Linux no Desktop
O pingüim já não é tão complicado, ainda mais com o aprimoramento das interfaces gráficas e a oferta maior de aplicativos
A aceitação do Linux e do software livre em geral como parte da infra-estrutura de informática das empresas é inquestionável. Basta ver o domínio do Apache, PHP, Bind e Sendmail, na Internet, ou o fato de que todos os grandes fornecedores de servidores de bancos de dados suportam o Linux como ~Stier-1~T (exceto um... tenho certeza de que vocês adivinham qual a exceção) ou ainda o crescimento acelerado do servidor de aplicações JBoss no mercado antes dominado por BEA e IBM. Não é mais novidade a previsão do IDC de que em 2004 o Linux se tornará o sistema mais utilizado em servidores.
No desktop, a situação não parece tão animadora. A maioria dos defensores do software livre ainda hesita em afirmar que o Linux atende plenamente a um ~Susuário comum~T. A todo momento, somos assombrados pelos mitos de dificuldade de instalação, incompatibilidade com hardware e falta de aplicativos gráficos e simples. Em suma, o Linux ainda é ~Smuito complicado~T para o usuário não técnico.
Não tenho a pretensão de lançar uma luz inteiramente nova sobre este assunto tão exaustivamente discutido. Mas pretendo mostrar aos leitores a situação real, sem mitos ou preconceitos, com base em minha própria experiência como consultor de TI e apresentando algumas referências a experiências de outras empresas. Espero que, ao final deste artigo, o leitor saia convencido de que o Linux no Desktop é viável e interessante hoje, e não apenas uma promessa para o futuro.
O Mito da Interface Amigável
Talvez o fator que mais atrasa a adoção do Linux no Desktop não seja as suas eventuais deficiências em compatibilidade ou facilidade de uso, mas, sim, uma percepção errada do quanto o ~Spadrão~T atual seja fácil ou compatível.
Traga o seu avô, ou outra pessoa não muito habituada a equipamentos eletrônicos em geral, para usar o Windows. Controlar o mouse é infinitamente complicado. Entender os conceitos de recortar e colar, arrastar, maximizar e etc. leva a uma grande curva de aprendizado da interface gráfica.
Contraste com os antigos sistemas em modo texto. Em uma grande rede de laboratórios médicos costumava-se treinar um novo funcionário na aplicação de atendimento escrita em Clipper em menos do que um dia de trabalho; o novo sistema Windows leva toda a semana até que o funcionário se sinta confortável. Note que estamos falando de um público com pouca oportunidade de aprender informática em vez do trabalhador de nível superior padrão.
O Windows já é considerado ~Sobrigatório~T há mais de 10 anos. Nós todos demoramos muito a nos habituar ao Windows e suas aplicações em colégio, faculdade, casa ou estágios e empregos. Hoje se assume que uma pessoa tenha conhecimentos de microinformática (leia-se MS Office e Windows) e se esquece o quanto esta pessoa penou para dominar estes softwares. Não foi nada ~Samigável~T passar por este aprendizado.
Por outro lado, tive a oportunidade de ensinar informática em colégios do segundo grau e observei que os alunos, muitos dos quais estavam tendo o seu primeiro contato com computadores, não pareciam ter mais dificuldades em editar textos, navegar na Internet e escrever programas no Linux. Este é o primeiro fato que devemos encarar: computadores são complexos. Aplicativos gráficos são muito complexos.
É justamente esta complexidade que cria resistência nas pessoas. O processo de aprendizado do Windows e suas aplicações foi traumático, e as pessoas têm medo de passar por tudo isso novamente com o Linux, sem se dar conta de que as semelhanças entre os aplicativos do Windows e do Linux são maiores do que as diferenças.
Existe o argumento de que o Windows fornece um ambiente ~Spadronizado~T, enquanto que o Linux, com suas várias distribuições, desktops e configurações diferentes dificulta o aprendizado. Mas até onde existe um padrão? Cada edição do Windows muda as posições dos ícones no Menu Iniciar e no Painel de Controle. O MS Office tem sido mais coerente do que o Windows neste aspecto, mas ainda há diferenças significativas entre as edições 97, 2000 e XP, ou entre o Word, Excel e PowerPoint, tanto que algumas empresas recusam candidatos a emprego que conheçam apenas versões que não a última dos aplicativos.
