo durante
a Linux Expo, como um
dos keynotes do evento. Ele
é presidente da Mandrake
e veio ao Brasil também para buscar novos parceiros para a sua distribuição. Durante a feira aproveitou para conversar um pouco conosco, e é claro que terminou virando entrevista.
Revista Do Linux- A Mandrake é uma distribuição muito conhecida no Brasil e sabe-se que vocês pretendem aumentar a base aqui. Chegou a hora do desembarque?
Jacques Le Marois - Temos, sim, esse projeto, só que pretendemos fazer um desenvolvimento em etapas. Num primeiro momento, pensamos em montar uma equipe brasileira, mas sem um escritório instalado, para desenvolver um esquema de distribuição, certificação e suporte. Essa equipe será o embrião da nossa filial no Brasil. Temos já alguns contatos e estamos animados para iniciar nossas atividades. Nosso foco é identificar os anseios do usuário final brasileiro, e antes disso achamos prematuro montar um esquema comercial.
RdL - Você tocou num ponto polêmico. Afinal, quem é o tal usuário final?
JLM - A quem estamos nos referindo? Ao usuário de um servidor, a um administrador de rede ou a um usuário doméstico, desses que são usuários de Windows? Podemos distinguir duas categorias de usuários finais que igualmente merecem essa qualificação. Não acho que o Linux esteja maduro para o desktop, ainda não é fácil, padronizado e intuitivo. Mas também não vejo os sistemas comerciais concorrentes resolvidos para o segmento de especialistas, que, em última análise, são usuários mais exigentes que qualquer outro. Falar em usuários sem qualificação técnica é um julgamento ambíguo e tendencioso e me pergunto se os outros sistemas estão maduros como o Linux para o segmento de servidores.
RdL - Quando as pessoas falam em Linux pronto para o usuário final, provavelmente se referem ao sistema que pode ser dominado por qualquer nível de usuário. O que acha disso?
JLM - Não acho que o Linux esteja nesse nível ainda, mas a rapidez do seu desenvolvimento e a concordância das distribuições de seguir alguns padrões apontam para esse patamar para daqui muito pouco tempo. Reconheço que ainda precisamos fazer esforços para darmos ao Linux a facilidade de manuseio oferecida pelo Mac e pelo Windows. Mas me arrisco a afirmar que em dois anos o Linux não terá concorrentes.
RdL - Muitas distribuições se apoiaram por um bom tempo no modelo Red Hat, usando suas ferramentas, seu instalador e seu sistema de pacotes. De um ano e meio para cá,
todas elas começaram a desenvolver suas próprias ferramentas e instaladores, como a
própria Mandrake. Quantas pessoas estão envolvidas
nesse desenvolvimento e qual o motivo da adoção de um
modelo próprio?
JLM - Não podemos esquecer que o movimento do software livre é internacional e unificado, e que ele terminou concentrando sua produção nas distribuições, beneficiárias naturais desse modelo. Dentro da Mandrake temos umas cinqüenta pessoas no desenvolvimento, e elas contam com o trabalho de milhares de colaboradores autônomos. Essa é a característica do modelo bazar: faça e libere, depois usufrua o resultado. Esse resultado retorna às distribuidoras e por isso mesmo elas apresentam um forte trabalho autoral com muito desenvolvimento interno.
RdL - Gostaria que você falasse um pouco sobre os esforços de padronização entre distribuições, como a adoção de uma árvore de diretórios padrão, a normatização de pacotes e as bibliotecas comuns.
JLM - Temos muitos projetos em comum obedecendo aos padrões estabelecidos pela LSB (Linux Standard Base). Além disso, acompanhamos atentamente os grandes projetos, como o KDE e o Gnome, que sempre nos influenciam muito. Notamos que essa é uma preocupação presente em muitas distribuições e por isso estamos sempre em contato com diversos times, como o da Conectiva, o da Red Hat, entre muitos outros, tentando colaborar na construção de um sistema padronizado. Outras empresas, como a SuSE e a Caldera, optaram por fugir desses padrões, o que eu acho que não traz nada de positivo à comunidade.
Esse é o primeiro aspecto importante: forte compreensão do trabalho cooperativo entre os times, o que revela um conjunto mínimo de regras a ser seguidas. Em segundo lugar destaco o fato de que somos um nó de uma cadeia produtiva e que temos que cumprir as tarefas que nos são delegadas sem gerar desperdício, sem truncar o cronograma dos outros. Por último, gostaria de citar que não temos dó nem piedade de nos apropriar das novidades que sempre surgem. Logo as distribuímos, pois não podemos nos dar ao luxo de estar fora do ritmo da corrida. A concorrência entre as distribuições é bem feroz e, embora na etapa de desenvolvimento estejamos todos juntos, na hora da comercialização a coisa fica bem competitiva. Chamo isso de "coopetição", uma mistura entre cooperadores e competidores que traz grandes resultados para usuários, desenvolvedores e consumidores.
É o nosso modelo, e as empresas tradicionais de software têm imensa dificuldade para
se adaptar a ele ou entrar
nessa competição.
RdL - A Mandrake tem recebido uma grande injeção de capital, a exemplo das outras grandes empresas Linux, e terminou entrando no disputado mercado americano. Como está sendo a experiência? A concorrência com a bilionária e poderosa Red Hat dentro dos domínios dela não é desigual?
JLM - Já estamos há um ano no mercado americano. Nosso CEO é americano. Depois de um meticuloso trabalho de prospecção, o resultado de
nossa iniciativa é espantoso para muitos. Já faz quatro meses que somos os campeões de venda, superando a Red Hat, que depois de bilionária e poderosa se tornou lerda e pesadona. Antes de julho, a Red Hat respondia por 34% do mercado e
a Mandrake por 30% e já passamos alguns meses nos alternando no topo do ranking.
Somos uma distribuição muito mais user friendly. Nossa produção é maior e bem mais rápida, e o mercado americano é muito exigente, sempre atrás do melhor desenvolvimento. Consulte as listas da RPMFIND.NET em ordem de datas e veja que sempre encabeçamos todas elas, com um índice maior de atualizações.
RdL - O hacker Alan Cox disse uma vez que o Linux não era propriamente um sistema operacional, mas um kit para sistemas operacionais e que talvez no futuro houvesse uma profusão imensa de distribuições. Você acredita nisso?
JLM - O trabalho de uma distribuição é gigantesco e não acredito que surjam outras grandes distribuidoras partindo do zero. Acredito que seja muito mais razoável que se aproveite a base de uma das grandes e que se façam as alterações desejadas. Existe um acervo grande de desenvolvimento e sinceramente não acredito que haja tempo ou espaço para que outras empresas surjam para disputar o terreno que conquistamos. Nós temos a logística, a cultura,
e o esquema comercial. É difícil esquecer esse fato.