Revista Do Linux  
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Por que usar software livre?

O alto preço do software pode, em futuro próximo, marginalizar pessoas ou países

Rubens Queiroz de Almeida

Pela simples razão de que, nos dias de hoje, o computador representa um papel importante, equivalente ao que o lápis e o papel desempenhavam alguns anos atrás, para o exercício da maior parte das profissões.

A nossa sociedade é extremamente dependente de computadores para seu funcionamento. Se você ainda não acredita nisso, espere a virada do ano 2000. O mundo certamente não vai acabar, mas muito transtorno será causado por computadores que não tenham sido adequados a lidar com datas com quatro dígitos.

É inconcebível que, num mundo como esse, a maior parte dos programas que regem o seu funcionamento seja fornecida por um único fabricante e a preços cada vez maiores. Estima-se que mais de 90% dos computadores pessoais sejam baseados nos sistemas operacionais da Microsoft e em seus aplicativos de produtividade, como o Office. Alguns anos atrás, a IBM pagava US$9 por PC vendido com o sistema operacional Windows 3.1. Atualmente, esse preço situa-se por volta de US$60 por PC com Windows 9x instalado.(1)

Além do alto custo dos programas, muitos fabricantes de computadores temem retaliações, por parte da Microsoft, caso vendam seus PCs com outros sistemas operacionais pré- instalados. A Compaq, em audiência no processo movido pela Netscape contra a Microsoft alegando práticas monopolistas(2), revelou documentos internos, datados de 1993, nos quais admitia esses temores. Imagine os preços que teremos que pagar caso este monopólio se consolide a ponto de eliminar todas as alternativas hoje existentes?

Como se isto não bastasse, existem rumores de que os termos de licenciamento de produtos Microsoft vão mudar. Nas bases atuais, ao comprar seu computador o usuário adquire o direito de uso por tempo indeterminado. Na nova versão, o software não será mais adquirido, e, sim, licenciado em bases anuais, exigindo o pagamento de uma nova licença para uso continuado. Interessante, não?

Esta dominância quase que absoluta representa perigos reais. A impossibilidade do acesso a computadores pode significar, em futuro muito próximo, a marginalização das populações ou países que não tenham os recursos necessários para investimentos nesta área. Como cidadãos, precisamos garantir a qualquer preço o direito de acesso à computação e à informação, cada vez mais essenciais para nossas profissões e nossas vidas. Sem esta garantia, sem dúvida estaremos condenados à condição de cidadãos ou países de quinta categoria. Não é sem razão que diversos países, notadamente na Europa, têm apoiado incondicionalmente o movimento de uso de software livre. Estrategicamente não é recomendável que a situação atual de monopólio evolua para um mundo com ainda menos alternativas.

O governo brasileiro já compreendeu a importância da disseminação da cultura em informática para sua população. Infelizmente, o Proinfo(3) - Programa Nacional de Informatização de Escolas - é todo baseado em software proprietário, o que significa que o alto investimento necessário vai limitar o número de alunos contemplados pelo projeto. Mas existem iniciativas inovadoras. O governo gaúcho(4) está promovendo estudos para adoção em grande escala do Linux, tanto em nível administrativo quanto em suas escolas. Na esfera federal, o Serpro, já há algum tempo, vem conduzindo estudos sobre o Linux(5).

O governo mexicano(6) lançou um programa nacional de informatização de suas escolas baseado exclusivamente no Linux e em software livre. Este programa objetiva equipar entre 20 mil e 35 mil laboratórios anualmente durante os próximos cinco anos, e também fazer a transição de laboratórios já equipados com Windows, para Linux. O preço para suprir estes laboratórios com software Microsoft seria de US$124 milhões. Com Linux basta comprar um CD de distribuição, vendido por aproximadamente US$50. E mesmo este CD pode ser duplicado infinitamente sem quaisquer implicações legais, pois o software é totalmente livre.

Além desta iniciativa pioneira do governo mexicano, podem-se encontrar na Internet inúmeros relatos de iniciativas isoladas de educadores que conseguiram criar laboratórios de informática para seus alunos utilizando equipamentos obsoletos, descartados por empresas e pelas próprias escolas. Enquanto os ambientes proprietários requerem computadores cada vez mais poderosos, os softwares de código aberto funcionam de maneira bastante satisfatória em computadores com processador Intel 486 e até mesmo 386.

No Brasil, o setor educacional possui uma parcela administrada pela iniciativa privada e outra administrada pelo governo federal e Estados. As universidades e escolas públicas operam sem cobrar absolutamente nada de seus alunos.

Nos EUA, por intermédio de acordos celebrados com algumas universidades, o mesmo software é vendido por US$5, praticamente o custo de criação do CD. A Microsoft, porém, exige como contrapartida, em muitos casos, a exclusividade do uso de seus softwares, tanto na administração quanto na área acadêmica, o que pode ser desastroso a longo prazo(7).

