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Porque deu errado??

Vemos em revistas, nos sites da Internet, em palestras, etc., que todos estão migrando para o Linux. Porém, ao lado destas histórias de sucesso, temos vários casos em que tudo deu errado. A pergunta que fica é "por quê?"

Acho que todos nós conhecemos histórias de migrações que deram errado. Infelizmente, essas histórias são mais numerosas do que deveriam ser e, pior, boa parte delas poderia ser evitada com alguns cuidados. Talvez por culpa do modo como o Linux começou a ganhar o seu espaço, esgueirando-se e infiltrando-se nas organizações, faltou planejamento em boa parte dessas histórias de horror.

O objetivo deste artigo é identificar e descrever alguns desses problemas, para que aconteçam cada vez menos. É muito importante lembrar que cada usuário insatisfeito tem um grande poder de multiplicação e pode causar grandes estragos à reputação do Linux. Alunos de uma faculdade hoje podem ser os gerentes de TI amanhã, e a opinião de um gerente de TI pode vetar todo um projeto. Devemos aprender com nossos erros, ou estaremos fadados a repeti-los à exaustão. Os tópicos a seguir mostram os principais e mais comuns fatores de desastre. Preste bastante atenção e tome cuidado...

Hardware Ineficiente

O Laboratório Museu...

É o que mais acontece na implantação de Linux em instituições de ensino. Quando os computadores não conseguem fazer mais nada, resolvem colocar Linux, com a alegação de que o Linux funciona bem em hardware antigo. Instalam, então, a novíssima distribuição "x", com KDE 3.1 e OpenOffice, em alguns Pentium 100 com 32MB. Resultado: usuários insatisfeitos e fracasso total.

É muito importante dimensionar corretamente o hardware a ser utilizado. Antes de instalar Linux nesses tais computadores, faça a instalação em um deles e tente utilizá-lo. Muitas vezes, um pouco de bom senso resolveria todo o problema, mas alguns "administradores" instalam o software e depois desaparecem, não o utilizam e não têm a mínima idéia de que o Mozilla demora exatos quatro minutos para aparecer na tela.

Isso sem contar com as próprias precariedades e inconstâncias do hardware antigo. Pentes de memória defeituosos, maus contatos, fontes estranhas, coolers desregulados, HDs com bad blocks e outros problemas que, se não conhecemos, podemos imaginar. Se você vai reaproveitar hardware considerado obsoleto, faça dúzias de testes. Teste bem a memória, verifique poeira nos coolers e na fonte, limpe os contatos, enfim, faça um serviço de manutenção completo. Você pode acabar descobrindo que as máquinas ficam travando porque a placa de vídeo está com um mau contato, mas os seus usuários vão achar que a culpa é do Linux.

Se a sua organização quer realmente aproveitar esses computadores antigos, aproveite-os onde podem ser realmente eficientes. Utilize-os como terminais remotos, roteadores, servidores de e-mail, servidores Web... coloque-os onde possam fazer diferença. Uma sala com 20 computadores 486 usados como terminais remotos de um computador mais potente traz para o Linux uma imagem muito mais bonita do que esta mesma sala com todos os computadores rodando localmente o XFree86 4.3.0 e Mozilla.

Simplesmente não funciona

Tudo está pronto, agora basta instalar a única impressora do departamento, uma XYZ-Laser1234, que não funciona!!! Hoje em dia esse problema é menos comum;, a maioria dos dispositivos de hardware é suportada pelo Linux. Ser menos comum, porém, não significa que não ocorre.

Antes de começar toda a migração, antes de solicitar aquele novíssimo periférico de US$2000, verifique se ele funciona no Linux. Se não funcionar, apesar de a culpa ser sua por não ter prestado atenção, quem vai levar a culpa é o Linux. Verifique em mecanismos de busca, fóruns e listas de discussão se o tal dispositivo é suportado e só depois comece a instalar.

