Revista Do Linux  
EDIÇÃO DO MÊS
  Atualidades
  Beowulf
  CAPA
  Corporativo
  Divirta-se
  Entrevista
  Estudo de Caso
  Interfaces Gráficas
  Mercado
  Programação
  Segurança
  Servidores
  WEB

Alan Cox
O que diz o padrinho da criança

Alan Cox Alan Cox, um dos programadores mais ativos no desenvolvimento do kernel, concedeu esta entrevista para a Revista do Linux em novembro passado. Cox é o protótipo do hacker no sentido original da palavra, ou seja, uma pessoa que gosta de computadores e dedica sua vida a essas máquinas. Sua sala é abarrotada de micros e periféricos de todos os tipos, doados por fabricantes de hardware do mundo inteiro. Trabalha incansavelmente e a impressão que se tem é de que ele nunca dorme. Esta figura carimbada, em sua atribulada rotina, encontrou um tempo para falar-nos sobre o mercado de software, sobre o futuro do Linux e do código aberto e também sobre a postura de seus desenvolvedores.

Revista do Linux - Os programadores normalmente têm hábitos de trabalho estranhos. Qual é o seu ritmo de trabalho diário e como você consegue trabalhar em tantos projetos ao mesmo tempo?

Alan Cox - Eu geralmente trabalho do meio-dia até as 10 horas da noite. Normalmente este é o horário em que eu prefiro trabalhar. Com relação aos projetos, eu ajudo a coordenar diversas tarefas, mas a maior parte do trabalho é feita por outras pessoas. Eu normalmente acabo aparecendo mais que os outros, mas somente por esta razão.

RdL - Atualmente, qual é o foco de desenvolvimento do kernel do sistema?

Cox - O primeiro objetivo é organizar tudo de modo a se deixar o sistema estável (code freeze), retirando-se os bugs para a liberação da versão 2.4. A maior parte do trabalho é dedicada à escalabilidade, ou seja, suporte para 4Gb de memória e aumento de performance em computadores com 8 a 16 processadores. Tem ainda o suporte a USB e muitos drivers novos.

RdL - O que você considera mais interessante no que vem sendo feito no Linux? Ainda existe alguma coisa que o deixe surpreso no Linux?

Cox - A quantidade de lugares em que o Linux está sendo usado e a forma como as pessoas o estão utilizando nunca deixam de me surpreender.
A minha impressão é de que o Linux pode se tornar um competidor de peso no mercado de TV interativa. Isso era inconcebível há dois anos. Tem também o mercado de sistemas embutidos. O Linux já está aparecendo em sistemas experimentais de telefone/Internet bem como em centrais telefônicas. Paralelamente, no segmento de equipamentos de alto desempenho, os clusters Beowulf Linux começam a ganhar contratos multimilionários, e este é um campo em que a concorrência é sempre muito forte. E os projetos que eu acho mais divertidos são aqueles em que se está portando o Linux para equipamentos que nunca poderíamos imaginar rodando Linux, como o Psion5, algumas máquinas Windows CE e handhelds gráficos.

RdL - O que você sugere para um iniciante que está querendo aprender a usar o Linux? O que ver, o que estudar?

Cox - Esta é uma questão difícil de responder. O uso do Linux está cada vez mais fácil, embora eu ainda esteja querendo achar um bom livro do tipo Linux para Usuários Experientes do Windows. Na área de programação existem títulos muito bons, além da grande quantidade de códigos-fonte para aprender. Na minha opinião, o livro Beginning Linux Programming, da editora Wrox Press, é muito bom. (Ok, eu escrevi o prefácio da segunda edição, mas, antes que perguntem, eu não ganhei dinheiro algum com isso!) Você não precisa necessariamente adquirir conhecimento em livros. Existem inúmeros sites da Internet com ótima documentação para o Linux. O livro Linux Installation And Getting Started está um pouco desatualizado, mas mesmo assim ainda é uma boa introdução para o sistema. Existem muitas editoras discutindo sobre licenças que possibilitem a livre disponibilização de versões eletrônicas dos livros. Isto também vai ajudar a trazer muita documentação para os usuários. Provavelmente, a parte que as pessoas consideram mais obscura, cheia de mágica, é o kernel. E isto, na verdade, é uma ilusão. As pessoas acham que o kernel do sistema deve ser altamente complexo e mágico. Mas poucas partes do kernel são assim. Ele é mais como um grande programa DOS onde um erro fez a máquina parar. Não são necessários poderes especiais para fazer isso.

RdL - Nos anos 80, diversos jovens fundaram pequenas companhias que se tornaram grandes, lançaram suas ações na bolsa de valores e transformaram seus investidores em milionários. Hoje, vemos programadores colaborando com projetos de código aberto sem receber nenhum dinheiro por isso. Em contraposição ao enriquecimento daqueles, agora as pessoas falam em abrir os fontes dos programas para ajudar a comunidade. Na sua opinião, o que mudou e levou a este tipo de atitude?

