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Tudo sobre o IV FISL

O evento deste ano em Porto Alegre, que reuniu mais de 4 mil pessoas, mostrou que o governo Lula está fortemente comprometido com o movimento de Software Livre

O IV Fórum Internacional de Software Livre (FISL) foi a verdadeira celebração política e social da liberdade na informática. Com mais de 4 mil pessoas presentes, segundo os organizadores, e ampla cobertura da imprensa - mais de 45 jornalistas se credenciaram para cobrir o evento - o IV FISL, promovido pelo Projeto Software Livre-RS, Prefeitura de Porto Alegre e Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) nos dias 5 a 7 de junho, impressionou o público presente não apenas pelo gigantismo, mas também pela maturidade do movimento de software livre no Brasil. Foram 269 palestrantes, com 24 estados e 14 países representados na capital gaúcha. "O ministro José Dirceu já afirmou que agora é política de governo. Vamos levar o acesso livre a computadores para combater a desigualdade social. Em um programa de Governo Eletrônico, são imprescindíveis a implantação dos softwares livres e a inclusão digital. Não dá para admitir que 90% da população não têm acesso a computadores. Temos de acabar com a autonomia tecnológica que impede levarmos esta tecnologia", declarou o presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), Sérgio Amadeu.

Essa maturidade foi visível no que se refere ao apoio dado pelo governo federal, por meio do ITI, Serpro, Eletronorte e Caixa Econômica Federal - que tinham os maiores estandes do evento - junto com a Prefeitura de Porto Alegre, através da Procempa (Companhia de Processamento de Dados do Município de Porto Alegre) e com a Procergs (Companhia de Processamento de Dados do Rio Grande do Sul). O governo federal esteve ainda representado no evento pelos ministérios da Ciência e Tecnologia, Casa Civil, Planejamento e Cultura.

Na abertura do IV FISL, o governo federal, por meio do ITI, fechou acordo para inclusão de certificados digitais nos programas de código aberto das distribuições Linux. Logo após a abertura do evento, Amadeu fechou acordo com a SuSE, a Debian, a Mandrake e a Red Hat, permitindo a inserção do certificado digital da Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileiras (ICP-Brasil) nos programas por elas distribuídos. Esse mesmo acordo já havia sido fechado com a Microsoft no ano passado e em março deste ano com o Conectiva Linux. O secretário da Debian, Wichert Akkerman, analisou que essa iniciativa é de grande relevância, já que o governo reconhece o movimento do software livre e dá credibilidade aos programas desenvolvidos em código aberto.

Na sessão de encerramento do evento, foi decidida a criação do Projeto Software Livre Brasil (PSL BR), que terá o apoio do governo federal. O PSL BR organizará o V FISL em 2004, novamente na PUCRS. Essa articulação nacional, que contará com a participação dos diferentes níveis de governo, entidades públicas e privadas, empresas, universidades, programadores e usuários, já tem uma primeira tarefa. Nos dias 19 e 20 de agosto, no Senado Federal, o Projeto Software Livre Brasil realizará um encontro, quando divulgará à comunidade internacional que o País está aberto para apoiar e implantar softwares livres. O PSL BR inspira-se no Projeto Software Livre RS, que liderou a organização dos quatro fóruns internacionais e estimulou o desenvolvimento de soluções livres na administração pública, além de ter atraído várias empresas de tecnologia para essa vertente da informática.

"Tropicalizar a digitalização"

Para Marcelo Branco, um dos coordenadores do PSL RS, com o PSL BR, nenhum país do mundo fica em condições tão favoráveis como o Brasil para disseminar o software livre. "O Brasil gasta mais de US$ 1 bilhão em pagamento de royalties, montante que poderia ser destinado à área social", afirmou. Branco classificou o encontro deste ano como o maior do gênero no mundo e destacou a força da Mostra de Soluções Livres, cujos estandes foram ocupados por 20 empresas. Grandes companhias, como IBM e Cisco, ajudaram a patrocinar o FISL. Sobre a democratização da informação, Branco foi enfático. "Inclusão digital não é somente conectar um computador na tomada. Significa apropriar-se do conhecimento a respeito da tecnologia que estamos consumindo", disse.