Existem várias correntes que discutem como e se os computadores devem ser usados na educação. Não gostaria de me intrometer nesta questão polêmica. Julgo que o maior valor dos computadores na educação não resida em programas para editar textos, fazer figuras, brincar ou qualquer outra atividade do tipo. E, sim, na comunicação, no acesso à informação que os computadores propiciam. Ligado à Internet, o computador, qualquer que seja ele, se transforma numa ferramenta de grande poder, que nos permite entrar em contato com culturas diferentes, pessoas interessantes e virtualmente qualquer tipo de informação.

A maior parte de nós certamente já viveu a experiência massacrante de passar por uma escola com aulas desinteressantes, nas quais o mais importante é manter a disciplina. A nossa curiosidade natural é sistematicamente eliminada em defesa da abominável disciplina. Disciplina tão destoante das crianças brilhantes, inteligentes e interessadas em aprender que todos nós fomos um dia. Para crianças em idade escolar, o constante aprender é tão fundamental quanto respirar. Crianças aprendem o tempo inteiro, mesmo quando não estão na escola.

Na educação, o poder dos computadores conectados à Internet é justamente atuar como um portal através do qual a curiosidade e a ânsia de aprendizado manifestadas pelas crianças possam ser atendidas. Como conciliar estas necessidades, dentro dos padrões vigentes, com o alto custo de aquisição e configuração de um computador? Os softwares livres são uma alternativa extremamente viável. Para satisfazer essas necessidades, um obsoleto e talvez abandonado computador 386, com Linux, ferramentas de correio eletrônico e um browser Web simples, todos gratuitos, são mais do que suficientes.

Felizmente existe uma esperança. O movimento pelo software livre teve um impulso sem precedentes nos dois últimos anos. E o mundo assiste a uma batalha cada vez mais feroz entre dois campos. De um lado, empresas poderosas criando software proprietário e dispendioso e, de outro, um grupo enorme de programadores espalhados pelo mundo inteiro, dedicando-se a criar e a desenvolver software livre.

A ponta mais visível deste movimento singular é o sistema operacional Linux, que veio ao mundo pelas mãos de Linus Torvalds. Em 1991, Linus, então um estudante de ciência da computação na Finlândia, criou um clone do sistema Minix. O primeiro anúncio do Linux apareceu no fórum comp.os.minix, dedicado à discussão do sistema operacional Minix, também semelhante ao Unix, criado por Andrew Tannenbaun, um respeitável professor de ciência da computação.

Desde seu aparecimento, o uso do Linux não pára de crescer. Nos dois últimos anos, sua popularidade atingiu níveis nunca esperados. Estima-se que sua base de usuários se situe hoje em torno de 10 milhões. Diversas empresas respeitadas e famosas do mundo da computação, como IBM, Dell, Compaq, Oracle, já anunciaram seu suporte e respeito elogioso ao Linux.

O criador do movimento pelo software aberto e livre foi Richard Stallman. Em 1984, nos primeiros momentos da indústria de computadores, quando começaram a aparecer os softwares comerciais, Stallman era pesquisador no MIT Massachusetts Institute of Technology e trabalhava com inteligência artificial.

A tradição dos hackers de então era compartilhar seu conhecimento, num ambiente de intensa colaboração. Em determinada ocasião, ele precisou corrigir o driver de uma impressora que não estava funcionando. Solicitou então, ao fabricante do driver, o código fonte do programa para que pudesse realizar as correções necessárias. Para sua surpresa e indignação, o pedido foi negado. O fabricante alegava que o código fonte era segredo comercial e não podia ser cedido a terceiros. Stallman iniciou então um esforço gigantesco para conceber versões abertas para todas as categorias de software existentes, comercializadas sem acesso ao código fonte.

Desenvolveu um compilador C, um editor de textos extremamente poderoso e popular chamado emacs e fundou a FSF Free Software Foundation(8). Nos anos que se seguiram, a FSF criou os aplicativos utilizados por todos os sistemas semelhantes ao Unix, como Linux e FreeBSD, hoje tão populares.

A maior façanha de Stallman, no entanto, não foi a criação de vários programas poderosos e bem escritos. Escrever programas e disponibilizar o código fonte para quem quer que fosse poderia resultar justamente no contrário do que se pretendia, a liberdade no uso do software. Afinal de contas, se o código é aberto, o que impede que alguém utilize este mesmo código, faça algumas modificações, declare que o programa é proprietário e restrinja o acesso ao código modificado?

Para impedir que isso acontecesse, Stallman escreveu um documento que estabelece a forma sob a qual programas de código fonte aberto podem ser distribuídos. O documento especifica que o programa pode ser usado e modificado por quem quer que seja, desde que as modificações efetuadas sejam também disponibilizadas em código fonte. Ou seja, estes softwares têm um carácter viral, no sentido de que o acréscimo ou a modificação feitos também devem ser abertos e distribuídos livremente. Este documento chama-se "Gnu Public License" ou GPL(9).

