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Entrevista

Otimista por natureza

Cesar Brod é consultor de tecnologia e gerente de informática do Centro Universitário UNIVATES, em Lajeado (RS), e é um dos maiores apoiadores do movimento de software livre no Brasil. E foi meio por acaso que ele descobriu o SL. Em 1993, quando trabalhava na Tandem Computers, Brod instalou o GNU/Linux em seu laptop (os ~Santepassados~T dos notebooks). ~SDepois de pesquisar nos newsgroups, acabei acompanhando a famosa discussão entre o Andrew Tannenbaum (meu ídolo na época) e o Linus Torvalds. Havia disponível em um servidor ftp um tipo de imagem de fita (um tar) que se baixava com o Linux, uma série de ferramentas GNU e um conjunto de instruções~T, lembra. Ele já acreditava que o software não podia ser proprietário e passou a ficar mais atuante no movimento de SL a partir de agosto de 1999, quando assistiu a uma palestra de Richard Stallman, na LinuxWorld Expo, em San José. ~SO que ele disse colocou uma ordem e um sentido em muitas das coisas nas quais eu já acreditava~T, afirma. A partir daí, tudo o que Brod começou a produzir sozinho ou através do grupo com o qual trabalhava seria liberado sob a GPL.

Revista Do Linux - A Univates é um dos centros universitários que mais apóiam o movimento de Software Livre no país. Quais os projetos mais importantes em andamento?

Cesar Brod - São muitos! Todos eles podem ser acessados através de www.univates.br/softwarelivre. Mas eu diria que o mais importante, hoje, é o MIOLO, um framework para o desenvolvimento de aplicações complexas em software livre, que é a base do GNUTECA, do SAGU2, do FRED, e de tantos outros. O GNUTECA ganhou uma visibilidade muito grande, até mesmo internacional, pelo fato de ser completamente aderente a padrões que as bibliotecas já usam (ISIS, MARC21, etc), e o SAGU, por ser o mais antigo, ainda é talvez o nosso ~Sbest-seller~T.

RdL - Que parcerias a Univates tem em projetos envolvendo Software Livre?

CB - Temos parcerias formais com a UNICAMP, a UFRR e a UNEMAT. Com a UNICAMP temos o projeto CódigoLivre, que hoje é hospedado lá em Campinas, além de já há muito tempo usarmos softwares produzidos por eles e eles por nós - especialmente a equipe do professor Rubens Queiroz. Na UNIVATES usamos o TELEDUC desde o ano 2000, o RAU-TU desde 2001, e o Marcelo Malheiros - que trabalhou nos projetos RAU-TU e NOU-RAU junto à UNICAMP - hoje é docente da UNIVATES. Com a UFRR estamos construindo a nova versão do SAGU, muito mais modular, baseada no MIOLO, e cujos módulos do sistema acadêmico estarão disponíveis no início de 2003. A UNEMAT logo em seguida engajou-se no mesmo projeto. Mas temos parcerias informais com várias outras instituições e, neste aspecto é importante ressaltar o trabalho feito pelo pessoal da UFSCAR, que uniu um grupo de instituições de ensino superior para pensar em estratégias de adoção do software livre, e o projeto Tidia, da FAPESP, com quem estamos trabalhando para que um ambiente no estilo do CódigoLivre sirva não só para projetos de software, mas para qualquer tipo de informação livre. A UNIVATES é parceira e atua também na coordenação do Projeto Software Livre RS.

RdL - Como é sua pesquisa para o Ministério de Apoio ao Desenvolvimento da Finlândia?

CB - Eu e mais um grupo de pesquisadores coordenados pelo Niranjan Rajani estamos buscando levantar o impacto do uso do software livre em economias emergentes, propondo para o ministro ações que possam ser implementadas para o aumento positivo deste impacto. No grupo, estão o Nico Coetzee, da África do Sul, e o Frederick Noronha, da Índia, que já apareceu na RdL. É um trabalho com o qual estou aprendendo muita coisa, e com o qual temos que ser absolutamente neutros e criteriosos, uma vez que estamos influenciando a destinação de recursos para alguns projetos.

RdL - Sabemos que você esteve na Finlândia, trabalhando em seu projeto de pesquisa. Como você avalia a utilização de software livre nesse país?

