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Software Livre na Administração Pública

A adoção de soluções livres no segmento estatal é uma realidade no Brasil, analisada minuciosamente neste artigo

Nos últimos anos vem crescendo as propostas legislativas de priorizar o uso do software livre na Administração Pública, tanto no Brasil1 - no âmbito federal, estadual e municipal - como no exterior.

No âmbito legislativo federal, tramitam no Congresso Nacional projetos de lei dos deputados Walter Pinheiro2 , Luiz José Bittencourt3 e Werner Wanderer4 , todos objetivando dar preferência ao software livre na Administração Pública Federal5.

O enfoque principal apresentado nas justificativas e exposições de motivos das leis e projetos de lei no Brasil é o da minimização de gastos no setor público na aquisição, licenciamento e uso de programas de computador. No ano de 1999 a União gastou 125 milhões na aquisição de softwares6.

Inicialmente, mister se faz caracterizar o que seja software livre7 . Um exemplo do cotidiano dos usuários da Internet facilitará o entendimento do que venha a ser software livre. Quando o usuário deseja acessar este repositório universal de informações que é a Internet, ele geralmente utiliza um programa de computador (software) denominado genericamente de browser. Existem vários softwares nesta categoria, tais como: Microsoft Internet Explorer (Estados Unidos), Netscape Communicator 4 (Estados Unidos), Mozilla (Estados Unidos), iCab (Alemanha), Opera (Noruega) , Konqueror (França), dentre outros.

O Microsoft Internet Explorer é um software que está disponível gratuitamente na Internet, o que se denomina freeware. Contudo, não é permitida a distribuição de cópias deste produto e o código fonte8 não é disponibilizado, que são características de um software proprietário.

O Netscape Communicator 4 também é um freeware proprietário. Pode-se fazer um download9 gratuito mas o código fonte não está disponível.

Já o Mozilla disponibiliza gratuitamente o software executável, conjuntamente com os códigos fontes, que podem ser alterados e redistribuídos na Internet. É um software livre, também denominado open source ou free software.

No caso do iCab e do Opera, o download é gratuito, mas para obter uma licença de uso deve-se remunerar o autor. É o chamado shareware e também pertence à categoria dos softwares proprietários, visto que os fontes não são disponibilizados ao adquirente.

O Konqueror, muito utilizado pelos usuários Linux10 , também é um software livre ou software aberto, e o seu principal desenvolvedor, David Faure, é empregado da empresa francesa Mandrake11.

O freeware é todo software tutelado pela legislação autoral e que pode ser obtido e usado gratuitamente.

O shareware é todo software tutelado pela legislação autoral que pode ser obtido, geralmente na Internet, e, depois de um período de avaliação gratuito, o usuário deve pagar pela licença de uso.

O software livre também é tutelado pela legislação autoral, o seu código fonte está disponível e a licença permite o seu uso, adaptação e redistribuição pelos usuários.

O software proprietário é tutelado pela legislação autoral, e o código fonte não é fornecido ao usuário.

É importante ressaltar que não existe uma vinculação entre os termos comercial e proprietário. Alguns softwares proprietários não são comerciais (ex. slab, um software de áudio digital para Linux) e alguns freewares são comerciais (ex. Microsoft Internet Explorer). Uma confusão freqüente é vincular software livre a software gratuito. Nem todo software livre é de distribuição gratuita.

Segundo a Open Source Organization12 , não é somente o acesso ao código fonte que caracteriza um software como livre. Os termos de distribuição devem obedecer aos seguintes critérios:

  1. Redistribuição Livre
    A licença não deve restringir nenhuma parte de vender ou oferecer o software como um componente de uma distribuição de software agregado contendo programas de várias fontes diferentes. A licença não deve exigir um royalty ou outra taxa para tal venda.