O Mito da Facilidade de Instalação e Configuração
Instalar o Windows em um computador parece mais fácil do que instalar o Linux. Instalar aplicativos no Windows, ou configurar um novo periférico também parece bem mais fácil. Pergunto: quando um ~Susuário comum~T (ou usuário final) faz a instalação do Windows, de aplicativos, ou a configuração de hardware?
Os leitores desta revista certamente estão acostumados a prestar socorro a parentes, amigos e colegas de trabalho com problemas diversos de instalação de software ou drivers. Quem compra um PC espera que ele venha com o Windows e vários aplicativos prontos para uso. Toda empresa possui um grupo crescente de profissionais cuja única função é suporte e help-desk - ou seja, instalar e configurar os micros para que os outros funcionários da empresa possam utilizá-los. Não importa se eles são funcionários ou se são terceirizados, o fato é que o ~Susuário comum~T não consegue instalar e configurar o seu Windows sem ajuda de especialistas.
O Linux então é apenas tão complicado quanto o Windows, o que é atestado pela oferta de micros com Linux pré-instalados em supermercados no Brasil, ou a possibilidade de comprar micros da IBM, Compaq e outros com Linux e contratar também serviços de suporte e help-desk destas e outras empresas. Mas o Linux tem o potencial de se tornar mais simples na vida real.
Voltando ao colégio de segundo grau, um único técnico de montagem de micros é o responsável por todo o suporte e help-desk para alunos e professores. Ele nunca havia visto Linux na vida; a primeira vez foi quando montamos um laboratório com Linux para os alunos. Eu fiz uma instalação ao lado dele e voltei no dia seguinte para a aula. Tudo estava pronto para uso, e depois da aula o técnico afirmou que ~Sesse Linux é bem mais fácil de instalar do que o Windows~T.
O fato é que uma distribuição do Linux já fornece uma grande quantidade de aplicativos, que devem ser instalados separadamente no Windows. Além disso, qualquer distribuição do Linux fornece mecanismos simples de instalação via rede e de instalação automatizada, que não necessitam de servidores especializados como o SMS ou o Unicenter. Juntando-se a isto os gerenciadores de pacotes RPM ou DEB, a manutenção de um parque computacional baseado em Linux se torna bem mais simples, menos trabalhoso, do que manter o mesmo parque baseado no Windows.
A situação não é muito diferente em relação a hardware. Se há dificuldades de compatibilidade entre alguns dispositivos e o Linux, também há muitas em relação ao Windows 2000 e XP. No meu dia-a-dia, tenho encontrado nestes sistemas mais problemas do que no Linux.
Mas é fato que os fabricantes de hardware não têm condições de bancar o desenvolvimento de device drivers (drivers de dispositivos) para mais do que um sistema operacional, e este único sistema, em geral, é o Windows, qualquer que seja a versão corrente. O driver para o Linux deve sair da comunidade, mas hoje, felizmente, a grande maioria dos fabricantes colabora com a comunidade fornecendo acesso a informações sobre como programar seus dispositivos.
Portanto, você deve evitar versões recentes do Windows em hardware que não seja também muito recente, e deve evitar versões que não a última da sua distribuição do Linux em hardware recém-lançado. O ideal é garantir que o seu hardware foi lançado antes da sua versão do Linux. E lembre-se de que a própria Microsoft só recomenda o uso de hardware presente no HCI. Muitas empresas erram ao assumir a responsabilidade por configurar o Linux em seus PCs recém-adquiridos, quando delegam esta responsabilidade ao próprio fornecedor dos PCs, no caso do Windows.
Existem Aplicações?
Há dois ou três anos se poderia argumentar que faltavam ao Linux aplicações de qualidade para o usuário final, apesar da qualidade de suas aplicações para redes e desenvolvimento. Hoje, temos o Open Office, Mozilla, Evolution, Gimp, Mr. Project e Blender, para citar as mais populares. Estão plenamente atendidas as necessidades de edição de textos, planilhas, apresentações, gráficos, diagramas, Internet e mesmo de CAD.
Alguém poderá reclamar da falta de escolha, mas não é exatamente este o problema do Windows hoje? O mercado se reduziu a poucos aplicativos da Microsoft, Corel, Adobe e Macromedia. Se o usuário Windows podia optar pelo WordPerfect, Lotus 1-2-3 ou Freelancer, o usuário Linux pode optar pelo Koffice, Konqueror, Kmail, Galeon, Abiword, Gnumeric e outros.
