Copiar é legal
Bom e barato ou mesmo de graça. Então, por que não experimentar?
Rosa Sposito
Esse raciocínio tem levado milhões de usuários, em todo o mundo, a aderir
ao conceito do free software que envolve a drástica redução do custo do programa e a liberação
de sua cópia, para instalação em todos os computadores de uma rede, por exemplo.
"O software mais usado é o que não é pago. Quando deixa de ser barato, ou
de graça, o usuário começa a procurar outras opções", afirma Sandro Nunes Henrique, diretor da
Conectiva S.A., empresa que lançou a primeira distribuidora do sistema operacional Linux fora
do eixo Estados Unidos-Europa e que é a única distribuição em toda a América Latina com versões
em português e em espanhol.
Segundo ele, o preço ainda é um fator fundamental (talvez o mais importante)
para o usuário brasileiro e de toda a América Latina na hora da escolha do programa. Do ponto
de vista técnico, também não há razão para não se adotar um software free como o Linux. "O sistema
já tem milhares de aplicativos", garante Henrique. "Além disso, tem conexão com máquinas Windows,
de modo que o usuário pode rodar aplicativos Windows, depositados no servidor Linux."
O desempenho, a confiabilidade e a segurança do sistema também são apontados
como fatores decisivos por vários usuários que decidiram migrar para o Linux (ver matéria na
pág. 37). Prova disso é a disseminação do seu uso entre os provedores de acesso à Internet:
54% no Brasil, de acordo com a Conectiva. "E isso inclui tanto grandes provedores, como o Zaz,
quanto os pequenos, que não têm dinheiro para comprar sistema operacional e ferramentas caras",
observa Henrique.
Pirataria
A soma desses fatores tem feito o mercado do Linux crescer em todo o mundo a
despeito da descrença e do preconceito que ainda cercam o conceito do free software. Dados do
IDC Research indicam que o sistema representa 13% do mercado mundial de computadores. Na América
Latina, a Conectiva calcula que existem 400 mil cópias instaladas do produto. Ainda segundo a
empresa, no Brasil, o Linux tem atualmente 3,5% a 4,5% do mercado e, até o fim do ano, deverá
chegar a 8% de participação.
A campanha contra a pirataria de programas de computador, realizada este ano
pela Abes - Associação Brasileira das Empresas de Software, acabou contribuindo para essa expansão
da base Linux no País. Afinal, regularizar a situação de uma rede com 100 ou 200 máquinas equipadas
com Windows e o pacote Microsoft Office, por exemplo, implica um investimento que pode quebrar uma
empresa principalmente se for pequena.
Henrique conta o caso de uma escola de informática, que estava prestes a fechar
porque não tinha recursos para legalizar as cópias piratas de Windows e MSOffice instaladas em
seus micros. Seu dono chegou a ligar para a Conectiva, agradecido, depois de ter encontrado a
alternativa Linux. "Como ele, muita gente está procurando opções que caibam no próprio bolso",
afirma.
Para a Abes, que estima que 61% dos programas de computador em operação no
País são piratas (a meta é reduzir esse índice para 58% até o fim do ano), a prática de se colocar
software free no mercado é natural e legal. "Se o autor abre mão dos seus direitos sobre o
programa, a Abes não tem nada contra", afirma Manoel Antonio dos Santos, diretor jurídico da
entidade. "O importante é que o usuário esteja na legalidade." Santos só faz um alerta em relação
ao free software: "Sempre existe a possibilidade de, de um momento para o outro, o autor do
programa passar a exigir o pagamento de seus direitos."
Essa, contudo, não é a tendência das empresas e desenvolvedores que adotaram o
conceito do software free. Ao reduzir drasticamente o custo dos programas e o investimento do
usuário na sua aquisição , a idéia é abrir caminho para a prestação de serviços de melhor
qualidade, com remuneração adequada dos profissionais envolvidos na instalação, suporte,
treinamento e desenvolvimento.
Portal de software
No cenário projetado pela norte-americana Sun Microsystems, por exemplo, o
software em particular, as ferramentas de produtividade deverá virar uma espécie de commodity,
disponível na Internet para ser baixado no momento em que o usuário precisar. Essa visão foi um
dos motivos que levou a empresa a anunciar, no fim de agosto, a compra da Star Division
Corporation, responsável pela criação e desenvolvimento da suíte de aplicativos de produtividade
StarOffice.
"A aquisição da Star está ligada à estratégia da Sun na área de Internet",
explica Luiz Fernando Maluf, diretor de Marketing da Sun do Brasil. No entender da empresa,
toda a arquitetura de computação hoje está migrando para a Web. "Em um futuro muito próximo,
os provedores de acesso vão se tornar software application service providers, isto é, provedores
de ferramentas como o StarOffice", acrescenta Maluf.