O Linux somente possui toda essa força e penetração, atualmente, pelo enorme trabalho desenvolvido por Stallman e por centenas de outras pessoas que dedicaram muito de seu tempo criando programas. O kernel do Linux, associado a estes programas, tornou possível a milhões de pessoas, no mundo inteiro, o acesso a um excelente ambiente computacional de trabalho e que melhora a cada dia. O Linux, na pessoa de seu criador e coordenador, soube melhor aglutinar o imenso potencial de colaboração da Internet em torno de seu projeto. Contribuições são aceitas, testadas e incorporadas ao sistema operacional a uma velocidade nunca vista.

E é justamente este movimento, cada vez mais poderoso, que nos dá esperanças de tornar a computação disponível a um grande universo de pessoas, por inúmeras razões. De um lado, pela redução de custo do software e possibilidade de reutilizar computadores já fora de uso.

De outro lado, o caráter quase religioso dos adeptos do movimento de software livre garante um excelente suporte para quem precisa de ajuda. Existem espalhados por todo o mundo os chamados LUG, ou Linux User Groups. Em Phoenix, nos EUA, o grupo de usuários Linux promove reuniões mensais para ensinar os conceitos do sistema aos novos usuários. Nestas reuniões mensais os interessados em aprender mais sobre Linux podem trazer seus computadores para ser configurados gratuitamente(10). Onde já se viu?

E, se você chegou até aqui, possivelmente podemos contar com mais um adepto à propagação do uso de software livre. A pergunta agora é: "O que pode ser feito para fortalecer este movimento?". Várias coisas, dependendo da sua habilidade. Se você é um programador, em qualquer linguagem, por que não compartilhar aqueles pequenos ou grandes programas que escreveu? Se for compartilhado, quem sabe um dia você poderá alcançar a mesma notoriedade e projeção de Linus Torvalds? Nada é impossível.

Se você não sabe programar, não tem problema. Documente o que sabe. Todos os profissionais de informática sabem que uma boa documentação pode vir a ser até mais importante do que o programa em si.

Se você não tem tempo para escrever documentos, não faz mal. Escreva notas curtas ou dicas relatando o que aprendeu, aqueles truques que ajudam a resolver problemas. Participe de listas de discussão, ou crie a sua própria(11), compartilhando o que você sabe e aprendendo com os outros.

Se você não quer fazer nada disso, também não tem problema. Comece a usar software livre, qualquer que seja ele. O importante é compreender que a causa do software livre é válida e importante para o seu futuro e o do seu país. Não pense que seu esforço é insignificante. A Internet e a possibilidade de comunicação que nos oferece servem como um amplificador de nossas idéias e convicções como nunca existiu antes.

Não se esqueça de que o movimento em prol do software livre se reforça justamente por meio de pessoas que o usam e o julgam de boa qualidade. A maioria dos programadores não obtém ganhos financeiros. O que os gratifica e incentiva a produzir mais é justamente o reconhecimento de sua competência e de seu talento.

Mesmo com software livre, no entanto, é possível ganhar dinheiro. Mas este é um assunto para outro artigo.

(1) Making Money in the Next Free Economy
http://linuxworld.com/linuxworld/lw-1999-06/lw-06-penguin_2.html

(2) Compaq e o monopólio Microsoft
Even Compaq feared Microsoft
http://www.zdnet.com/zdnn/stories/news/0,4586,2212322,00.html
Compaq feared Microsoft
http://abcnews.go.com/sections/tech/DailyNews/msdoj_compaq990218.html
Compaq feared Microsoft retaliation
http://news.cnet.com/news/0-1003-200-338898.html

(3) Informatização das escolas brasileiras
http://www.proinfo.gov.br

(4) Linux no Rio Grande do Sul
Linux em Casa, na Escola e no Trabalho
http://www.revista.unicamp.br/revista/infotec/linux/linux4-1.html
http://www.dicas-l.unicamp.br/dicas-l/990803.html

(5) O Serpro e o Linux
http://www.dicas-l.unicamp.br/dicas-l/990825.html
http://www.dicas-l.unicamp.br/dicas-l/990826.html

(6) Governo mexicano adota Linux nas escolas
Mexican Schools Embrace Linux
http://www.wired.com/news/news/technology/story/16107.html
Mexican project plans to deploy 140,000 Linux labs in schools
http://linuxtoday.com/stories/462.html

(7) Universities and Linux
http://207.178.22.52/articles/currents/007.html

(8) Free Software Foundation
http://www.gnu.org

(9) Gnu Public License
http://www.gnu.org/copyleft/gpl.html

(10) Phoenix Linux User Group Let Us Plug You In
http://plug.phoenix.az.us/plug_form.html

(11) Criação gratuita de listas de discussão
eGroups: http://www.eGroups.com
ONEList: http://www.ONEList.com

 

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