Se o dispositivo não é suportado, pode-se pensar em algumas correções, mas é importante ter essas possibilidades já previstas e deixar os seus usuários avisados. Manter um computador com "aquele" sistema proprietário para poder baixar as fotos da câmera digital e depois colocá-las na rede via samba é uma solução plausível (enquanto isso você pode correr atrás do suporte à tal câmera). O importante é não deixar os seus usuários sem o acesso ao tal dispositivo.

Olho maior que a barriga

Este é um problema que vem se tornando cada vez mais comum. O gerente quer migrar os servidores da empresa para Linux e pergunta o que precisa ser alterado. O administrador olha e pede para trocar os servidores atuais por alguns QuadriXeon com HDs SCSI U360 e 4GB de RAM, para poder usar como servidor de web, ftp e e-mail. Obviamente, o gerente prefere continuar com o sistema antigo. Mais um tiro n'água.

Um dos principais fatores para a adoção do Linux nas empresas tem sido a redução de custos. Depois de implantado, é que se costuma verificar a sua estabilidade e segurança (e quem sabe ganhar um "parabéns" do chefe). Pedir um hardware irreal e extravagante no momento da implantação vai apenas afastar a sua empresa do Linux. Se o sistema atual funciona no hardware que a sua empresa já tem, ela dificilmente vai trocar por outro sistema que precisa de três vezes mais hardware. Garanto que, depois de funcionando, será bem mais fácil pedir um pouco de memória para funcionar melhor ainda.

Em caso de implementação de novos sistemas, use o bom senso. Escolha peças de qualidade, que possam fazer o serviço que o cliente pediu, mas não exagere. Você não precisa de um Pentium IV para ser o gateway da sua rede. Economize onde puder para poder gastar onde precisar.

Software

Software que não existe

Isso acontece. Em uma lista de discussão, alguém postou uma mensagem dizendo que havia migrado uma agência de publicidade para Linux e que agora queria saber onde encontrar um FreeHand ou equivalente para Linux. Sejamos sinceros, na área de editoração o Linux deixa muito a desejar e quem fez esta migração deveria saber disso. Um servidor de arquivos e impressão seria muito mais útil para a tal agência, para facilitar a vida dos usuários, e não n computadores sem os softwares de que eles precisam para trabalhar.

Outra área em que isso acontece com certa freqüência é em laboratórios, onde muitas vezes não existem drivers para os dispositivos de aquisição de dados ou mesmo um programa para conseguir coletar estes dados. Em alguns casos, é vantajoso ao próprio laboratório desenvolver seu próprio driver e software de controle e coleta, o que não pode acontecer é só descobrir isso depois de tudo instalado e com várias medidas esperando para serem tomadas.

Imagine que, após uma migração, alguém descobre que o banco de dados que se utilizava antes é totalmente incompatível com os bancos de dados existentes para Linux? E aí? Como a empresa trabalha?

Documentação não existe

O software necessário existe (ou um equivalente), porém ninguém sabe como usá-lo! O "administrador" instala tudo e some. As dúvidas são respondidas com "Dá uma procurada por aí..." Com certeza, essas atitudes não ajudam nem um pouco na popularização do Linux.

É importante verificar a documentação do software antes de colocá-lo à disposição dos seus usuários. Se não houver documentação, é necessário criá-la e torná-la disponível de maneira acessível. Vamos lembrar que nem todos precisam ser profissionais de informática para usar o computador, a secretária está querendo apenas escrever uma carta.

Além da documentação, dependendo da extensão da migração e do conhecimento dos seus usuários, é interessante ministrar cursos de treinamento para que eles possam exercer corretamente suas funções.

Software e documentação existem, mas são impossíveis de usar

Outras vezes, tanto o software quanto a documentação existem, porém, por algum motivo, a utilização do tal software é totalmente improdutiva. Um bom exemplo é o próprio OpenOffice: quando o hardware disponível deixa a desejar, a lentidão de uso torna o trabalho impossível.