Segundo a Sun, os programas deverão ficar armazenados nos provedores de
Internet, disponíveis para download, inclusive a partir de equipamentos de baixo custo que,
nos Estados Unidos, já custam cerca de US$700. "O usuário não precisará armazenar o software
inteiro no seu micro", diz Maluf. "Bastará fazer o download na hora que precisar."
Para isso, a Sun pretende criar o Star Portal, que deverá facilitar o acesso
dos usuários a ferramentas de produtividade baseadas no StarOffice, a baixo custo. Com previsão
para entrar em operação no último trimestre do ano 2000, o portal será voltado principalmente
para empresas, que pagarão uma taxa mensal semelhante à assinatura de um provedor de Internet
para ter o direito de acesso e uso de programas como processador de textos, planilha e gerador
de apresentações.
Já o usuário doméstico continuará dispondo do StarOffice free inclusive com
download pela Internet para instalar em seu micro. "A Sun vai respeitar a força que o StarOffice
tem entre os usuários Linux e de free software em geral", garante Maluf.
De baixo para cima
Os usuários, por sinal, têm sido os grandes responsáveis pelo impulso do
mercado Linux, principalmente a partir do ano passado. Grandes empresas de informática, como
IBM e Oracle, admitem que começaram a desenvolver versões para Linux de suas ferramentas por
causa da demanda do próprio mercado. "Há um movimento muito grande em direção ao Linux, uma
legião de usuários que vem puxando as empresas de informática", observa João Pedro Perez, diretor
de Software da IBM Brasil. Em sua opinião, essa é a diferença básica entre o fenômeno Linux e
outros que já apareceram nesse mercado. "Desta vez, o movimento é de baixo para cima; o cliente
quer a opção Linux."
Baseada em informações do IDC - International Data Corporation, segundo as
quais o número de máquinas Linux instaladas como servidores atingiu cerca de 750 mil unidades
em 1998, com crescimento de 212% em relação a 97, e em uma pesquisa própria, a IBM decidiu apostar
nessa plataforma. Em março, a empresa aproveitou o LinuxWorld, realizado nos Estados Unidos, para
anunciar uma estratégia mundial de suporte aos usuários Linux da área corporativa que inclui o
esclarecimento de dúvidas e a solução de problemas operacionais.
Antes disso (em fevereiro), a IBM já havia começado a vender, no Brasil,
computadores da linha Netfinity equipados com soluções da Conectiva. Carlos Arouche, gerente
de Marketing Netfinity da IBM Brasil, conta que a parceria com a Conectiva, recentemente estendida
para toda a América Latina, teve início com a troca de produtos e de treinamento dos técnicos das
duas empresas.
"O principal motivo da aposta da IBM no free software está na possibilidade de
oferecer soluções completas a preço justo", justifica Arouche. Como exemplo, ele cita o Netfinity
3000, modelo low-end da linha (Pentium III/500 MHz), que custa R$5.800 na configuração com 64 Mb
de memória, disco Ultra Wide SCSI de 9,1 Gb e as ferramentas Web Server, Intranet Server, Mail
Server e File Print Server, todas sob Linux. Arouche lembra que existem no mercado soluções de
comércio eletrônico em que o valor do software ultrapassa o da máquina. "Às vezes, a empresa gasta
R$6 mil em hardware e mais R$12 mil só em software."
Graças ao custo acessível, a IBM Brasil tem conseguido colocar seus servidores
no mercado de pequenas empresas que podem, ainda, parcelar o pagamento por meio do sistema de
leasing. Segundo Arouche, a abertura desse novo segmento de mercado tem sido responsável pelo bom
desempenho das vendas do Netfinity no Brasil. "Enquanto as pesquisas indicam uma queda de 12% no
mercado de PCs no País, no primeiro trimestre deste ano em relação a igual período de 98, as
vendas do Netfinity aumentaram 75%, nesse mesmo período", compara.
Padronização
Na área de software, a situação não é muito diferente. João Pedro Perez lembra
que, desde o fim do ano passado, a IBM começou a ser fortemente requisitada pelas software-houses
de todo o mundo, no sentido de portar sua linha middleware de programas também para a plataforma
Linux. "O preço, nesse caso, é o fator menos importante", garante Perez.
Em sua opinião, a principal razão dessa demanda está na esperança de
padronização do mercado Unix em torno de um único kernel o do Linux. Afinal, existem atualmente
cerca de 70 diferentes versões de Unix, que tornam muito complicada a tarefa de adaptação dos
aplicativos de empresas e software-houses. "O Linux resgata a promessa do kernel único, lançada
em 1988 com o OSF1, que definiu um padrão mundial para o sistema Unix", recorda Perez.
Outra vantagem do Linux, segundo ele, é o kernel mais leve do que o de outros
sistemas operacionais para servidores. São 12 milhões de linhas de código, enquanto outras
versões do Unix têm 30 milhões e o Windows NT, 50 milhões. "Isso significa que o Linux é três
vezes mais rápido que outros Unix e até cinco vezes mais rápido que o NT", conclui.