Cox - Na verdade, muitas pessoas criaram companhias baseadas na Internet, trabalharam por muito tempo, viveram em casas horríveis e lugares extremamente caros como o Vale do Silício, Londres e Guildford. Alguns ficaram ricos, alguns conseguiram fazer um pé-de-meia. A maioria não conseguiu se estabelecer. Não tenho certeza do que mudou, mas muitas pessoas que conheço escolheram trabalhar longe de lugares como o Vale do Silício. Eles podem não se tornar milionários, mas podem pelo menos viver em lugares onde você não precisa ser um milionário para comprar uma casa. As pessoas parecem ter se lembrado de que a qualidade de vida vale mais que a conta no banco.

RdL - Você e muitos outros colaboradores do Linux poderiam ser donos de boas companhias com grande sucesso financeiro. Mas, ao entrar no movimento de programas de livre distribuição, vocês adotaram uma postura diferente. O que você pensa desta nova maneira de trabalhar?

Cox - Os programas de livre distribuição são parte do futuro da informática e, hoje em dia, trabalhando com programas de código aberto ganho mais dinheiro, mesmo contando o tempo em que não estou ganhando nada com o desenvolvimento que faço, do que se tivesse outros empregos. Como você pode ver, o lado financeiro não é tão simples assim. É bom lembrar que eu não comecei a trabalhar com o Linux com esta situação. O Linux é divertido, e o ato de compartilhar o código-fonte com as pessoas e poder melhorá-lo é maravilhoso do ponto de vista da criatividade. Eu quero ver as pessoas felizes e eu quero ver o potencial da Internet e da informática disponível para todas as pessoas, e não apenas para um pequeno grupo. Ser pago para poder atingir este objetivo é maravilhoso.

RdL - Quantas pessoas ajudam no desenvolvimento do kernel hoje em dia? Quem administra o que, qual é o meio de comunicação mais usado entre os desenvolvedores? Fale sobre a rotina deste grupo, sobre como você conheceu estas pessoas e como acabaram desenvolvendo um sistema tão complexo como o Linux.

Cox - Na verdade, não somos bons com números exatos. Devemos contar pessoas que enviam uma correção para o sistema e nunca mais aparecem? Este tipo de pessoa faz parte do projeto e a soma de pequenas contribuições é uma grande parte do todo. O melhor a que conseguimos chegar é através da teoria de que um programador produz 10 linhas de código documentado e testado por dia. Desta maneira podemos assumir que temos entre 100 e 150 programadores trabalhando em tempo integral no kernel. Pode-se ainda adicionar as contribuições para aplicações, bibliotecas e interfaces gráficas. Desta maneira podemos dizer que todo o projeto Linux cresce à velocidade de inúmeras linhas por segundo. A maioria dos patches (correções ao sistema) é enviada primeiramente para os mantenedores de áreas específicas do sistema. Depois de verificados e testados são enviados para o Linus. Eu estou me tornando um colaborador de patches em diversas áreas do sistema e os testo para o Linus, mas não temos nada formal neste sentido. Acabou acontecendo desta maneira. A comunicação acontece principalmente através da lista linux-kernel e através de e-mails específicos aos interessados.

RdL - O Linux está sendo usado em grandes servidores, Macs, PCs, pdas e videogames. Qual é o segredo para suportar um variedade tão grande de hardwares? E por que o Unix tradicional não conseguiu fazer isso?

Cox - As pessoas estão adaptando o Linux para suas necessidades específicas. Ele está sendo continuamente portado para novas arquiteturas e ambientes. Isto quer dizer que as pessoas estão cada vez mais dissecando o código do sistema e deixando-o mais adaptável, o que antes não era feito. Outro ponto é que as pessoas nunca tinham portado outro sistema operacional de forma tão abrangente quanto o Linux. Temos que levar em conta também o fato de que o Linux é um sistema de código aberto, pois antes as pessoas não podiam simplesmente dizer: ok, vou portar o Linux para funcionar com minha geladeira.

RdL - A mídia está falando sobre a epidemia do Linux, a qual poderá afetar diferentes tipos de monopólios comerciais existentes hoje em dia. O que estamos vendo é que grandes companhias estão adotando e ajudando no desenvolvimento de programas para Linux, chegando a um ponto que os interesses comerciais poderiam afetar o espírito dos programas de livre distribuição. Você acha que isso é perigoso? Como você vê o futuro dessas companhias?

Cox - O Linux é o começo do fim para muitos monopólios praticados na indústria da informática. O mercado de PCs e sua natureza de hardware aberto acabaram com o mercado de minicomputadores. O Linux e outros softwares livres certamente irão deixar uma marca profunda nos programas proprietários. É interessante que muitas das companhias que aprenderam isso, normalmente da maneira mais difícil, são aquelas que melhor entendem o mercado do Linux e também como operar em um mundo onde a renda com programas é baseada em serviços.

