Universidades
Já invadimos esta praia
Rosa Sposito
Velho conhecido do meio acadêmico, o Unix - e seus
compatíveis - vem sendo utilizado há anos nas universidades do mundo inteiro,
em grande variedade de aplicações e plataformas de hardware. Nada mais
natural, portanto, que, com o decorrer do tempo e a evolução da tecnologia,
essa familiaridade se estendesse a ambientes derivados desse sistema
operacional - especialmente o Linux.
A velocidade, robustez e confiabilidade do Linux logo
chamaram a atenção da comunidade acadêmica. O professor Jorge deLyra,
atual coordenador do grupo de usuários Linux da Universidade de São Paulo
(o LinUSP), lembra que o sistema apresentava várias melhorias na execução
de conceitos fundamentais do Unix - nos quais se baseia. "Tratava-se mais
de um herdeiro do Unix do que um simples clone", observa. Sempre carentes
de recursos, as universidades encontraram, ainda, outra vantagem importante
no Linux: o fato de ser gratuito e de rodar em máquinas de baixo custo,
como micros PC.
O Laboratório de Sistemas Integráveis (LSI) da Escola
Politécnica da USP, por exemplo, chegou a montar um supercomputador,
com várias máquinas de pequeno porte. Segundo o professor Marcelo Zuffo,
do LSI, o laboratório vem usando Linux desde 1992/93. A primeira versão
do supercomputador, desenvolvida em 1997, já era baseada nesse ambiente
operacional. Hoje, o equipamento, que recebeu o nome de Spade, tem mais
de 144 CPUs, com diferentes processadores - do Pentium III (dual) ao Alpha.
Todas rodam Linux e uma série de aplicações diferentes, como processamento
de ../imagens médicas, vídeo on-demand, instrumentação eletrônica e simulação
de física do estado sólido.
Uma das aplicações em desenvolvimento prevê a criação
de um ambiente colaborativo na área médica, via rede de computadores.
A idéia é permitir que médicos espalhados por lugares remotos possam
trocar informações e diagnósticos - principalmente, baseados em ../imagens
de tomografia computadorizada e ressonância magnética -, de modo a obter
outras opiniões sobre determinado caso. Para isso, está sendo desenvolvido,
em Linux, um servidor de CSCW (Computer Supported Cooperative Work), que
terá a responsabilidade de gerenciar os usuários e grupos de trabalho
cooperativo.
Uso didático
Na verdade, o Linux hoje está espalhado pela maioria
dos departamentos e unidades da USP - que tem até um projeto para a
popularização do sistema, dentro e fora da universidade, com direito a
site na Internet (www.linusp.usp.br). Segundo o professor Jorge deLyra,
é muito difícil avaliar o número atual de usuários Linux na USP, uma vez
que, além dos sistemas acadêmicos centralizados, existem muitos micros
desktop (utilizados como terminais) baseados nesse sistema. Ele garante,
contudo, que há várias aplicações importantes rodando em Linux,
principalmente no Instituto de Física - ao qual pertence - e no Instituto
de Matemática e Estatística (IME).
No Instituto de Física, o Linux apareceu entre 1994 e
95. Na época, deLyra coordenou a instalação de uma rede de micros PC
(mais de 12 máquinas 386 ligadas a um servidor 486) com Linux, voltada
para o Curso de Ciências Moleculares - que hoje faz parte do Programa
Pró-Aluno e envolve várias unidades da USP. "Foi uma das primeiras redes
de micros com Linux da universidade dedicada ao uso didático", afirma
deLyra.
Em 1997, sob seu comando, o Departamento de Física
Matemática adotou o Linux como sistema de uso geral - caminho hoje
seguido pelo Departamento de Física Nuclear. Além disso, passou a ser a
base do principal sistema de processamento numérico intensivo do
Departamento de Física Matemática - formado por um cluster de oito CPUs
Alpha de 500 MHz funcionando em paralelo.
