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ENTREVISTA
Jon “Maddog” Hall,
presidente da Linux International, é uma das personalidades de maior
reconhecimento internacional no movimento Linux. De fala mansa, raciocínio
arguto, humor refinado, ele nos mostra que estamos diante de um diplomata
tarimbado, de um homem cuja marca é a distinção.
Seu trabalho é o de um
embaixador do Linux, que corre o mundo em reuniões com grandes corporações,
instituições e comitês, para consolidar padrões abertos para a indústria,
representando os interesses de grandes projetos dessa plataforma.
Durante a II Linux Expo
Brasil, ele foi a figura mais assediada para tirar fotos com os visitantes
e, sempre atencioso com todos, granjeava simpatias com seu porte
aristocrata e sua humildade ao falar. Antes de começar a entrevista,
perguntamos em “off” ao Maddog se era ver-dade que ele havia escrito em um
de seus livros que todos os usuários de Linux deveriam conhecer bem o
editor vi, pois poderiam um dia ter a infelicidade de usar uma máquina que
não tivesse o Emacs instalado. Mal a pergunta terminava ele já estava
fazendo o seguinte comentário: “Sim, é verdade. O Emacs é uma obra de
arte”. Maddog senta-se e sorri ao começar a conversa.
Jon “Maddog” Hall
contempla a bela paisagem da
Pedreira Paulo
Leminski, em Curitiba
O modelo
de software proprietário é nefasto porque aprisiona a produção científica e
é antieconômico, beneficiando apenas um pequeno grupo
Revista do
Linux - Você é visto
em todos os lugares em que o assunto é Linux. Como está o ritmo das
viagens? Como você avalia o progresso do Linux no cenário mundial?
Jon “Maddog”
Hall - Estou muito
cansado com tantas viagens, sempre fora de casa, cada hora num país
diferente, mas conhecer esses lugares, fazer novos amigos, rever os
antigos, acompanhar a evolução dos inúmeros projetos de código aberto e a
velocidade em que eles ocorrem, são uma recompensa à altura dessa maratona.
Depois da crise de Nasdaq, eu esperava um certo refluxo no movimento Linux.
Aceitava que isso iria abater o ânimo de algumas pessoas, mas o que vejo
aqui e em outras partes do mundo é a preocupação em sedimentar um modelo
comercial open source.
RdL - Da maneira que você descreve o
panorama estamos no meio de uma tempestade...
JMH - ...estamos no lugar em que
precisamos estar. Depois do boom das grandes distros no mercado, era
preciso avaliar melhor o modelo comercial porque ele trouxe novos aspectos
que não estavam presentes na fase anterior. Ao iniciar um projeto, basta a
determinação, mas quando ele toma corpo, envolve mais gente, quando esse
trabalho afeta outros grupos, o dinheiro não pode mais ser tratado como um
convidado eventual. No meu entender, não só a adesão da grande indústria é
fundamental nesse processo, mas sobretudo a presença do estado nessa
questão é obrigatória hoje. O código aberto tem um objetivo social muito bem
delineado e que supera o âmbito da indústria. O modelo do software
proprietário é nefasto porque aprisiona a produção científica e é
antieconômico, beneficiando apenas um pequeno grupo e não a economia global.
RdL - O que você acha dessas pessoas que
dizem que o Linux irá dominar uma boa parcela do desktop Windows, mesmo
tendo uma filosofia muito diferente?
JMH - Hummm. Eu prefiro pensar que o
Linux irá inaugurar uma nova era, a de embedded devices, pequenas máquinas
muito portáteis, com uma interface mais para MacOS do que para Windows. Os
atuais PCs de mesa e o desktop do Windows são uma plataforma ultrapassada.
Portabili-dade é a palavra chave hoje, deixe-me mostrar.