RdL - O preço atual dos programas comerciais é bem alto, mas o crescimento do Linux está obrigando a uma redução nos preços. Você acredita que o futuro será baseado em programas de livre distribuição ou que os tradicionais programas comerciais, com seus preços ajustados à nova realidade, manterão seus usuários atuais?

Cox - Se você comparar o preço do Windows NT e do Microsoft Office com o Linux e o StarOffice, mesmo incluindo suporte, fica óbvio para onde caminham os preços dos programas. Eu não acho que o preço do suporte irá mudar muito. Na verdade, pode até ser que seu preço suba, pois o custo do suporte não estará mais embutido no custo dos programas.

RdL - Como você vê o Linux daqui a dez anos?

Cox - Eu realmente não sei. Alguns anos atrás a frase Dominação Global era uma piada. Em dez anos provavelmente isso poderá se tornar realidade.

RdL - Alguns segmentos dizem que o PowerPC será a melhor plataforma para o Linux ao invés de PCs baseados em chips Intel. O que você acha disso? O que você pode nos falar sobre padrões de hardware, pnp, USB, etc.?

Cox - Não conheço muito sobre o PowerPC. Não me considero a pessoa adequada para falar sobre isso. O USB é potencialmente uma boa tecnologia para o Linux. Ele tem padrões abertos e foi bem desenvolvido. A documentação é horrível, mas as idéias por trás da documentação ruim são ótimas. Um problema é que muitas empresas que fabricam equipamentos USB não seguem os padrões e criam suas próprias interfaces. Espero que isso mude na medida em que o padrão se torne mais sólido e os fabricantes descubram que seguir um padrão aberto é melhor do que ficar escrevendo seus próprios drivers.

RdL - Por muito tempo, diversas pessoas disseram que a interface texto, usando linhas de comando obscuras, estava fadada ao esquecimento. E que a interface gráfica e intuitiva seria a solução definitiva. Como programador, o que você acha dessa questão?

Cox - Um ambiente gráfico é um bom ambiente para pessoas que não usam o computador com tanta freqüência. Ele o guia, mas limita o que você pode fazer. A interface texto é mais difícil de aprender, mas é muito mais poderosa e rápida no uso constante. O Linux suporta muito bem estes dois tipos de interface, deixando a opção para o usuário.

RdL - Uma das discussões envolvendo o Linux é que órgãos governamentais (defesa, etc.) devem adotar sistemas de código aberto e, assim, garantir total segurança para seus dados. Isso porque eles teriam certeza de que nenhum programa de código fechado estaria pesquisando suas bases de dados secretas. Você acha que eles estão certos adotando esta política?

Cox - Eu conheço diversos militares e pessoas ligadas ao governo que estão usando Linux. Ele é barato e pode ser auditado. Por razões similares, ele também é muito popular em muitos departamentos do governo que não existem oficialmente. Sistemas de código aberto são ótimos pois os códigos fonte de todos os programas estão disponíveis e podem ser verificados facilmente. Os governos têm históricos interessantes de implantação de aspectos duvidosos em programas exportados para outros países. A chave NSA no Windows é um exemplo clássico deste método. Ninguém pode ter certeza absoluta se a chave é um item inocente, como eles falam, ou se ela contém alguma coisa sinistra no seu interior. Como o Windows é um programa de código fechado, ninguém pode verificar seu conteúdo, nem se ele possui backdoors - mesmo implantados sem o consentimento da Microsoft.

RdL - A Internet está ajudando a acabar com padrões proprietários como arquivos, protocolos, etc. As pessoas estão aderindo a padrões abertos como o e-mail, intranets, chats, sites, html, ftp e também o Linux. Existem muitas companhias tentando associar sua imagem com a Internet. Por que o Linux é tão associado e se adapta tão bem à Internet?

Cox - O Linux é um produto da Internet. Ele não é o primeiro Unix free, mas, sem a Internet, outros projetos não conseguiram atingir uma quantidade de desenvolvedores suficiente para que evoluíssem. Com a Internet e computadores baratos, mas poderosos, formou-se a base necessária para fazer o Linux decolar. A Internet é o coração do desenvolvimento do Linux e isto ajudou a moldá-lo como parte integrante da Internet.

RdL - Por que, a cada dia, mais e mais pessoas querem usar o Linux? Estamos passando por uma revolução?

Cox - Sim, há uma revolução ocorrendo. Todos estão tendo oportunidade de brincar com o programa, para compartilhar idéias e também para receber dinheiro através de serviços baseados em sistemas de código aberto. As empresas estão tendo a chance de escolher os programas que querem usar e também quem serão seus fornecedores. Isso inclui pequenas companhias que têm a mesma chance de prover suporte, modificar o código, arrumar bugs e adicionar características novas aos sistemas. Essa regra que outras indústrias possuem está finalmente sendo aplicada na indústria do software.

 

A Revista do Linux é editada pela Conectiva S/A
Todos os Direitos Reservados.

Política de Privacidade