No momento, deLyra coordena um grupo de pesquisa
responsável pelo desenvolvimento de uma rede de máquinas, organizadas
em um pequeno cluster dedicado, que deverá rodar aplicações de
videoconferência. A intenção é permitir que pesquisadores de instituições
distantes possam realizar trabalhos colaborativos - via micros ligados
em rede.
No Instituto de Matemática e Estatística, uma rede
Linux vem sendo usada pelos alunos de graduação, com fins didáticos.
O laboratório tem, atualmente, 18 micros Pentium ligados a servidores
Pentium II, AMD K6-II, Alpha e Sun SPARC. Além disso, os alunos do
IME criaram um grupo de usuários Linux (o GUL), com site próprio na
Internet (www.linux.ime.usp.br).
Processamento pesado
Muitas das aplicações em Linux desenvolvidas nas
universidades demandam processamento intensivo de dados, especialmente
numéricos. A Faculdade de Saúde Pública da USP, por exemplo, usa o sistema
desde 1996, no processamento de dados em programas de modelagem molecular
- que envolvem uma série de simulações, destinadas a permitir que os
pesquisadores entendam a conformação e o comportamento das moléculas em
determinados meios. "É uma quantidade de cálculos muito grande, por causa
do número de átomos de cada molécula", diz o professor José Alfredo
Gomes Arêas, do grupo de Modelagem Molecular da faculdade.
Ele conta que, antes, esse trabalho era executado na
máquina Cray do Laboratório Central de Computação Avançada da USP. Depois
que passou a ser feito nos três micros Pentium (o mais rápido de 400 MHz)
com Linux instalados no grupo de Modelagem Molecular, o processamento
ficou mais rápido do que no Cray. Arêas conta que uma simulação, que hoje
leva cerca de 12 horas para ser feita, demorava de três a cinco vezes
mais para ficar pronta no Cray.
Os departamentos de Física de várias universidades
também vêm utilizando o Linux em aplicações que envolvem processamento
pesado de dados. É o caso da Universidade Federal Fluminense, de Niterói,
cujo Instituto de Física migrou do DOS para Linux em 1995. "Nossas atividades
são, basicamente, de cálculo numérico intensivo", explica Thadeu Penna.
Ele conta que um dos principais motivos da migração foi a falta de um
compilador C "decente" para Windows. Além disso, velocidade, confiabilidade
e disponibilidade de aplicativos para a área científica foram determinantes.
Penna acrescenta que muitos físicos da UFF também estão
migrando para o Linux, nas máquinas de uso pessoal. "Mesmo quem usa o
computador para edição de textos prefere o LaTeX aos editores WYSIWYG",
afirma. O próximo passo, segundo ele, deverá ser o uso de clusters de
estações para simulações - uma tendência dos departamentos de Física.
Na Universidade Federal do Paraná, o Linux entrou no
Departamento de Física há cerca de três anos. Rogério Neves Batata
conta que as três máquinas Alpha e uma Pentium (multiprocessada) do
departamento, todas com Linux, são utilizadas em aplicações de simulação
numérica, por vários grupos de pesquisa.
Servidor de Web
A confiabilidade e robustez do Linux também tem feito
desse sistema o preferido para uso como servidor de e-mail, de Internet
e de redes em geral. Na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o
Centro de Computação mantém um servidor de transferência de arquivos
(ftp) anônimo com Linux, compartilhado pela comunidade universitária e
por outros usuários do backbone da Rede Nacional de Pesquisas (RNP).
Fernando Frota Machado de Morais, da gerência de rede
do Centro de Computação da UFMG, conta que máquinas Linux hoje executam
funções de destaque em praticamente todas as unidades acadêmicas,
inclusive no roteamento de sub-redes IP dentro de prédios. "A própria
página da universidade na Web hoje é servida por uma máquina Linux,
já que, no passado, soluções proprietárias não suportaram a carga de
acessos registrada durante a divulgação do resultado do vestibular",
acrescenta. "O Linux resolveu o problema porque possibilita a rápida
atualização do hardware, sem necessidade de reinstalação de software
ou obtenção de licenças."
