Linux para Iniciantes
A diferença entre o GNU/Linux e os outros sistemas operacionais é a mesma que existe
entre a casa própria e o aluguel. Com o Linux você tem a certeza de investir em base
própria.
Franklin Carvalho
franklin@pimenta.com
Se alguém pedisse um mapa da mina, uma visão panorâmica do Linux,
certamente receberia uma redução tão exagerada de um sistema tão
complexo que muito se perderia. Mas para o iniciante em Linux que quer começar a usá-lo
sem se perder em toneladas de documentação, é exatamente isso que lhe vem à
mente. Por isso vamos tentar fazê-lo sentir-se em casa, pois todos nós já estivemos
um dia na mesma situação, à espera de alguém que nos desse as coordenadas
principais.
Perdoe-nos se houver uma simplificação exagerada, mas entenda que ela vai como resposta a
um sem-número de cartas de leitores que nos pedem um artigo para iniciantes. Apertem os cintos.
Pense primeiro nas ../imagens que lhe vem à mente quando ouve algo sobre a arquitetura cliente-servidor,
pois começando assim você poderá entender boa parte do funcionamento do Linux. Basicamente
você imagina uma máquina robusta como servidor de aplicações, arquivos e impressão,
para máquinas clientes. Todo cliente terá que se conectar ao servidor, identificando-se com um
nome de usuário e senha. A qualquer máquina onde houver um Linux instalado, após a
inicialização dos principais serviços, será solicitado um login e uma senha.
Existem dois tipos de usuários, o superusuário que chamamos de root e o usuário comum.
Ao superusuário tudo é permitido dentro de uma rede, já ao usuário comum podem
ser impostas várias camadas de restrição, como se ascendesse ao topo de uma pirâmide
de privilégios partindo da base, ou seja, o menor privilégio para qualquer usuário é
ser cadastrado no sistema. As duas restrições mais importantes e comuns são a
restrição a determinadas áreas do sistema e a restrição a alguns tipos de
operações básicas, como consulta, alteração, gravação de arquivos
e execução de programas. Ao falarmos em restrição a determinadas áreas teremos
que entender que existe uma política de segurança no uso, propósito e acesso por parte dos
usuários, ao sistema de arquivos.
Em termos práticos, ao iniciar a instalação do Linux, a primeira parada obrigatória
será o item particionamento, para definir como você dividirá o seu disco. No caso de querer
preservar outro sistema operacional já instalado, será necessário antes de mais nada fazer um
reordenamento dos blocos do disco para que estejam contíguos, e na área restante, totalmente limpa
de dados, instalar as partições para o Linux. No caso de você ter um Windows, ou um MacOS
instalado, será necessário primeiro desfragmentar o seu disco rígido, e no caso específico
do Windows, você terá para isso que usar o programa Defrag.
Não é uma boa prática dividir o seu sistema com dois sistemas diferentes, mas não
há problema algum para o Linux. O Windows já é muito instável, e em certas
condições, como na instalação de novos programas que exigem um reboot ou no caso de
atividade de programas antivírus, tentará repetidamente banir um boot de outro sistema que
não o dele próprio. Não é raro que o Windows cause um travamento no LILO (Linux
Loader) e com isso até o boot do Windows será impossível.
Mas se isso acontecer não significa que você perderá todos os dados do disco. Em
última hipótese, usando o utilitário fdisk do DOS e digitando no prompt o comando fdisk /mbr,
será removido o LILO e o boot pelo Windows será restabelecido sem perda de dados nem comprometimento
do sistema. Que fique claro que o Linux não causará dano algum ao sistema que você já
tenha instalado.
Simulando um exemplo prático podemos supor que você queira ocupar o disco apenas com Linux e
queira determinar as partições.
Nas mais recentes instalações de todas as grandes distribuições, tudo é
gráfico e simples, e você não fará nada no quesito particionamento. Tudo já
está automatizado, mas se você quiser alterar o proposto pelo programa instalador, sugerimos um
esquema como este:
Disco de 1, 2, 4, 6, 8 ou mais GB com três partições, sendo que a primeira
partição chamada de "/boot" (boot do sistema), deverá ocupar de 4 a 10 MB de
disco. Uma segunda, chamada de "swap" (área de troca), que deverá ter o dobro de sua
memória RAM e até um máximo de 128 MB. E uma terceira chamada de "/" ou
partição raiz, ocupando o restante do disco. No caso de se querer preservar outro sistema, este
terá que ser necessariamente a primeira partição e já aparecerá assim na
hora de se definirem as novas partições. As instalações mais recentes, preparadas
para as máquinas usadas atualmente, criam apenas duas partições: uma raiz ("/")
e outra de troca ("swap"), mas em máquinas mais antigas com determinadas BIOS isso poderá
ser um problema. Por isso sugerimos também uma partição "/boot".