A comunidade de software livre tem motivos para acreditar no crescimento do movimento no país. Logo na abertura do evento, Sérgio Amadeu, disse que o software livre na administração Luis Inácio Lula da Silva é objeto de ''política pública de governo''. Amadeu fez questão de dizer que falava em nome do ministro José Dirceu, a quem representava. No encerramento, Amadeu afirmou que apoiava o anunciado PSL BR.

O articulador de Política Digital do Ministério da Cultura, Claudio Prado, disse que o ministro Gilberto Gil ajudará a ''tropicalizar a digitalização''. Prado lembrou que o tropicalista Gil inovou nos anos 60 ao levar tecnologia à música. Na opinião do articulador, as pessoas mais revolucionárias do governo são as que estão conduzindo a política de informática.

O IV FISL contou com a presença do governador gaúcho Germano Rigotto, que se mostrou impressionado com a dimensão do evento e a predominância de jovens. Esta característica assegura um futuro promissor à causa que se contrapõe aos softwares proprietários, programas que mantêm os códigos fechados, estabelecem dependência, impedem a autonomia tecnológica e ainda cobram, e muito, por licença de uso. O prefeito de Porto Alegre, João Verle, presente à solenidade de abertura do evento, ressaltou que a capital gaúcha trabalha com o software livre em várias frentes, entre as quais os Telecentros implantados pela Procempa.

Verle disse que, a cada ano, o Fórum se destaca por uma participação mais numerosa e qualificada. "Estamos progredindo a passos largos na difusão e implantação do software livre no sistema público e na iniciativa privada. Os governos da Administração Popular sempre procuraram combater a exclusão social, na qual se inclui a exclusão digital". Ele ressaltou o pioneirismo da legislação de Porto Alegre que, no ano passado, passou a dar prioridade ao uso do software livre no setor público.

Debates políticos

Discursos inflamados e a exposição das políticas adotadas nas cidades brasileiras com relação ao uso de software livre marcaram o IV FISL. Num dos debates, coordenado por Ricardo Bimbo, coordenador do projeto Governo Eletrônico da Prefeitura de São Paulo, participaram Sérgio Amadeu, presidente do ITI, Joel dos Santos Raymundo, presidente da Procempa, e Beatriz Tibiriçá, também da Prefeitura de São Paulo.

Como todos os participantes são ligados a entidades governamentais, os discursos giraram em torno das medidas do Estado no sentido de fomentar o processo de inclusão digital através do uso de tecnologias de código fonte aberto. Não faltaram também críticas às políticas adotadas pelas empresas que defendem os chamados "softwares proprietários".

Quem abriu as explanações foi Joel dos Santos Raymundo, presidente da Procempa, que destacou a iniciativa gaúcha de não mais pautar o ensino de informática em programas tradicionais. "Não estamos mais ensinando Word. Hoje, em Porto Alegre, se ensina a utilizar processadores de texto", disse. Raymundo informou também sobre a implantação dos 14 telecentros, unidades que possibilitam o acesso gratuito da população a computadores ligados à Internet, que já operam na capital do Estado.

Em seguida foi a vez de Beatriz Tibiriçá, coordenadora do projeto Governo Digital da Prefeitura de São Paulo. Na capital paulista, já existem 58 telecentros em atividade, e a estimativa é que, até o segundo semestre, sejam 107 unidades abertas à população. Para Beatriz, os centros de inclusão digital da prefeitura provam que a população pode aprender a utilizar o software livre. "Estamos conseguindo compartilhar o conhecimento e, assim, democratizar a informação", completou. Outro responsável pelo projeto Governo Digital, em São Paulo, deu seqüência ao debate. Ricardo Bimbo, que acumulava a função de coordenador da mesa, destacou que "o debate com a comunidade deu a solidez na implantação do software livre nos telecentros paulistanos".

O último a se pronunciar foi também o que causou maior impacto entre o público, que lotou todos os lugares da sala de convenções da PUC. Sérgio Amadeu, presidente do ITI, traduziu as vantagens na implantação do software livre em números, demonstrando a dimensão da economia que o governo faz ao optar pelo software livre. "O software pago é insustentável para o país. No tempo do 'monopólio', não tínhamos escolha, mas agora a situação é diferente". Outro ponto destacado por Amadeu foi o uso das leis de copyright. Para ele, as leis de propriedade intelectual estão sendo usadas para a manutenção de uma estrutura sócio-planetária desigual.

