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Só toma guaraná
Alexandre Oliva é dessas pessoas que ri enquanto conversa. Mais notório que esse fato, porém, o que se destaca quando ele fala é a profusão de idéias que atropela seu discurso, originando várias visões de um mesmo assunto. Alexandre é um desses brasileiros que já conquistou grande destaque junto à comunidade. Mestre em Ciência da Computação pela Unicamp, especializado em reflexão computacional, ele criou uma variante do Java, o Guaraná, e trabalha para a Cygnus Solutions - empresa que se fundiu recentemente com a Red Hat, no desenvolvimento do GCC.

 

Revista Do Linux - Você trabalha em tantos projetos e a impressão que se tem é de que você está 24 horas no ar. Você não dorme?

Alexandre Oliva: - Nasci em 24 de julho e costumo dizer que sou 24/7, em total disponibilidade para o free software. Para mim o dia de 24 horas é insuficiente, assim, pratico a jornada de 48 horas, o que eu sei que parece meio estranho, mas é nela que eu consigo obter mais produtividade. Mesmo estando um "caco" depois de dois dias, avalio que rendo muito mais.

RdL - Em que projetos você está envolvido?

AO - Já faz um tempo que estou trabalhando com automake, autoconf, libtool, Kaffe, dei uns pitacos no Samba ajudando o pessoal na adoção do autoconf, e também trabalho para a Cygnus Solutions, que se fundiu recentemente com a Red Hat, e estou atualmente no time de desenvolvimento do gcc. Há um tempo sou um dos mantenedores do Amanda, um software de backup. Estou fazendo meu doutorado na Unicamp, e o tema é Reflexão Computacional, com ênfase em otimização de código para sistemas reflexivos, trabalhando em compiladores just-in-time (como Kaffe OpenVM) e/ou estáticos (como o GCC). Fora isso, estou noivo e esse é um projeto bem mais delicado e muito mais longo, além do que, conta apenas com dois desenvolvedores.

RdL - Mas o que é essa coisa esquisita: Reflexão Computacional?

AO - É uma "coisa" que vai mudar a sua, a nossa vida, uma autêntica revolução. Aqui na Unicamp trabalho no Guaraná, um ambiente Java que é um protocolo de metaobjetos que, simplificando bastante, seria uma biblioteca que permite ao programador desenvolver regras para interceptar interações com outros objetos, intervindo em suas lógicas, como se ele "pensasse". Isso será uma nova era para os desenvolvedores, com um espectro bastante ampliado de possibilidades. Para conhecer um pouco mais sobre o assunto recomendo a visita ao site www.ic.unicamp.br/~oliva/guarana.

RdL - E o Linux está conquistando a Unicamp?

AO - Há um claro favorecimento do Linux aqui, sendo que os professores não têm vergonha de esconder dos alunos a sua preferência. E a febre passou para diversos alunos, que aderiram de corpo e alma à causa do software livre. Não há como detê-lo, nem aqui, nem na China. Principalmente na China, um dos países que mais está se envolvendo com software livre. A Microsoft não é o demônio, pelo contrário, é a empresa mais bem sucedida da era do software proprietário, mas hoje quem norteia o desenvolvimento é o software livre, de código aberto e público. Sempre repito que não se trata de software gratuito, pois veja você, o Internet Explorer, o StarOffice e muitos outros são gratuitos, mas onde estão seus fontes? Cadê o direito de fazer e redistribuir alterações? Não se pode admitir a dependência que até mesmo os softwares gratuitos impõem aos usuários. Há uns anos, Stallman veio à Unicamp dar um curso que foi muito importante para mim. Na época, como a maioria dos meus colegas trabalhavam com MS-Windows, eu tinha dúvidas se o software livre, em particular o GNU/Linux, ia prevalecer. O contato com ele foi vital não só para revigorar minha crença: hoje trabalho com o gcc, em parte graças aos conhecimentos que adquiri no curso.

RdL - E o Stallman é de fato um grande programador?

AO - O homem é realmente bom, é da nata dos programadores, e tem lugar reservado na história como o homem que libertou o software, que devolveu a liberdade para os usuários. A sua obra é monumental, tanto em volume quanto em qualidade e importância histórica. Sem dúvida, ele poderia estar ocupando um posto de liderança em qualquer das grandes companhias de software, sendo regiamente pago, mas optou por carregar o piano e empreender a campanha para libertar o software. Para mim ele é um líder, uma figura de proporções bíblicas, um divisor de águas. Embora o desenvolvimento proprietário se dê sob uma fantástica organização, o modelo anárquico do open source gera um volume desproporcional de trabalho, muito maior e totalmente ético. Também a qualidade é assegurada, pois o "mundo" põe a boca no código, todos opinam e criticam, a todo momento correções são feitas e a depuração é levada ao extremo, gerando códigos enxutos e intensivamente testados. Um dia desses estava lendo um artigo interessante em emoglen.law.columbia.edu/ my_pubs/anarchism.html, de Eben Moglen, um advogado da FSF, que fazia uma brilhante comparação entre a propagação de ondas eletromagnéticas e a campanha do free software. Ele dizia que: "...assim como, ao girar um fio ao redor de um imã, uma corrente elétrica flui, quando você conecta pessoas no mundo todo através da Internet e o mundo gira, o software flui livremente." Não há como deter sua propagação pois ele deflagrou um movimento que se expande para todas as direções, crescendo a cada dia em progressão geométrica. Não restam dúvidas de que o GNU/Linux vai dominar o mundo.