CB - Eu, sinceramente, esperava encontrar muito mais instalações com Linux do que encontrei. A Finlândia é um país rico, então o custo não é um problema tão grande para eles. Mas eu imaginava que a discussão não com relação ao custo, mas com a liberdade de se ter acesso ao código-fonte, estaria mais adiantada. Agora mesmo estou na Swedish School of Economics and Businness Administration (apesar de Swedish, é em Helsinki), e o pessoal ainda fala em colocar laboratórios com dual-boot. Mesmo nos servidores, a presença do Linux é pequena.

RdL - De que maneira o Brasil pode ser beneficiado com o software livre, principalmente na área governamental?

CB - Uma das coisas que aponto no meu trabalho é a questão da transparência administrativa e uma posição soberana no uso das informações de um país. Enquanto não for possível aos cidadãos interessados auditar livremente o código-fonte de um programa como o usado nas eleições, por exemplo, não se pode dizer que existe transparência suficiente. Cheguei a sugerir que os países que possuem recursos invistam na criação de um software livre para e-Government, já devidamente preparado para a internacionalização e que permita a auditoria não só de seu código, mas de toda a informação à qual os cidadãos têm direito. No caso do Brasil, além da questão da transparência, estamos falando de economia para o país. O governo é um grande consumidor de software proprietário, que custa muito dinheiro. Não se muda, porém, uma infraestrutura de TI enorme como a do Brasil de uma hora para outra, mas também não tem que levar a vida inteira. O investimento em pessoas que produzam software livre para o governo movimenta um dinheiro que fica no país, ao contrário do que acontece hoje com os gastos com software proprietário. Já existem experiências locais que podem ser adotadas pelo governo federal. No encontro de São Carlos, uma das propostas foi a de que todo o software desenvolvido por Universidades Federais, ou com dinheiro público de uma forma geral, deva ser disponibilizado sob a GPL. Isto é fantástico! Sou um otimista, e gosto de trabalhar para que as coisas andem na direção que eu acredito ser a melhor.

RdL - Você concorda que a opção pelo Linux é mais política do que econômica e técnica, ou as três coisas?

CB - Acho que é uma combinação. A maioria das empresas começa a usar o software livre por uma questão econômica, para depois constatar a superioridade técnica. Politicamente (na esfera governamental), volta a questão da soberania. Nenhum governo deve ficar tranqüilo em ter um software proprietário tratando de questões ligadas, por exemplo, à segurança nacional. Agora, qualquer sistema que venha a ser implementado, independente da plataforma, tem que ter um plano, um projeto de implantação. Sem isto, tudo pode ir por água abaixo, e as pessoas podem pôr a culpa na causa errada. Vou citar mais uma vez o caso de sucesso da Rede Escolar Livre no Rio Grande do Sul. Por que o mesmo projeto não funcionou no México? Na minha opinião foi porque os ~Spatrocinadores~T do projeto olharam muito o lado da economia e esqueceram que pessoas precisavam ser treinadas e que uma boa estrutura de suporte precisava ser montada. A PROCERGS, quando montou o projeto da Rede Escolar, levou isto em conta.

RdL - Como você avalia a utilização do Linux na América Latina, comparando com os outros continentes do mundo?

CB - Existem muitos projetos interessantes na América Latina, e o que eu noto é que estamos começando agora a criar uma sinergia entre os vários grupos de desenvolvimento. Isto se deve em parte ao trabalho da UNESCO, no Uruguai, que vem tentando formar um consórcio de desenvolvedores, e a própria organização dos grupos de usuários, que estão buscando falar mais entre si. O pessoal do UYLUG, por exemplo, fez um trabalho extraordinário com suas Terceras Jornadas Regionales de Software Libre. O Brasil ainda lidera a produção de iniciativas em software livre, mas existem projetos muito interessantes como o UTUTO (www.ututo.org), o SAM, da Nicarágua, um país que tem um projeto de infraestrutura única em software livre para quatro universidades, a rede de informações sobre saúde, em Cuba (infomed), projetos de ERP, no Peru e na Colômbia. Na Índia, dado o alto grau de analfabetismo da população, existem projetos como o SIMPUTER, que visa a ter uma interface compreensível até por analfabetos, - achei isto espetacular! Mostra que a cultura pode mesmo prescindir de alfabetização. A Revista do Linux já cobriu as iniciativas da Índia em um outro número e talvez pudesse fazer o mesmo com a África... Na África existe um problema muito grande de infraestrutura. Levando-se em conta os problemas dos outros continentes, e não querendo minimizar os nossos (na América Latina 46% das pessoas vivem abaixo da linha de pobreza), nós temos um excelente número de projetos em software livre.