Entretanto, o aspecto mais polêmico abordado por Amadeu surgiu quando este comentou as ações das grandes empresas de software de código fonte fechado no sentido de conquistar espaço no mercado. Para Amadeu, os funcionários do Estado que aceitassem presentes dados por empresas privadas estariam tendo uma conduta antiética, que não condizia com a responsabilidade do trabalho governamental.

Atrações internacionais

Entre as atrações internacionais do evento, o mexicano Miguel de Icaza, criador da Gnome Foundation, foi a principal, pelo menos pela audiência das suas apresentações. Icaza lotava o auditório nas suas palestras e apresentou o Mono, uma alternativa em software livre para o MS.Net, da Microsoft. Ele abriu a sessão falando sobre a equipe de trabalho que está trabalhando no Mono, que conta com mais de 150 colaboradores de todo o mundo. Além de demonstrar as aplicações do sistema - que está na etapa final de seu desenvolvimento - Icaza estabeleceu comparativos com o programa da empresa de Bill Gates.

Icaza também afirmou que o software livre já satisfaz a 90% das necessidades das empresas e das administrações públicas, pois inclui planilha de cálculo, processador de texto, correio e navegador, entre outros itens. "Para os consumidores domésticos, creio que o sistema ainda não esteja pronto, devendo demorar quatro ou cinco anos para satisfazer todas as necessidades destes usuários", disse. Icaza destacou que o software livre vem sendo adotado por administrações públicas da América Latina e da Europa por representar redução de custos e independência tecnológica, além de ser uma garantia de segurança nacional e de propiciar a criação de uma indústria local. Outra vantagem apontada pelo presidente da Gnome Foundation é a capacidade de suportar qualquer idioma, enquanto o Microsoft Office atualmente é capaz de suportar apenas 24 dos mais de 8.000 idiomas existentes no mundo.

O governo de Extremadura, na Espanha, tem um dos projetos de inclusão digital mais bem sucedidos do mundo. É o que Jesús Rúbio e Páco Méndez demonstraram na palestra "GNU/Linex, o Caso da Junta de Extremadura". Rúbio e Méndez explicaram como criaram a maior intranet do mundo em software livre, levando pontos de acesso a toda a rede pública de ensino de Extremadura e desenvolvendo uma distribuição própria, o Linex. A distribuição espanhola, que opera há um ano, se baseou no Debian e tem interface Gnome. Além de levar a inclusão digital às escolas públicas, o governo de Extremadura instalou 33 telecentros, com oito computadores em cada unidade, para uso de toda a população. Mais de 50 mil pessoas já foram beneficiadas pelos telecentros espanhóis.

A difusão do uso de software livre fez com que muitas empresas da região oeste da Espanha descobrissem o GNU/Linux e optassem por este sistema operacional. Hoje, em Extremadura, professores, alunos e profissionais de diferentes áreas estão capacitados a usar software livre e comunicar-se por essa grande rede de comunicação em Linux.

Filas e telecentros

A experiência do programa de inclusão digital da Prefeitura de São Paulo foi uma das grandes atrações do IV FISL. No espaço destinado ao Governo Eletrônico, foram instalados dez computadores em sistema thin client. Desde o início das atividades, no dia 5, o local recebeu a visita de cerca de duas mil pessoas. Técnicos da coordenadoria da Prefeitura disseram que a participação correspondeu todas as expectativas. "Muitos técnicos perguntaram sobre os custos e análise sobre os locais onde estão instaladas as unidades. O mais importante é que servimos de referência para diversos participantes do fórum, que demonstraram o interesse de instalarem telecentros", disse Marcos Taschelmayer, da área técnica de informática do Governo Eletrônico.