O fato é que já temos aplicações ricas em recursos, visualmente atrativas e com interfaces gráficas ~Samigáveis~T com qualidade e quantidade suficientes para atender ao usuário comum, seja ele doméstico ou corporativo. Se você busca pequenos utilitários, vai encontrar centenas deles em sites populares e, outrora, somente Windows, como o Tucows. O Souceforge lista mais de 400.000 softwares livres, e a IBM afirma haverem mais de 2.800 aplicativos empresariais disponíveis.
O usuário doméstico poderá sentir a falta de jogos, embora títulos populares como o Quake recebam versões Linux pouco após o lançamento. Já o usuário corporativo poderá sentir falta de IDEs RAD, pois até o momento, temos apenas o Kylix no Linux.
O primeiro problema está sendo resolvido por softwares como o CrossOver, que, a um custo bem baixo, permite rodar aplicativos como plug-ins internet e jogos do Windows no Linux; o segundo está sendo resolvido naturalmente pela crescente adoção de aplicações Web em substituição às aplicações gráficas cliente/servidor tradicionais.
Há dois anos, o Linux tem sido minha plataforma de trabalho exclusiva para tudo: Internet, escrever artigos, aulas, palestras, o meu livro ~SJava em GNU/Linux~T, propostas comerciais e etc. Mesmo que eu não possa ser comparado a um usuário não-técnico, o fato é que eu realizo as mesmas atividades do dia-a-dia de um trabalhador de nível superior mediano, sem enfrentar qualquer dificuldade por utilizar Linux e software livre em vez do ~Spadrão de mercado~T Windows. E isto também não me impediu de conseguir programas fáceis para gravar CDs, ler fotos da minha câmera digital, sincronizar com meu Palm ou assistir a DVDs. Nestes dois anos, comprei notebooks, periféricos e eletrônicos sem me preocupar em verificar antes a compatibilidade com o Linux, e não tive problemas.
Talvez eu seja apenas sortudo ou, quem sabe, meu conhecimento técnico me forneça mais jogo de cintura para lidar com os problemas deste sistema operacional complexo. Mas minha experiência não é um caso isolado. Temos no Brasil os casos bem-sucedidos do Metrô de São Paulo, do Banco Banrisul ou da Varig, e inúmeros outros exemplos mundo afora.
Mudança de Cultura
Pelo que vimos acima, os empecilhos atuais para a adoção do Linux em larga escala nos desktops não são técnicos. O sistema já está tão fácil (ou até mais fácil) de instalar e configurar do que os concorrentes; temos aplicações em quantidade e qualidade para todos os tipos de usuários; existe bastante oferta de serviços de treinamento, suporte e help-desk de várias empresas novas ou tradicionais.
Financeiramente, não apareceu ainda nenhum estudo de TCO desfavorável ao Linux. Na verdade, vemos freqüentemente na mídia como a adoção do Linux trouxe ao mesmo tempo redução de custos e aumento de qualidade de serviço, tanto no servidor quanto no desktop. Não há porque não migrar.
Então, por que o mundo inteiro ainda não está rodando Linux? Porque o ser humano tem sempre medo do novo. Somos naturalmente resistentes a mudanças. Por mais que a mudança pareça vantajosa, tendemos a permanecer acomodados em nosso mundinho e a continuar convivendo com os mesmos problemas de sempre.
Portanto, se você está pensando em migrar para o Linux, pode migrar sem medo, mas faça-o consciente de que este não é um projeto de mudança tecnológica, mas um processo de mudança cultural.
Saiba mais:
Uma experiência de migração total para o Linux, baseada em oferecer o Linux apenas aos novos funcionários, sem mexer no ambiente dos funcionários antigos, até que eles peçam por isso: desktoplinux.com/articles/AT9664091996.html
Fabricante de guitarras e acessórios que migrou totalmente para softwares não-Microsoft depois do transtorno causado por uma denúncia (infundada) de pirataria: www.worldtrademag.com/CDA/ArticleInformation/coverstory/BNPCoverStoryItem/0,3481,76659,00.html
Vários argumentos e estatísticas, com referências, a favor do software livre: www.dwheeler.com/oss_fs_why.html
Fernando Lozano - fernando@lozano.eti.br