Ou o software pode ser simplesmente muito mais difícil do que o anterior. Nem todo mundo acha interessante utilizar o vi e LaTeX para escrever um documento. Você pode entregar todos os livros de LaTeX e cartões de referência do vi ao usuário, mas ele não vai gostar e vai voltar correndo para o processador de textos que conhece, espalhando aos quatro ventos que o Linux é muito difícil de usar.

Pessoal Técnico

O curioso

Muitos dos profissionais do Linux começaram sua carreira profissional assim, como o "curioso" que acaba se tornando administrador de uma rede e, depois de muito sofrer, se tornou um profissional de verdade. Uma história bonita, mas, infelizmente, na trilha do sofrimento havia muitos usuários que sofreram junto e atualmente devem estar odiando o Linux. Afinal, quem agüenta um sistema instável em que não se consegue imprimir, precisa ser reinstalado a toda semana, o firewall barra absolutamente todos os pacotes, entre outros terrores que podem ter acontecido.

Acredite, administrar uma rede é bem diferente de cuidar do computador da sua casa. O simples fato de ter instalado o Linux e visto uma página do Apache com "It Worked!" não o torna um administrador de redes e muito menos um especialista em webservers.

Instalar o sistema em casa é um bom começo, mas antes de tomar para si a responsabilidade de cuidar de uma rede ou mesmo de alguns servidores, é importante saber de verdade o que você vai fazer. Ler a documentação disponível e treinar em casa é um ótimo caminho a seguir, e só depois de conhecer como tudo funciona é hora de dar o passo seguinte e assumir responsabilidades.

O beta-tester

Normalmente, este tipo de administrador conhece o sistema e sabe como mantê-lo funcionando. Porém, sua ânsia por novidades e um certo espírito audacioso põem tudo a perder. Talvez deixando os usuários uma semana sem poder usar a rede enquanto tenta trocar o NIS por LDAP, ou quando instala o Apache 2.0 em todos os servidores e depois descobre que um módulo utilizado por todas as páginas da empresa não é suportado.

Mais importante que possuir todas as últimas e mais interessantes tecnologias e todos os softwares em sua última versão é manter o sistema funcionando! Os usuários não querem saber se o método "x" é muito mais seguro que o método "y"; o que eles querem é o sistema no ar, e querem agora. Se o método "x" não permite isso, mantenha o método "y". Trocar de servidor de e-mail e métodos de autenticação a cada semana não é agradável, muito menos ficar trocando o gerenciador de janelas padrão de seus usuários toda vez que você acha algo interessante ("Uau! o Afterstep deixa ter barra de título transparente!").

Se o novo recurso é realmente tão interessante, implemente-a primeiro na sua máquina, ou em casa, ou talvez em uma ou duas estações selecionadas para testes. O que interessa é não prejudicar seus usuários. Nós sabemos que há momentos em que a interrupção do serviço é inevitável, mas essas interrupções devem ser raras e, quando ocorrerem, durar apenas o tempo necessário.

O principal erro por trás de todos os outros é a falta de planejamento. Através de testes controlados e de alguns estudos feitos antes da implantação do Linux em sua organização, boa parte destes erros pode ser eliminada ou, pelo menos, minimizada. Muitos dos atuais profissionais Linux cresceram cometendo estes (e outros) erros e acertos, mas está na hora de pensar se realmente vale a pena, para cada bom profissional, criarmos vários usuários anti-Linux.

"Se você vai reaproveitar hardware considerado obsoleto, faça dúzias de testes"

"Servidores de arquivos e de impressão são mais úteis para o mercado de editoração"

"Mais importante que possuir todas as últimas e mais interessantes tecnologias (...) é manter o sistema funcionando"


Roberto Freires Batista - Também conhecido como Piter Punk
piterpk@terra.com.br


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