Além do público massivo que participa das palestras, outros lugares foram bastante disputados pelos participantes do IV FISL. Os estandes da PortoWeb, provedor de acesso à Internet da Prefeitura de Porto Alegre e do Governo Eletrônico, tiveram, em diversos momentos, filas para utilizar os computadores, que disponibilizavam acesso à Internet. Durante a maior parte do tempo, quase todos os 20 computadores da PortoWeb e os 10 da Prefeitura de São Paulo estavam ocupados. Gustavo Dimpério, responsável por monitorar as máquinas do provedor gaúcho, observou que o fluxo do público variava de acordo com a programação dos debates. "No intervalo entre as palestras tinha até fila", disse Dimpério.

"A Coisa"

A comunidade de software livre debateu, durante o I Encontro Nacional de Grupos de Usuários e ONGs de Software Livre, realizado em seis de junho, dificuldades e desafios. Também foi criada "a coisa". O evento reuniu participantes de todas as regiões brasileiras, que decidiram formular um manifesto a ser apresentado durante a solenidade de encerramento do IV Fórum Internacional de Software Livre, na noite de sete de junho.

O consenso entre tal comunidade, que inclui desenvolvedores e diversos grupos de usuários, é a necessidade de articular estratégias para defender o software livre no Brasil. "Também precisamos criar uma forma de organização que não sufoque os grupos já constituídos e onde qualquer pessoa que se interesse por software livre possa participar", ressaltou Djalma Valois, que integra o Comitê de Incentivo à Produção de Software GNU e Alternativo (CIPSGA).

De acordo com seus organizadores, é preciso ter influência sobre a formatação de políticas públicas, no momento em que diversas esferas de governo sinalizam com o interesse em investir nesse segmento de Ciência e Tecnologia, bem como incrementar a interlocução com a iniciativa privada. Sem perder o humor, os participantes entenderam ser necessária a criação de uma "coisa" para relacionar os objetivos comuns. Daí, surgiu o site www.acoisa.imprensalivre.org, que promete ser o espaço de integração dos diversos interessados. O endereço eletrônico é info@imprensalivre.org.

O engenheiro também disse que qualquer pessoa pode participar do Projeto Mozilla. Basta testar os produtos e informar problemas no site www.mozilla.org. "Seria recomendável que mais empresas e universidades utilizassem as ferramentas do programa para coordenar o desenvolvimento do software", concluiu.

Legislação

"O uso do software livre em administrações públicas é estratégico para a redução de custos e um estímulo ao desenvolvimento do mercado interno de programas de informática". A afirmação do professor da Universidade Federal de Minas Gerais, Renato Ferreira, foi reforçada pelo deputado federal Sérgio Miranda (PC do B-MG) e pelo assessor do Procurador Geral do Tribunal de Contas da União, Sérgio Fonseca, participantes de um dos principais debates do IV FISL.

Durante o debate, estabeleceu-se a questão: se é estratégico, porque o Brasil ainda não aprovou uma legislação sobre software livre? "Há desinformação, desconhecimento sobre o que vem a ser sistemas abertos", garantiu Miranda. "A maior barreira ainda é a resistência devido aos interesses econômicos envolvidos", disse.

O professor Renato Ferreira justificou a afirmação de Miranda ao apresentar dados a respeito dos gastos do Governo Federal com tecnologia da informação. Segundo ele, 60% do orçamento do setor são direcionados a compras de softwares e pagamento de licenças e apenas 35% à aquisição de hardware. "O país transfere, por ano, ao exterior mais de US$ 1 bilhão só com o pagamento de licenças de programas proprietários", revelou.

No Congresso Nacional tramitam, atualmente, quatro projetos de lei que tratam da aplicação de software livre na administração direta e indireta. Neste setor, o Rio Grande do Sul saiu na frente, pois foi o primeiro estado do país a aprovar, em 2002, uma lei que obriga os setores públicos a usar preferencialmente, em seus equipamentos, programas abertos, livres de restrição proprietária.

Porto Alegre também já aprovou lei específica e hoje é referência internacional na área. Há alguns anos, a Prefeitura começou a instalar software livre em seus equipamentos. A primeira resposta veio na forma de economia. Uma fatia do orçamento anual da Procempa, empresa de tecnologia do Município, de R$ 1,6 milhão, deixou de ser destinada a sistemas proprietários. Esse era o valor gasto com programas de segurança, equipamentos de rede e sistemas operacionais, que controlam as operações básicas de um computador.