Perez acredita que esses fatores, aliados à confiabilidade e à robustez do
sistema, têm motivado um número cada vez maior de usuários a adotar o Linux. E, para provar
sua teoria, menciona alguns números. De março a junho deste ano, a versão beta do banco de dados
DB2 para Linux teve 35 mil downloads pela Internet. Em julho, foram feitos mais 30 mil downloads
até o lançamento do produto, no dia 30.
Até o fim do ano, a IBM pretende ter versões para Linux de toda sua linha de
software middleware que inclui o WebSphere (para desenvolvimento, comunicação e integração de
aplicações via Web), o emulador comercial baseado em Java Host On-Demand e o Net Commerce,
ferramenta para comércio eletrônico. O Lotus Domino para Linux, que já tem um beta, também
deverá estar disponível no fim do ano.
A Oracle, outra grande empresa da área de software, vem trilhando caminho
semelhante. Em setembro de 1998, o banco de dados Oracle 8 teve sua primeira versão para Linux
lançada no Brasil. Depois, vieram as versões Linux do Oracle 8i, do Oracle Application Server
(para servidores Web) e do Oracle WebDB, ferramenta que permite ao usuário publicar dados na
Internet a partir do próprio browser. Para o primeiro trimestre de 2000, a empresa promete a
ferramenta de desenvolvimento Oracle Developer (cujo beta foi mostrado na Linux World, em agosto)
e o Oracle Applications R11, ambos também para Linux.
Segundo Cláudia Lima, gerente de Soluções de Tecnologia da Oracle Brasil,
entre junho e agosto, 50 mil desenvolvedores em todo o mundo fizeram download do banco de dados
Oracle para Linux. Além disso, 800 usuários corporativos 70 no Brasil compraram a versão Linux
do banco de dados Oracle.
Essa expansão do mercado fez a Oracle anunciar, na Linux World, a criação de
uma nova unidade de negócios voltada para o desenvolvimento, marketing e suporte de seus produtos
em plataforma Linux. Cláudia explica que poucas plataformas entre as 132 para as quais dá suporte
têm o privilégio de ter uma unidade específica dentro da empresa.
Para ela, o sucesso do Linux vem do fato de representar uma alternativa ao
NT em máquinas de arquitetura Intel. "O Linux traz as vantagens do Unix para plataformas Intel",
pondera Cláudia. "E o desenvolvedor, que é quem está provocando esse boom do mercado Linux, usa
máquinas Intel e não Risc", acrescenta.
São muitos os motivos que levam organizações e desenvolvedores a embarcar na
onda Linux. E, a julgar pelo movimento de adesões, a tendência é irreversível.
Tudo a ver com o Rio Grande do Sul
O free software poderá ser a base da política de governo na área de informática
do Estado do Rio Grande do Sul. Pelo menos é o que vem estudando um grupo de trabalho criado este
ano dentro da Procergs, empresa estadual de processamento de dados e que tem uma função estratégica
na política de informática do governo.
"O software livre tem tudo a ver com governo", pondera Ronaldo Cardozo Lages,
coordenador do grupo de trabalho. "É uma forma de aumentar a informatização do Estado e de
aproximá-lo do cidadão."
Lages conta que, como provedora de acesso à Internet, a Procergs já usa
software free o BSD em seus servidores, de arquitetura Intel. Em fevereiro, a empresa resolveu
criar um grupo para avaliar o Linux. Logo o tema foi ampliado para a questão do free software e
ganhou até uma lista de discussão na Internet, aberta a todos os interessados hoje são cerca de
180 participantes, de todo o Brasil.
No fim de julho, foi apresentado um esboço do projeto batizado de Software
Livre-RS, que tem quatro propostas básicas. A primeira prevê a definição, em conjunto com
universidades e a sociedade, de um currículo mínimo para a formação de pessoal de suporte na
área de free software Linux, bancos de dados, linguagens, etc. A idéia é oferecer esse programa
básico às universidades, que poderiam adotá-lo em cursos de extensão profissional.
Outra proposta envolve a criação de um conselho editorial visando à publicação,
a baixo custo, de material técnico (trabalhos, tradução de manuais, etc.) sobre softwares livres
em geral. A terceira iniciativa prevê a montagem de laboratórios coordenados, nas universidades
e empresas, com o objetivo de pesquisar o mercado de programas free, cadastrá-los e torná-los
disponíveis para os interessados. Ao mesmo tempo, o grupo da Procergs já começou a trabalhar na
quarta proposta do projeto: a organização de um grande evento sobre free software, de caráter
internacional, a ser realizado no Rio Grande do Sul, provavelmente no início de abril.
Lages adianta que um dos convidados internacionais do evento, com presença já
confirmada, é Richard Stallman, presidente da Free Software Foundation.
"O objetivo é promover o software livre, desmistificar preconceitos e
apresentar casos reais, principalmente de uso desses programas na área social e de governo",
acrescenta.
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