  2. Código Fonte
    O programa deve incluir o código fonte, e deve permitir a distribuição tanto na forma de código fonte como na compilada. Quando alguma forma de um produto não é distribuída com o código fonte, deve existir um meio amplamente divulgado de obter o código fonte sem nada mais do que um custo de reprodução razoável, preferencialmente, baixando-o através da Internet, sem custo. O código fonte deve ser a forma preferencial com a qual um programador modificaria o programa. Código fonte deliberadamente ofuscado13 não é permitido. Formas intermediárias como a saída de um pré-processador ou tradutor14 não são permitidas.

  3. Trabalhos Derivados
    A licença deve permitir modificações e trabalhos derivados e sua distribuição sob os mesmos termos da licença do software original.

  4. Integridade do Código Fonte do Autor
    A licença pode restringir o código fonte de ser distribuído em forma modificada somente se a licença permitir a distribuição de arquivos de patch15 com o código fonte, com o propósito de modificar o programa em tempo de compilação. A licença deve explicitamente permitir a distribuição de software construído a partir do código fonte modificado. A licença pode exigir que trabalhos derivados tenham um nome ou versão diferentes dos do software original.

  5. Sem Discriminação Contra Pessoas ou Grupos
    A licença não deve discriminar nenhuma pessoa ou grupo de pessoas.

  6. Sem Discriminação Contra Campos de Trabalho
    A licença não deve restringir ninguém de fazer uso do programa em um campo específico de trabalho. Por exemplo, ela não pode restringir o programa de ser usado em uma empresa, ou de ser usado para pesquisa genética.

  7. Distribuição da Licença
    Os direitos atribuídos ao programa devem se aplicar a todos para quem o programa for redistribuído, sem a necessidade da execução de uma licença adicional por essas partes.

  8. A Licença Não Deve Ser Específica a um Produto
    Os direitos atribuídos ao programa não podem depender de o programa ser parte de uma distribuição de software em particular. Se o programa for extraído dessa distribuição e usado ou distribuído dentro dos termos da licença, todos a quem o programa for redistribuído devem ter os mesmos direitos dos da distribuição original.

  9. A Licença Não Deve Restringir Outro Software
    A licença não deve impor restrições em outro software que seja distribuído com o software licenciado. Por exemplo não deve impor que outros programas distribuídos no mesmo meio sejam todos softwares livres.

Interessante transcrever a exposição de motivos do projeto de lei 53/2000 apresentado à câmara municipal de Porto Alegre (RS):

~SAté há pouco tempo era impossível usar um computador moderno sem a instalação de um sistema operacional proprietário, fornecido mediante licenças restritivas de amplo espectro. Ninguém tinha permissão para compartilhar programas (software) livremente com outros usuários de computador, e dificilmente alguém poderia mudar os programas para satisfazer as suas necessidades operacionais específicas. O projeto GNU, da Free Software Foundation (Fundação para o Software Livre, criada por Richard Stallman), que data o início do Movimento do Software Livre, foi fundado para mudar isso. Seu primeiro objetivo foi desenvolver um sistema operacional portável compatível com o UNIX, que seria 100% livre para alteração e distribuição, permitindo aos seus usuários o desenvolvimento e alteração de qualquer parte de sua constituição original. Tecnicamente, o sistema desenvolvido pelo projeto GNU é semelhante ao UNIX, mas difere no que diz respeito à liberdade que proporciona a seus usuários. Para a confecção deste programa aberto, foram necessários muitos anos de trabalho, envolvendo centenas de programadores em diferentes partes do mundo. Em 1991, o último e mais importante componente deste sistema similar ao UNIX foi desenvolvido: o LINUX.