Interlegis

O software livre como modelo e plataforma de desenvolvimento de soluções comuns no legislativo brasileiro foi tema da palestra feita pelo coordenador da área de desenvolvimento de tecnologia e produtos do Senado Federal, Paulo Fernandes de Souza Júnior no IV FISL.

Fernandes apresentou o Interlegis, que busca a inclusão do legislativo municipal, estadual e federal na sociedade em rede. O projeto foi iniciado em 1997, com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), e começou a entrar na fase de execução a partir de 2000.

Antes da implantação do Interlegis, menos de 5% das casas legislativas brasileiras tinham sistema de informática e todos eram fechados, desenvolvidos por terceiros. Atualmente, 2.200 casas aderiram ao projeto e o portal da comunidade está implantado, assim como uma rede de videoconferência, dados e voz.

O Interlegis já lançou o Sistema de Apoio ao Processo Legislativo (SAPL) que tem uso efetivo em 50 casas, possibilitando o acompanhamento da tramitação de proposições legislativas, além de oferecer um banco de dados de normas públicas. No fim do ano passado, foi lançado o Sistema de Apoio à Atividade Parlamentar (SAAP), que está começando a ser implantado em algumas casas. O SAAP permite aos vereadores, deputados e senadores o gerenciamento de documentos, mala direta, acompanhamento de solicitações, contatos e compromissos.

Fernandes apontou como benefícios do uso do software livre a diminuição de custos, a motivação do corpo técnico e o controle sobre a tecnologia e atualização dos sistemas. Afirma que a escolha do software livre não é apenas uma questão de custos ou de qualidade. "O que deve ser examinado é o modelo adequado à realidade brasileira. A liberdade de escolha também significa responsabilidade. Não é só baixar, instalar e usar, mas é preciso também o envolvimento com o resto da comunidade que participa do projeto", disse.

Ideologia

"A questão do software livre não é apenas técnica e econômica, mas envolve um componente ideológico". A afirmação, do diretor da Procempa, Cláudio Dutra, a empresa de tecnologia da Prefeitura de Porto Alegre, foi reforçada por outros nove representantes de governos públicos do Brasil e da Espanha.

Dutra explicou que a idéia de compartilhar o conhecimento é uma filosofia adotada pela Prefeitura de Porto Alegre e pelos moradores da cidade. "A população já está acostumada a democratizar as suas conquistas, pois experimenta, há 14 anos, os benefícios do Orçamento Participativo", disse. O software livre enquadra-se nessa ideologia, porque permite o acesso ao código-fonte dos programas, que podem ser modificados, adaptados às necessidades individuais, copiados e redistribuídos livremente.

Na Espanha, país referência na Europa em software livre, a opção pelos sistemas abertos também foi ideológica. É o que afirmou Jesús Rúbio, representante da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Educação da Junta de Extremadura, uma pequena região do país com cerca de um milhão de habitantes. "Somos mais livres quando o conhecimento é de todos e não de uma minoria", ressaltou, argumentando que o seu governo decidiu por não apenas consumir os sistemas, mas também dominar a tecnologia. "Somente desta forma é que podemos controlar o nosso futuro".

Para o governo brasileiro, o software livre é uma janela de oportunidades. "Não há como combater a pobreza do país sem adotar tecnologias baratas e eficientes", destacou Rogério Santanna, secretário de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento. De acordo com Santanna, os sistemas abertos representam uma economia necessária para um país que apresenta 16 milhões de habitantes analfabetos. Ele ainda defendeu ações integradas de políticas de inserção entre as três esferas de governo. "A união dos objetivos e o compartilhamento das informações podem resultar em menores custos para os municípios, estados e a União", disse.

Batalha jurídica

O coordenador de segurança do ITI, Evandro Oliveira, analisou a tentativa de algumas grandes empresas produtoras de software proprietários que oferecem aos governos acordos de acesso aos seus códigos fontes. Durante a apresentação, Oliveira mostrou que esses programas permitem acesso, mas não prevêem a possibilidade de redistribuição a outros órgãos nem o reuso, característica que permitiria transformar o código ao identificar problemas. Além disso, o acesso ao código geralmente é feito por tempo limitado. "Os grandes produtores de software proprietário permitem ao segmento governo acesso, no entanto qualquer mudança desejada não pode ser diretamente implementada, devendo ser submetida ao proprietário", observou Oliveira.