Atualmente, um dos projetos em desenvolvimento no
Departamento de Ciência da Computação (DCC) da UFMG é o do protótipo
de um servidor de vídeo de alta resolução, com elevada largura de banda.
Para isso, estão sendo usados quatro micros Pentium Pro/200 MHz, com
128 Mb de memória (cada um) e sistema operacional Linux. "Estamos
montando uma rede ATM de alta velocidade, com enlace dentro da
universidade, na Telemar e que vai estar ligada à Internet 2", revela
Lamarque Vieira Souza, do DCC. "Escolhemos o Linux porque a idéia
é criar um servidor eficiente e de baixo custo, para a distribuição de
aplicações hipermídia", acrescenta.
Na Universidade Mackenzie, o Linux foi adotado como
base de todos os servidores de Internet da instituição - que tem provedor
de Web próprio, com um conjunto de máquinas multiprocessadas e discos
de alta capacidade. José Augusto Pereira Brito, especialista em Tecnologias
de Internet, afirma que essa infra-estrutura está disponível desde
janeiro de 1999, para mais de 30 mil alunos, professores e funcionários
do Mackenzie, em São Paulo, mas também de Tamboré e Brasília.
Por meio do provedor, estudantes e funcionários têm
acesso dedicado à Internet, tanto de dentro da universidade como de
suas casas. Além disso, podem obter, via Internet, uma série de informações
disponíveis nos terminais acadêmicos do Mackenzie. Brito acrescenta que
um dos servidores Linux é dedicado a um sistema de ensino a distância,
que vem sendo usado em um curso de pós-graduação em Teologia, que já está
na segunda turma e tem cerca de 70 alunos no Brasil.
Música
O uso do Linux nas universidades, contudo, não se limita
a aplicações convencionais. Na Universidade Federal da Bahia, uma dissertação
de mestrado sobre computer music vem sendo toda desenvolvida em Linux.
Pedro Kröger, autor do estudo, trabalha com vários programas para síntese
sonora (a partir de algoritmos), todos freeware, obtidos pela Internet.
Um deles é o CSound, que começou a ser desenvolvido no Massachusetts
Institute of Technology (MIT) e hoje tem o código fonte aberto, disponível
na Internet para que todos possam participar do seu desenvolvimento -
como o Linux. No laboratório da universidade, equipado com três micros
Pentium II de 375 MHz, Kröger também utiliza o Linux para a gravação de CDs.
Ele conta que, desde que passou a usar esse sistema, os problemas na
gravação acabaram. "Com o Windows, sempre tinha algum problema e cheguei
a perder várias mídias", lembra.
Já o Departamento de Música da Escola de Comunicações
e Artes (ECA) da USP escolheu o Linux para o servidor Web onde está sendo
montado um banco de dados de partituras, mantido pelo Laboratório de
Musicologia. O projeto começou no início de 1997, com a catalogação do
acervo de partituras do departamento, que vai do Barroco mineiro aos
compositores brasileiros do início do século. "Logo tivemos a idéia de
montar um catálogo na Internet, com um servidor na ECA para isso", explica
Thomas Hansen, pesquisador do Laboratório de Musicologia. "Usar o Windows
NT era inviável, porque era muito caro", acrescenta.
Foi quando Hansen sugeriu o uso do Linux. Hoje, o
sistema está instalado nos cinco micros que formam a rede do departamento
- um deles, um PC com chip AMD K6-II de 333 MHz, funciona como servidor.