RdL - Você viaja freqüentemente pelo país em eventos sobre o Linux. Que comentários você ouve com maior freqüência da comunidade Open Source? O que está certo e o que está errado com o Linux?

CB - Ainda ouço que a nossa comunidade é uma que se ajuda muito, mas que assusta os de fora. Ainda existe, apesar de esforços notáveis da comunidade em popularizar o software livre com Install Fests, Linux Day, Semana do Pingüim e outros eventos, uma impressão de que o Linux é ~Spara quem entende~T. A resposta padrão que tenho quando pergunto a pessoas em aeroportos e hotéis, e que estão usando um computador, da razão pela qual não usam o GNU/Linux, não muda: é difícil, é incompatível com o que todo mundo usa, não tem suporte, etc. Isto acontece, claro, em grande parte graças ao marketing de empresas de software proprietário que vão propagando esta imagem. Acho que não há nada especialmente errado com o Linux, a comunidade ou o seu modelo de desenvolvimento. Pelo contrário. Talvez precisemos, assim como temos muitos desenvolvedores voluntários, de mais gente que faça uma espécie de ~Smarketing voluntário~T.

RdL - O Rio Grande do Sul terá uma mudança de governo neste ano. De que maneira isso pode afetar o movimento do SL no Estado?

CB - O governo Olívio Dutra (PT) deu um apoio institucional muito grande e importante ao software livre, e acho que um grande exemplo disto foram os três Fóruns Internacionais que pudemos realizar. A PROCERGS, por ser a empresa de TI do Estado, foi quem mais acabou destinando recursos para o software livre e para o projeto mais importante e bonito, na minha opinião, que é o Rede Escolar Livre. O interessante é que muitas vezes ouvi coisas do tipo: ~SA PROCERGS, que fala tanto do software livre, não o utiliza...~T. Ora, antes do governo atual, a PROCERGS era uma empresa quase que exclusivamente consumidora de software proprietário. Com o tempo que tinha, a PROCERGS atacou de maneira bastante profissional o que pôde, adotando o StarOffice e depois o OpenOffice, abrindo o caminho para a migração do desktop para o software livre, e como executora do Rede Escolar Livre. Na minha opinião, o único erro da PROCERGS foi ter mantido a plataforma Java, propriedade da Sun, como plataforma de desenvolvimento, engessando projetos como o Direto, por exemplo. A universidade estadual de nosso estado é outra grande usuária de software livre, e o nosso SAGU é o seu sistema administrativo e acadêmico. Agora, como eu disse, o maior apoio foi institucional. A UNIVATES, por exemplo, não recebeu nenhuma verba do governo para o seu desenvolvimento de software livre. Tenho que reconhecer, porém, que dentro da máquina do estado, a PROCERGS sempre nos apoiou e, mesmo seguindo rigidamente as normas de contratação, por várias vezes pôde contratar os serviços da UNIVATES para cursos, assim como a UERGS nos contrata para a customização e manutenção do SAGU. O que quero dizer aqui é que o apoio do governo é bom, mas não é ele quem vai determinar o sucesso do software livre. Eu acredito, porém, que o novo governo deve olhar com bons olhos o fato de que o software livre está dando ao Rio Grande do Sul uma independência nunca antes alcançada dos grandes fornecedores de software proprietário. A adoção do software livre pelo Estado do Rio Grande do Sul já constitui um amplo espectro de experiências concretas, práticas, das quais seria estupidez voltar atrás. E o povo é sábio e soberano. Se o povo elegeu o Germano Rigotto para governar nosso estado por quatro anos, ele sabia o que fazia, e tenho certeza de que o novo governador vai respeitar os votos que teve, e também aqueles que não teve, como o meu, e para os quais também deverá governar.

Olhos:
A maioria das empresas começa a usar Software Livre por uma questão econômica, para depois constatar a superioridade técnica

O Software Livre está dando ao Rio Grande do Sul uma independência dos grandes fornecedores de Software proprietário


Rodrigo Asturian - asturian@RevistaDoLinux.com.br


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