Entre as várias intervenções do público presente, destacou-se a do professor da Universidade de Brasília (UnB), Pedro Rezende. Ele ressaltou que a próxima etapa do processo de disputa entre a comunidade produtora de software livre e as empresas de software proprietário se dará no campo jurídico.

Soluções livres para web

O Comprasnet será o primeiro grande sistema do setor público a migrar para o software livre. O anúncio foi feito pelo Secretário de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Rogério Santanna, durante o IV FISL. O Serpro, empresa prestadora de serviços de TI ao Governo no Comprasnet, confirmou que está pronto para atender a essa e outras demandas do governo de implantação do software livre nos órgãos públicos.

De acordo com Santanna, o Comprasnet também já está passando por uma ampla reformulação para incluir maior quantidade de informações no cadastro eletrônico. O padrão escolhido para o cadastramento dos dados, o OCP, é largamente adotado internacionalmente. Cada item do cadastro de compras será aberto em seis subníveis, de forma a permitir a comparação dos contratos firmados pelos órgãos públicos com os diferentes prestadores de serviço.

A abertura dos dados começará por seis grupos de consumo intensivo: reprografia, vigilância e segurança, limpeza e conservação, transporte pessoal, viagens e passagens, licenças de software, selecionados para a primeira fase de implantação do novo sistema, a ser concluída em 30 dias.

"O Governo Eletrônico estabeleceu a diretriz de buscar a diminuição da dependência de um fornecedor ou de fornecedores oligopolistas. O software livre é uma alternativa na direção de reduzir custos e diminuir a dependência tecnológica do país", afirmou Santanna. "Existem grandes fornecedores que são poderosos, que praticam preços elevados, que têm soluções fechadas, que dificultam soluções integradoras. Mas não digo que a solução de software será a única e que nos próximos quatro anos irá substituir todos os sistemas de informação. Mesmo se tomássemos essa decisão ela seria inviável, custosa. Nós vamos trabalhar progressivamente em cima de normas e padrões abertos e internacionalmente aceitos", esclareceu.

Educação

O uso da informática no ensino pode ajudar a desenvolver indivíduos com senso crítico e responsabilidade. É o que garantiu a especialista em educação, Léa Fagundes. Conforme Léa, profissionais qualificados são formados em ambientes ricos, fartos em livros, revistas, estímulos. "A escola da pobreza é cinza", conta ela, argumentando que, na vida das crianças carentes, tudo é cinza, desde as madeiras das casas, os móveis, até as roupas. "É um ambiente pobre em novidades", disse.

A especialista acredita que a informática leva um mundo diferente para essas comunidades, promovendo o que chama ser um ambiente rico. "Com computadores que possibilitem aos alunos se expressarem e conexão para que eles explorem contatos humanos próximos e à distância, podemos produzir novas vidas e novos rumos", afirmou.

Segundo ela, o resultado obtido na formação dos indivíduos poderá ser ainda melhor se os computadores das escolas rodarem em software livre. "O sistema permite que os alunos escolham, analisem, reflitam, desenvolvam e tomem decisões, pois ele não é de propriedade de ninguém, mas de todos". Essa liberdade a que a especialista faz referência é possível, porque os sistemas abertos possibilitam o acesso ao código-fonte dos programas, que podem ser modificados, copiados e redistribuídos livremente. "Se os alunos aprenderem a buscar as soluções, forem livres para decidir e planejar e responsáveis pelas suas decisões, então estaremos formando pessoas melhores", disse.

Unesco

Na 32ª Conferência Geral da Unesco, marcada para setembro deste ano em Paris, serão votados o orçamento e os programas para 2004/2005, que incluem o projeto de adoção do software livre para educação e para processamento da informação. "Reforçar os telecentros na América Central e o uso da tecnologia de informação e comunicação para governança e participação democrática são outras propostas que devem ser votadas pela Unesco, braço cultural da ONU, em setembro" informa Cláudio Menezes, conselheiro regional do organismo.