Hoje, este sistema operacional é usado por milhões de pessoas, de forma livre, no mundo inteiro. Mais do que isso, há um incontável número de empresas, entre elas as gigantes multinacionais Mercedes Benz, General Motors, Boeing Company, Sony Electronics Inc., Banco Nacional de Lavoro da Itália, Chrysler Automóveis, Science Applications International Corporation - indústria de armamentos e os órgãos públicos Agência Nacional de Armamentos dos EUA, Marinha Americana - USA Navy, United States Postal Services - Correios Americanos, NASA - Agência Espacial Americana, entre outras, que optaram pelo uso de softwares livres. São três os principais motivos que levaram tais empresas a essa opção:

  1. a liberdade para criar soluções próprias, que muitas vezes ficam comprometidas pela dependência e atrelamento a padrões fechados de softwares;

  2. a segurança de seus sistemas de informação na produção, organização, gerenciamento e distribuição de informações;

  3. 3) o mais importante motivo: a drástica redução de custos.

Com a adoção de softwares livres, essas empresas exoneram-se da obrigação de pagamento de licenças e ainda contam com a vantagem de ter parte desses programas abertos distribuídos gratuitamente. Mas não é só no setor privado que estes softwares livres têm revolucionado o mundo da informática. O parlamento francês estuda a possibilidade de aprovar uma resolução que determinará a adoção por parte dos serviços públicos de programas - incluindo sistemas operacionais - de código fonte aberto/livre. Em nota oficial, o governo segue o exemplo do setor privado, utilizando também o argumento da redução de custos. Um pacote da Microsoft sai em média por U$ 500,00 e não pode ser copiado, enquanto o pacote Linux StarOffice pode ser adquirido gratuitamente através da internet ou comprado a custos variáveis a partir de U$ 10,00. Além disso, a adoção de softwares abertos facilita o prolongamento da vida útil da base instalada de microcomputadores daquele país. É sempre bom lembrar que em média, a cada dois anos, as pessoas e organizações têm de trocar seus programas por versões mais atualizadas e suas máquinas por máquinas mais modernas e potentes para poderem utilizar as versões mais atualizadas destes programas. Essas versões novas de produtos antigos - chamadas upgrades - são responsáveis por parte significativa dos custos que uma empresa, pessoa física ou órgão público têm quando está informatizada e necessita acompanhar as inovações deste setor. Em 1999, a União gastou 125 milhões na aquisição de softwares.~T

Segundo o professor Prof. Pedro Antonio Dourado de Rezende, do Departamento de Ciência da Computação da Universidade de Brasília, ~SO movimento software livre não é um movimento anarquista anti-business, mas uma alternativa ao modelo de negócio para a indústria de software. Esta alternativa não gira em torno de regras econômicas ortodoxas, mas vai além e questiona princípios, inclusive dos modelos econômicos ortodoxos aplicados à esfera virtual. A questão em jogo, quando se contrapõem as opções, é sobre hierarquia de valores. Ou a liberdade do usuário e os ganhos indiretos, ou a avareza do investidor deve prevalecer. A GPL (General Public License), modelo de licença de uso de software livre surgido com o projeto GNU16 , visa a resguardar o direito do usuário a esta liberdade, em detrimento do direito a benefício econômico direto do autor ou de quem dele desejar se apossar. Onde o valor da liberdade é supremo, o benefício econômico pode ser amplificado pela cooperação e socialmente distribuído, estando a eficácia deste modelo na esfera virtual plena e fartamente comprovada pela história: o TCP/IP, o SMTP, o HTTP17 e outros protocolos são frutos de cooperação livre que produziu padrões abertos de factum, como também programas pioneiros que testaram, depuraram e validaram tais padrões.~T

Ainda segundo o emérito professor da UNB, ~Sa grande força do software livre está no potencial de cooperação para depuração coletiva, capaz de neutralizar pressões mercadológicas, marqueteiras e políticas e melhor dominar complexidades.~T