A maioria das partituras do Departamento de Música
(só do período colonial brasileiro são cerca de 500) já foi catalogada e
colocada no MicroIsis, banco de dados para bibliotecas da Unesco - com
interface para Linux. As informações referentes ao Projeto Minas, por
exemplo, já estão disponíveis na Internet (www.cmu.eca.usp.br/lam/minas)
para todos os interessados. Na segunda parte do projeto da ECA, será montada
a base de dados, com informações musicológicas, descrição e trechos (../imagens)
das partituras, bem como a opção de ouvir os arquivos de música MIDI.
O Laboratório de Manufatura Integrada por Computador
da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), por
sua vez, vem utilizando o Linux para desenvolver aplicações na área de
automação e robótica. Segundo o professor-assistente André Luiz Tietbohl
Ramos, das 37 máquinas do laboratório seis são Linux (a rede tem também
Windows 95 e NT). As máquinas são, na maioria, micros Pentium - há até
486 - que funcionam como servidor de e-mail, de disco e servidor Web do
Departamento de Engenharia Mecânica e Mecatrônica da universidade.
Entre as aplicações em Linux na área de automação e robótica -
especificamente, de manufatura integrada por computador (CIM) -, Ramos cita
como exemplo o desenvolvimento de interfaces Web para sistemas flexíveis de
manufatura e a simulação de sistemas de manufatura. "Os alunos, muitos deles
bolsistas, participam dos projetos nessas linhas de pesquisa, junto aos
professores", explica. Para Ramos, o Linux é muito importante pois, "em
pesquisa, o acesso ao código fonte é fundamental". Ramos afirma, ainda, que
o uso do Linux vem crescendo bastante em outros departamentos da
universidade - como a Engenharia Elétrica e a Informática. Há até um grupo
de usuários Linux da PUC-RS, hoje com 50 a 60 inscritos.
Também para crianças
Quem pensa que Linux é coisa para adulto - de preferência,
com bom conhecimento de informática - está enganado. Pelo menos é o que vem
mostrando o Centro Universitário do Norte Paulista (Unorp), universidade
particular do interior de São Paulo que abriga uma unidade do Colégio
Positivo, com cerca de 500 crianças e jovens, da pré-escola ao 3º colegial.
Esses estudantes utilizam os laboratórios da universidade, hoje baseados em
Linux.
Gildecio E. Barboza, gerente operacional do provedor
Unorpnet (que pertence à universidade), conta que, apesar de ser particular,
a instituição de ensino decidiu investir no free software por causa da
necessidade de legalizar as licenças do Microsoft Windows - e do custo
que isso iria implicar. Além disso, com o Windows, eles teriam de resolver
o problema do bug do milênio - já resolvido no Linux.
Assim, em meados de 1999, a Unorp começou a migração de
sua rede Windows (NT, 95/98) para o Linux com ambiente gráfico KDE. O projeto
começou no curso de Engenharia da Computação e, até o início deste ano estará
implantado em toda a universidade, que tem três laboratórios - no total, são
cem máquinas Pentium II de 233 MHz, ligadas em rede. Esses micros servem os
27 cursos oferecidos na universidade.
Os alunos dos cursos de Engenharia da Computação e de
Ciência da Computação estão começando a desenvolver aplicativos em Linux -
a disciplina foi introduzida no currículo neste ano letivo. Para o ano 2000,
está previsto o início de um projeto de desenvolvimento de um kernel do
Linux, pelos alunos da Engenharia da Computação. O curso de Jornalismo,
por sua vez, deverá adotar uma das soluções gráficas disponíveis para Linux
(ainda a ser definida), com o objetivo de passar a desenvolver projetos
de publicações.
Os servidores do provedor Unorpnet (duas máquinas Alpha
multiprocessadas), antes baseados no Windows NT, também já migraram para o
Linux. Até a área administrativa da universidade está passando a usar esse
sistema - com aplicativos desenvolvidos pela própria equipe de Barboza.
Entusiasmado, ele conta que tem sido convidado a apresentar sua experiência
em faculdades interessadas em seguir o mesmo caminho - como a Nove de Julho,
de São Paulo, e a Fafica, de Jales.