Mulheres e computadores
Telsa Gwynne é conhecida como a companheira de Alan Cox, um dos hackers mais famosos do planeta, mas seu envolvimento com a informática vai muito além disso. Ela circula pelo mundo eletrônico muito antes de um tal de Linus desafiar as grandes corporações com seu sistema operacional de código aberto. Morando em Swansea, um vilarejo no litoral sul do País de Gales, Grã-Bretanha, pide a vida
entre seus projetos de documentação e, claro, seu dia-a-dia em comum
com Alan Cox.
Apesar de possuir formação na área de ciências biológicas (ela entrou na faculdade de Biologia, mas não foi até o fim. E, antes, também não completou um curso técnico de Enfermagem com especialização em Psiquiatria). Telsa trabalha basicamente com documentação Linux. Tem 30 anos de idade. Seu primeiro contato com computadores foi aos 20. Quando se iniciou na informática, teve o impulso de ajudar a comunidade e, como não é programadora, achou que seria uma boa idéia desenvolver a parte de documentação, coisa que a maioria dos programadores detesta fazer.
No início, Telsa não sabia por onde começar, então passou a ler os documentos da LDP. Na época, para se inscrever na lista da LDP era necessário já ter contribuído, o que a deixava de fora. Em vez disso, apaixonou-se pelo Gnome logo que conseguiu um monitor gráfico capaz de rodar o X. Surpresa com a falta de documentação do Gnome, Telsa ingressou como ouvinte na lista e ficou mais de um ano pensando "O que posso fazer e por onde começo?" Como acontece na maioria dos projetos colaborativos, ninguém tinha paciência de dizer "faça isso, faça aquilo, etc."
Depois de algum tempo, quando passou a estudar DocBook sozinha, Telsa fez duas pequenas correções: uma na documentação do Mutt e outra na documentação do Gnome-Terminal. Ficou muito feliz porque ambas foram aceitas pelo pessoal da LDP. A partir daí nunca mais parou. O próximo projeto era um desafio muito grande, que ninguém queria enfrentar. "Diante disso, eu mesma tive de colocar as mãos nele", comenta Telsa. O produto desse esforço tornou-se a documentação do projeto "gtop", e ela aprendeu a lidar com todo tipo de usuário durante sua elaboração, de desenvolvedores a tradutores, passando por redatores, distribuições e usuários finais. Telsa se dedica ainda a testar versões beta de produtos, o que lhe valeu a reputação de "destruidora de software".
O que muitos achariam chatice foi divertido para Telsa, que se envolveu cada vez mais em projetos do Gnome. Ela chegou a escrever sobre cinco
applets numa só semana! E, nesse ponto, aprendeu uma lição não muito agradável: voltar a seu próprio texto para revisá-lo é horrível! Para que o trabalho tenha uma qualidade razoável, é necessário que outra pessoa o revise. Ainda sobre revisão, Telsa dá uma dica: "Increva-se em listas de discussão sobre o assunto. Mesmo que você não tenha tempo para contribuir, sempre aprende algo interessante e útil". Uma das listas indicadas por
Telsa é a gnu-proofreaders.
O envolvimento com o Linux
começou em 90, quando estudava na Universidade de Aberystwyth, no País de Gales. Ao contrário da maioria das universidades, que restringiam o acesso aos computadores, qualquer um podia ter uma conta no ULTRIX que rodava na plataforma DEC da escola. Telsa não gostava desse papo de computador até que um amigo a levou à sala de terminais e a ensinou a se conectar com computadores de outras universidades britânicas via Internet e a jogar os jogos de console com contas tipo guest. "A partir do momento em que passei a encontrar outras pessoas on-line, fiquei impressionada. Viciei", conta Telsa. Outra história interessante: quando Telsa estava cadastrando sua senha no ULTRIX, o administrador do sistema, Alec Muffett, observou a seqüência de caracteres e gritou "Não! Escolha uma senha melhor". Anos depois, Alec Muffett alcançou notoriedade quando lançou Crack, um software para sistemas Unix que quebra segurança de senhas.
Quando Telsa foi morar com Alan Cox, sentia falta do ambiente Unix. Alan então deu um jeito de fazer seu computador Amiga pensar que rodava Unix. Assim ela matava saudade do cd e dos mailx. Quando o Linux e o 386BSD foram lançados, Alan Cox consultou o saldo no banco e comprou um PC. Com o dinheiro que sobrou (quase nada), o BSD estava fora de questão. Sobrou o Linux. "Respondi com algo do tipo vamos ter Unix em casa? E eu vou poder jogar nethack de novo, e usar o elm e o quiz? Hurra! Posso dizer que nem vi o Windows quando ele chegou à Inglaterra", conta Telsa.
Telsa e Alan encontraram-se em 1990. Tinham amigos em comum. "Ouvia falar muito de Alan, mas quando o conheci eu o odiei", lembra Telsa. Obviamente, isso mudou. Como eram estudantes em cidades diferentes, mantiveram contato através da Internet até que começaram a namorar. O passatempo preferido dela é, em primeiríssimo lugar, ler. Gosta também de visitar lugares antigos, RPG, quebra-cabeças e palavras cruzadas. Quando lhe perguntaram se possuía animais de estimação, ela sorriu, apaixonada: "Apenas o Alan".
Telsa não gosta de rap, dance, ópera ou música de parada de sucesso. "Prefiro músicas mais calmas e etéreas." Entre as bandas calmas e etéreas de Telsa Gwynne estão, veja só, Motorhead, Rainbow, Thin Lizzy, the Strawbs,
Metallica, Dead Kennedys e The Clash. Mas, alto lá, ela gosta, sim, de sons que podem parecer tranqüilos para todo mundo: Solstice, Show of Hands, Mediaeval Baebes, The Leningrad Cowboys e, especialmente, You Slosh. "O rock do You Slosh é inacreditável, um misto de rock e folk irlandês que nos faz fechar os olhos e dançar pelo espaço", diz ela.
Um dia normal (?) na vida de Telsa Gwynne pode ser resumido assim: parte do tempo ela está organizando a vida de Alan Cox ou então está no IRC fazendo ou respondendo perguntas. Numa pequeníssima parte do tempo ela se dedica ao serviço de casa. Sempre que fala de Alan Cox, Telsa Gwynne se mostra imensamente apaixonada. "Não há nada que se compare à minha vida com ele. Eu o amo e ele me ama também (ou assim ele diz...)." Quando lhe perguntam sobre a sensação de ser casada com um grande hacker, Telsa desabafa: "No geral, nossa vida é boa e eu tenho muito orgulho dele. Claro, tem a parte ruim também: às vezes estamos prestes a sair para um programa qualquer e o bugtrack apita. Então, lá se vai nossa noite. Se o bip do Alan toca na praia, lá vai ele correndo atrás de um computador para resolver o problema. Odeio isso", irrita-se ela. E tem mais. "Odeio também quando escrevem coisas ofensivas contra ele." E ainda mais. "Odeio com todas as forças não poder passear, viajar, ir a festas de casamento sem que antes tenhamos que consultar o calendário de eventos da Red Hat, o cronograma de lançamento do Kernel e as datas das inúmeras conferências do Alan." Coisas de quem vive o dia-a-dia no papel de Telsa Gwynne.