Durante a instalação, haverá toda a detecção de hardware que é
bastante boa, mas que não faz milagres. As ferramentas de configuração do Linux, notadamente
as desenvolvidas pela RedHat e pelo XFree86, são excelentes, mas prepare-se para inúmeros testes
no caso de falsos modems (WinModem), placas gráficas com um chipset padrão mas que não seguem
as especificações do fabricante, falsas impressoras (Winprinter) e periféricos que têm
uma marca mas que são fabricados por terceiros. Teclados, mouse e monitores raramente apresentam problemas
de detecção e configuração. No caso de placas de vídeo que levam um chipset
genérico mas de fabricantes diversos, e que via de regra não seguem suas especificações,
você terá que fazer vários testes usando o programa Xconfigurator, testando diversas
resoluções e profundidade de cores para exibição em seu monitor.
Problemas de detecção de hardware não serão limitadores para concluir as
instalações, e após a instalação e inicialização da máquina,
e o seu login de usuário, você só precisa digitar na linha de comando setup, ou Xconfigurator,
xf86config, sndconfig, modemtool, linuxconf, control-panel e outras, para fazer todas as detecções,
testes e configurações necessárias. Uma boa fonte sobre o assunto é o artigo
"Periféricos complicados", de Ednilson Miura, publicado na edição 5 desta revista.
Você também pode consultar o site da linux.tucows.com e entrar na área de HOWTOs para encontrar
farta documentação tanto para hardware e software, quanto para configuração de
sistemas e resolução de problemas.
(Veja também o artigo "Configurando periféricos" desta edição.)
Se a sua distribuição não instalou alguma ferramenta ou determinado programa, lembre-se
que a instalação de novos pacotes é coisa muito simples e não haverá problemas
para fazê-la.
Toda a instalação normalmente é feita através de pacotes RPM, DEB,TGZ e outros
como os da Slackware. Todas são em linha de comando, mas existem diversos front-ends gráficos,
como o GnoRPM, o Kpackage e o Linuxconf, para gerência desses pacotes.
Para quem não está habituado com terminais e linhas de comando, será preciso explicar
porque nós usamos tanto os terminais, se temos interfaces gráficas e front-ends gráficos
para muitas das aplicações do modo texto. Também o que significa ter várias interfaces
gráficas ao invés de uma única. Em primeiro lugar, pense novamente na arquitetura cliente-servidor.
Pense em sua máquina como sendo um servidor e que ele poderá servir diversos terminais, mesmo que seja
em uma mesma máquina. Combinando as teclas Control + Alt e uma das teclas de função, que
vão de F1 a F12, você poderá dispor de seis terminais para a interface texto e mais outros seis
para a interface gráfica. É uma longa discussão esta de que a interface texto também
é gráfica, mas isso seria assunto para outro artigo.
O que se chama por Linux é apenas o kernel e não todo aquele pacote com aplicativos que você
instalou. Para interagir com o kernel, você precisará de uma interface, baseada em caracteres ou
gráfica. Ao iniciar o Linux você já entrará em uma sessão do bash (Bourne Again
Shell), que é a interface baseada em caracteres padrão, mas não é a única.
Se você digitar startx dará início ao servidor gráfico e poderá optar por um
entre vários "gerenciadores de janelas".
Numa primeira camada está o kernel, acima uma interface baseada em caracteres anima um servidor
gráfico, e mais acima um ou mais gerentes de janelas. Ao entrar no servidor gráfico, você
poderá escolher um determinado gerente de janelas. Existem muitos e os mais conhecidos são blackbox,
icewm, fvwm95, MWM, xFce, Enlightenment, Gnome, Afterstep, WindowMaker e KDE. Se dentro de um gerente de janelas
você teclar Control + Alt + Backspace, estará finalizando o servidor gráfico e retornando ao
bash. Se você teclar Control + Alt + Del, encerrará sua sessão Linux. É o mesmo que
escrever halt, ou reboot, ou ainda shutdown -h now.
Uma grande confusão para os iniciantes é entender a presença e o propósito de um
servidor gráfico e uma profusão de ambientes gráficos, pois para ele, com o histórico
de outras plataformas, os dois seriam a mesma coisa. Só que um serve o modo gráfico para todas as
estações de uma rede, enquanto os gerentes apenas controlam o layout das janelas e do desktop. Para
entender na prática, você pode digitar na linha de comando X (para invocar o servidor XFree), e
você entrará numa tela gráfica, só que sem nenhuma imagem, sem ícones, sem
desktop, nada. Apenas o modo gráfico e a cruz do mouse.