[Maddog
abre uma sacola e tira um handheld, duas placas de aproximadamente 8 x 8
cm, e uma plaquinha que parece um desses pentes de memória, que era, na
verdade, um micro, equivalente a um Pentium 75 com 32 Mb de RAM. O handheld
era um iPaq, da Compaq, com sistema Linux e X, 32 Mb de RAM, uma tela de
cristal líquido colorida de resolução média, e mais uma câmera de vídeo
embutida no topo da caixinha. As outras duas placas eram dois micros
poderosos. O maior era um equipamento completo com um hard-card de 1 Gb,
256 Mb de RAM, placa de vídeo de 8 Mb, modem de 28K, placa de som de 16
bits, uma saída paralela, outra serial e um conector para te-clado. A placa
menor era um equipamento básico, com menos periféricos. Maddog explicou que
todos aqueles hardwares já estavam nas linhas de produção de fábricas
asiáticas e que o computador embutido numa daquelas plaquinhas já estava
sendo vendido no mercado internacional por US$ 150.]
Esses são
os equipamentos que irão levar o Linux a dominar o mercado. Com celulares e
handhelds numa ponta, com mais recursos do que os que dispomos hoje, e
grandes servidores com muito poder de processamento na outra ponta, é que
nascerá uma plataforma hegemônica de Linux e que sucateará os atuais PCs
com Windows. Eles serão o fim dessa era, acredite. Hoje o Linux representa
apenas 2% do desktop, contra 6% do Mac e quase todo o restante para o
Windows. Mesmo que cresça mui-to e em pouco tempo, ele só será he-ge-mônico
com uma nova arquitetura.
RdL - Por acaso você está se referindo
nessas suas palavras a uma plataforma mais barata de equipamentos?
JMH - Eu sei qu no Brasil custo é um
grande problema, mas na Alemanha não. Lá eles têm dinheiro, cultura, pleno
acesso à tecnologia e, da mesma maneira que no Brasil, estão assumindo o
Linux como um novo padrão. Como você pode ver, o dinheiro pode ser
importante em um mercado e em outro não. A grande questão nessa mudança de
arquitetura é a portabilidade de equipamentos e aplicações. A economia é
apenas mais um ingrediente dessa fórmula “mágica”, e eu diria que a
Internet é um componente com um peso muito maior.
RdL - Linux Standard Base. Qual sua
importância para o futuro do Linux?
JMH - Sei que algumas distros não
apoiarão essa normatização porque entendem que isso mina sua delimitação
comercial de território, mas as que não aderirem não serão reconhecidas
como distribuições sérias. Essa é a inicativa que toda a indústria esperava
para uma adesão formal ao Linux e que o impulsionará para a grande escala.
Não seguí-la será um alinhamento com a ideologia Microsoft, aquela coisa de
ter o próprio Java, o próprio Browser, o próprio Office, a própria
Internet, o próprio C, o próprio protocolo de rede, o próprio HTML, etc.
Aquela história que todos sabem como termina. Prestem bastante atenção ao
comportamento dessas grandes distros nos próximos meses desse ano. Será
fácil prever quem vai morrer e quem continua.
RdL - As pessoas comentam que os personagens
da comunidade Linux parecem um grupo prestes a lançar uma moda nova
qualquer, ruidoso, com um visual desleixado, meio retrô, desses que usam
camisetas com frases emblemáticas. O que tem a falar sobre isso?
JMH - São figuras engraçadas, mas a
verdade é que eles não estão nem aí com o que o mundo acha deles. A atuação
deles pode ser sintetizada assim: mostre-me o código! Você me diz que o seu
é isso, que o meu é aquilo, que o seu é melhor, blá, blá, blá... Mostre-me
o código, só isso me importa. Eles não querem saber das preferências, dos
adjetivos, das empresas que sustentam o projeto. O negócio deles é código,
e nada mais.
RdL - Durante essa Linux Expo no Brasil, deu
para avaliar como anda o mercado brasileiro?
JMH - Estou bastante surpreso com o
número de especialistas e de projetos brasileiros. Sinceramente, uma
quantidade que eu não esperava encontrar, e vejo nisso um mercado bastante
promissor. O grande empecilho em qualquer mercado é a escassez de
mão-de-obra especializada, mas o que vejo aqui é um mercado tão promissor
quanto os Estados Unidos ou a Alemanha.
O Linux
irá inaugurar uma nova era, a de embedded devices, com uma interface mais
para MacOS do que para Windows
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