Notas de Rodapé

  1. Lei N° 11.113/2001 (Câmara Municipal de Campinas - SP)
    Projeto de Lei N° 57/2001 (Câmara Municipal de Amparo - SP)
    Projeto de Lei N° 53/2000 (Câmara Municipal de Porto Alegre - RS)
    Lei Nº 16.639 /2001 (Câmara Municipal de Recife - PE)
    Lei Nº 049 /2001 (Câmara Municipal de Viçosa - MG)
    Lei Nº 12.883/2001 (Câmara Municipal de São Carlos - SP)
    Proposition de loi numéro 495 (tendant à généraliser dans l'administration l'usage d'Internet et de logiciels libres) - França
    Bill 5613-D-00 (Marcelo Dragan) - Argentina
    Proposition d'ordonnance relative à l'utilisation de logiciels libres dans les administrations régionales de Bruxelles-Capitale - Bélgica
    Atto Senato | 1188 - Norme in materia di pluralismo informatico e sulla adozione e diffusione del software libero nella pubblica amministrazione - Itália
    152th Parliament Session (2.15.2001): Zehn-Punkte-Programm ~SInternet für alle~T zügig umsetzen - Alemanha
    PROPOSICIÓ DE LLEI DE PROGRAMARI LLIURE EN EL MARC DE L'ADMINISTRACIÓ PÚBLICA DE CATALUNYA - Espanha

  2. PL. 02269/1999

  3. PL. 04275/2001

  4. PL. 03051/2000

  5. Art. 1º do Projeto de Lei apresentado pelo deputado Luiz José Bittencourt: ~SEsta lei determina a preferência por sistemas e programas abertos na aquisição, licenciamento e uso de programas de computador, isolados ou integrados a outros bens e serviços de informática pelos órgãos e entidades da Administração Pública Federal direta e indireta e demais entidades sob o controle direto ou indireto da União~T

  6. Fonte: este dado é apresentado em quase todas as exposições de motivos das leis referenciadas neste artigo.

  7. Art. 3º do projeto de lei apresentado pelo deputado Luiz José Bittencourt: ~SConsidera-se sistema ou programa aberto aquele cuja licença de uso não restrinja sob nenhum aspecto a sua cessão, distribuição, utilização ou alteração, assegurando ao usuário o acesso irrestrito e sem custos adicionais ao seu código fonte e documentação associada, permitindo a sua modificação parcial ou total~T.

  8. O código fonte é a linguagem utilizada por um programador para implementar os algoritmos que compõem um produto de software. Este programa em determinada linguagem (Java, Cobol, Fortran, C, Pascal, etc) deverá ser traduzido para a linguagem de máquina de uma determinada arquitetura (Intel, Sparc, etc).

  9. Processo de copiar um documento de uma máquina remota para a sua máquina local via Internet.

  10. Software livre da categoria sistema operacional desenvolvido inicialmente pelo estudante finlandês Linus Torvalds com a contribuição da comunidade internacional.

  11. A Mandrake (www.mandrake.com), assim como a brasileira Conectiva (www.conectiva.com.br), é uma distribuidora do Linux.

  12. www.opensource.org

  13. Código fonte ofuscado é aquele de difícil inteligibilidade.

  14. Existem fases intermediárias no processo de tradução de um código fonte até gerar um código compilado ou executável. Uma dessas fases é o pré-processamento que ocorre em algumas linguagens de programação como a linguagem C.

  15. Arquivos de patch são aqueles que a partir de outro arquivo original e por meio de manipulação algorítmica se consegue chegar a um terceiro arquivo almejado.

  16. www.fsf.org

  17. TCP/IP, SMTP e HTTP são protocolos utilizados na infraestrutura da Internet.

    Nota da Redação

    Veja na próxima edição a continuação deste artigo, onde o autor abordará o caso de sucesso do uso do software livre na Administração Pública no Rio Grande do Sul, além dos estudos para a utilização do software livre na Europa, entre outros temas.


    Josafá Rodrigues Carvalho Silva - Mestre em Ciência da Computação pela UFMG e Acadêmico de Direito do Uniceub (DF)


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