RdL - Mas Stallman continuamente tem alertado a comunidade de que pesadas retaliações virão, como no caso UCITA, e outras investidas do tipo. Você não crê que elas possam abalar a estabilidade do movimento?

AO - Não vejo como, e no pior caso, as companhias que "empacotam" free software vão ter que se mudar, e os EUA vão ficar fora da nova economia global. Eventualmente perceberão a estupidez que estarão cometendo. Essas empresas têm uma sólida base, muito poder, muito dinheiro, são modernas e atentas para reagir a qualquer tipo de ataque. Fora isso, já se sabe nos bastidores que o mercado está definido. Já vivemos a experiência de um mercado com um domínio de 90% por parte de um sistema. Isso não é bom, mas, paradoxalmente, vejo em um futuro imediato o mesmo panorama para o GNU/Linux e me pergunto: Será que isso vai ser bom? A diversidade é uma garantia importante. Penso sempre na teoria darwinista de seleção natural para explicar que o free software se mostra muito mais forte do que o segmento do software proprietário, e tomará seu lugar, mas em contrapartida penso muito nessa situação de predomínio de determinada espécie e que pode afetar o equilíbrio do todo. Escrevi até um artigo sobre isso, que está em minha home page, em www.ic.unicamp.br/~oliva.

RdL - Muitos ainda dizem que é cedo para pensar o Linux como desktop de usuários comuns. O que você acha disso?

AO - Vejo que aqui na Unicamp os alunos vão ficando inevitavelmente frustrados com o Windows, com suas limitações sérias de qua lidade, acesso e preços, e isso cria uma demanda que é o combustível para o free software. É mais do que natural, ao enfrentar decepções com uma plataforma, que as pessoas queiram tentar outras opções. E a única opção, sem o constrangimento da pirataria e das soluções proprietárias, e que está mais ao alcance da mão, sempre é o GNU/Linux. Há outras excelentes opções como o FreeBSD, mas que é mais restrito. Creio que o primeiro pensamento do iniciante em GNU/Linux é de que, já que ele é baratíssimo, com centenas de softwares gratuitos e de código aberto, se for uma droga ele terá perdido muito pouco, e conclui que vale a pena testar. Mas, em geral, logo ele se depara com alguns softwares de igual ou maior qualidade do que a de outros caríssimos e famosos softwares, e resolve ir ficando. Quando ele já tiver passado a arrebentação, é tiro e queda. Ele já é um linuxer, não mais quererá voltar. Sei que eu não sou um usuário comum, uso poucos recursos da interface gráfica, desenvolvo coisas que um usuário comum acharia um porre, mas como profissional sei que código aberto em uma plataforma do dialeto Unix é a opção mais atraente. E muitos como eu pensam da mesma maneira e, como disse antes, isso cria uma demanda. Claro que nesse minuto nasceram mais não sei quantos projetos para aprimorar o desktop e que em pouco tempo essas questões terão perdido a relevância. Quem está mudando agora, muito dificilmente não disporá das ferramentas adequadas. Não custa tentar e aí está o segredo do seu sucesso.

RdL - Mas qual a sua opinião sobre as grandes empresas de software trabalhando em um mercado dominado pelo free software?

AO - Vivo me perguntando o que aconteceu com uma empresa como a Microsoft, que parece não se importar com seus usuários, praticando preços exorbitantes, empurrando atualizações, deixando erros crônicos de seus softwares se amontoarem. Ela conseguiu virar um império justamente por atender o desejo dos consumidores, mas terminou virando um gigante completamente distanciado dos mortais, e muito insensível. Não sei se uma empresa como essa consegue se adaptar a um novo conceito, tornando-se mais moderna, mais humana. É miopia não enxergar que hoje se pode faturar alto com a venda de serviços, ao invés de licenças de software, e aí o código livre tem uma vantagem imensa. Não creio que abrir o código do Windows ou do MS-Office fosse causar algum tipo de revolução nesses produtos. A Netscape tentou isso com seu navegador e não deu muito certo. É preciso mudar a mentalidade. Mas tentar convencê-la disso é dar murro em ponta de faca. Empresas como a Red Hat são grandes e poderosas, justamente porque assimilaram qual o apelo do mercado, quais seus conflitos, porque analisaram a preocupação das empresas com a dependência tecnológica.

RdL - Uma curiosidade: Emacs ou VI?

AO - Emacs, sempre.

 

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