Menezes foi palestrante no IV FISL e teve a oportunidade de apresentar as iniciativas desenvolvidas pela Unesco, nos últimos anos, em favor do software livre. O texto dos documentos é público e pode ser consultado no endereço www.unesco.org. A Unesco também participa este ano da Conferência Latino-americana e do Caribe sobre Desenvolvimento e Uso do Software Livre, que será realizada de 11 a 13 de agosto, em Cusco, no Peru.

Fome Zero

O Programa Fome Zero, do governo Lula, está também orientado por uma política de inclusão digital. A afirmação foi feita pelo diretor do departamento de Planejamento e Estratégia, do Ministério de Segurança Alimentar e Combate à Fome (Mesa), Adroaldo Quintela Santos, durante debate no IV Fórum Internacional de Software Livre, com a participação de Mário Teza - um dos coordenadores do Projeto Software Livre RS (PSL-RS) e com a mediação do presidente da Procempa, Joel Raymundo.

Segundo Santos, o subaproveitamento das potencialidades do Brasil - que é o quarto país exportador de alimentos do mundo e que explora apenas um terço de sua fronteira agrícola - gera uma péssima distribuição de renda. "Temos uma realidade em que 46 milhões de pessoas passam fome e pretendemos chegar ao final dos quatro anos com pelo menos a metade deste povo atendida pelo programa", destaca. "A inclusão digital é uma das alternativas para suprir esta lacuna e para resgatar a cidadania", diz o diretor. Iniciativas de implantação de telecentros comunitários em diversas regiões do país, todos rodando em software livre, têm sido uma boa solução, informa. Segundo ele, dois projetos financiados pelo governo federal e Eletronorte colocarão em funcionamento telecentros comunitários em 760 municípios brasileiros. Somente em Minas Gerais serão 30, que atenderão a 187 cidades. Neste Estado, também foi firmado um convênio com as universidades estaduais para que oficinas de comunicação sejam feitas nesses locais, proporcionando às comunidades o conhecimento de difusão da informação.

O Programa de Cadastro Único da prefeitura municipal - apresentado por Joel Raymundo -, desenvolvido pela Procempa em parceria com a Fasc, Smed e Sms, lançado em julho de 2001 e aprimorado neste ano de 2003, despertou o interesse do diretor federal, para utilização em todo o país. "Este programa tem o objetivo de manter atualizado o cadastro das famílias carentes com renda inferior a meio salário mínimo", informou Raymundo. "Hoje temos cadastradas 20 mil famílias, mas a nossa meta é ampliar o número de cadastros e integrar os demais sistemas da área social". Raymundo saudou a iniciativa do governo federal na implantação dos telecentros, informando que a prefeitura de Porto Alegre já possui 14 telecentros e atende a mais de 10 mil pessoas por mês.

Pão e Liberdade

Pão e Liberdade foi um texto produzido por Mário Teza e apresentado no final de 2002, quando da mudança do governo estadual e federal. "Não sabíamos se o software livre teria continuidade no governo estadual e nem se ele seria aceito pelo governo federal", disse. Teza salienta que a maior empresa do mundo - a Microsoft - vive da venda de licenças e não da produção de algum produto.

"O Brasil paga R$ 1 bilhão/ano em licenças a esta empresa e exporta apenas 100 milhões de dólares /ano de nossas riquezas. Raymundo salientou que "este evento tem um caráter muito importante pois reforça este movimento para mudança da lei número 8.666, que garante à Microsoft a venda de suas licenças sem licitação, diferente de qualquer outra empresa fornecedora do governo federal"

Mario Teza também lembrou do gasto de 12 milhões de reais por ano com software proprietário no governo do estado e que este recurso poderia pagar até três anos de merenda escolar a todas as crianças gaúchas. "Implantamos o SL no RS e economizamos R$ 30 milhões na instalação do correio eletrônico Direto para sete mil funcionários, R$ 40 milhões na Rede Escolar Livre RS, com a informatização das escolas, U$ 300 mil pela opção do software livre na UERGS e R$ 9,6 milhões no Banrisul, com a implantação do Linux nos caixas eletrônicos. Por tudo isso, podemos afirmar que a comunidade de software livre está à altura do desafio que o Programa Fome Zero propõe", concluiu.


Edição: Rodrigo Asturian (com assessorias)
asturian@RevistaDoLinux.com.br


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