Dentro de uma interface gráfica como o KDE, você poderá abrir outra sessão ao
digitar Control + Alt + F2, e outra com Control + Alt + F3, e daí em diante. Ao iniciar uma nova sessão,
você sempre fornece seu login de identificação e senha. Com Control + Alt + F1... F6, você
acessará seis sessões em modo texto. Com Control + Alt + F7 ... F12, você poderá acessar
seis sessões em modo gráfico.
Experimente digitar Control + Alt + F2, e você abrirá um novo terminal texto, mais propriamente uma
nova sessão. Forneça login e senha, e então digite xinit -- :1 e para sua surpresa você
alternará para o modo gráfico em que aparecerá apenas um terminal.
Na linha de comando do terminal escreva por exemplo icewm, e então o gerente ice iniciará. Se
você teclar Control + Alt + F7 você retornará ao KDE, se teclar Control + Alt + F8 retornará
ao ice. Aqui você começa a sentir o poder dos terminais e a entender melhor o Linux.
Dentro de um Windows ou de um MacOS há apenas a possibilidade de um único gerente de janelas, e os
conceitos de servidor e gerentes parecem uma só coisa. Neles os terminais não têm o mínimo
sentido. E uma vez que seus usuários se acostumaram a isso, com tanta catequese sobre a supremacia dos
gráficos, eles tendem a encarar os terminais como uma coisa do passado, como se analisassem os costumes de um
bando decadente de motoqueiros de 90 anos. Mas trata-se de uma outra abordagem.
Sem os terminais, o Linux perderia 80% do seu poder, de sua arquitetura, e seria algo simples e banal como são
o Windows e o MacOS, sistemas notadamente para "dummies", com belos gráficos mas pobres e ineficientes
para usuários avançados, programadores e cientistas. A ênfase do Linux é no total controle
do sistema e não na maquiagem e sua interatividade com o usuário. Por isso se diz que ele é
excelente para controlar uma missão espacial, para redes gigantes, para gerenciar missões críticas,
mas muito árido para o usuário "comum". Projetos como o Gnome e o KDE se incumbiram de derrubar
essa barreira, dirigindo o Linux para um uso bem simplificado, intuitivo e dentro da interface gráfica apenas.
O Netscape é um browser que abriu seu código e imediatamente foi compilado para o Linux, no entanto,
o pacote tem muitas instabilidades, que estão sendo corrigidas para as próximas versões. Ao
usá-lo, pode ocorrer um travamento em um determinado momento. Reinicializar? Nunca.
Abominamos reinicializações. Para sanar o problema, abra um novo terminal. Depois digite no bash:
ps ax. Isso vai listar todos os processos.
Lá você verá que o Netscape é identificado como o processo 1462, por exemplo. Para matar o processo digite:
# kill -9 1462
E imediatamente o Netscape será encerrado. Nada pode comprometer todo o sistema.
O Linux persegue a meta da alta disponibilidade, ou seja, a máquina tem que estar ativa 24 horas por dia,
durante semanas, meses, anos. Em tarefas que chamamos de "missão crítica", é assim que
a máquina deve se comportar. É absurdo que um sistema que controla uma hidrelétrica, ou uma UTI,
subitamente trave e que nada possa ser feito.
Somos da Igreja da Free Software Foundation e Richard Stallman é o nosso Messias. Defendemos não o
Linux, mas o GNU/Linux. Queremos software e hardware livres. O Linux não é o bálsamo dos sistemas,
nem de longe é o mais perfeito, apenas não é tão ruim quanto a concorrência, e
aí está o verdadeiro fator de seu sucesso e crescimento. Também há a questão do
custo, que é realmente acessível a todos, sem aquelas extorsões praticadas nas outras
plataformas.
Dúvidas freqüentes por parte de novatos e curiosos referem-se principalmente ao uso do Linux,
documentação, leque de aplicativos disponíveis e drivers. Depois do Windows, o Linux é
o segundo sistema em número de drivers, superior portanto ao Unix e ao Mac. No dia-a-dia poucos são
os periféricos que poderemos encontrar que ainda não tenham drivers, e mesmo os que ainda não
possuem suporte já estão em desenvolvimento. Quanto ao uso do Linux, configuração de
hardware e periféricos, comandos essenciais, documentação e algumas dicas para interface
gráfica, leia os dois próximos artigos.