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especial
Com uma série de projetos de lei
engatilhados
para este ano, o Rio Grande do Sul se
confirma
como a Meca do software livre no país
Você já deve ter ouvido falar que
o namoro dos gaúchos com a filosofia do software livre segue firme há
al-gum tempo. Contudo, anote isso: uma série de projetos de lei - da
Assembléia Legislativa do Estado e de várias câmaras municipais - vai
transformar de vez essa relação em um sólido casamento. E todos os seus
autores apostam em aprovação ainda no segundo semestre deste ano.
Os textos desses projetos são
bastante parecidos. Convergem para a obrigatoriedade do governo (estadual
ou municipal) em adotar softwares de código-fonte aberto - ou seja, aqueles
que permitem ao usuário contribuir com seu desenvolvimento, adaptá-los às
suas necessidades e fazer quantas cópias quiser - e usar os softwares
proprietários somente quando não houver alternativa no mundo do open
source. “É chegado o tempo de perceber que há vida fora da Microsoft.
Vida mais barata, mais livre, mais criativa”, entende o deputado estadual
Elvino Bohn Gass (PT), autor do projeto de lei em discussão na Assembléia
Legislativa.
O texto de Bohn Gass, atualmente,
tramita na Comissão de Constituição e Justiça, o que significa que, depois
disso, estará pronto para ir a plenário. O deputado já tem engatilhado o
pedido de urgência para a votação. Ele também prepara um seminário sobre
software livre (com apoio da companhia de informática estadual, a Procergs)
para todo o Legislativo.
Segundo Fernando Pereira, chefe
do gabinete de Bohn Gass e responsável pela parte técnica do projeto, está
sendo estudada uma forma de flexibilizar a lei para facilitar sua
aprovação, mas sem deixar de garantir o uso de sistemas abertos como
prioridade. “Se estabelecermos somente que o software livre é preferencial,
aí todo o mundo vai apelar para o proprietário, porque é mais cômodo. É
preciso estipular a obrigatoriedade, mesmo”, diz Pereira.
Em Porto Alegre, dois projetos da
vereadora Helena Bonumá (PT), que tratam do emprego de programas livres na
esfera da administração municipal e dentro da própria Câmara de Vereadores,
também passam por adaptações, mas sem deixar de priorizar as alternativas
livres. Na capital gaúcha, o sistema operacional GNU/Linux já se encontra
presente na rede escolar e começa a ser empregado no geoprocessamento.
“Existe uma cul-tura muita arraigada de uso do soft-ware proprietário e as
pessoas têm dificuldades de pensar em outras soluções”, afirma Helena.
“Deve haver um respaldo legal para combater esse posiciona-mento”.
Para a vereadora, os benefícios
do software livre no poder público são inquestionáveis: custos de
implantação até 90% inferiores, liberdade de acesso ao conhecimento e
softwares mais adequados ao governo (já que podem ser modificados de acordo
com as necessidades específicas de Porto Alegre). Isso abre espaço para o
crescimento de empresas locais de desenvolvimento e suporte aos sistemas,
en-ga-jadas no “negócio livre”. “O modelo proprietário limita a liberdade
de acesso ao conhecimento, um prin-cípio muito claro em uma socie-da-de
democrática”, critica Helena.
Pelotas, Santa Maria e Caxias do
Sul seguem a mesma receita. O Legislativo caxiense deve aprovar em breve o
projeto de lei do vereador Al-fredo Tatto (PT). O município já adota
plataformas livres em toda a parte de Internet dos serviços da prefeitura.
O site de Caxias do Sul, a propósito, foi premiado com o Top Cadê, como o
melhor endereço da Web na categoria página governamental. Agora os planos
incluem o desenvolvimento da Central de Atendimento do Cidadão - uma
espécie de Sac - rodando totalmente em software livre e também a
implantação do Direto - programa aberto de agenda, catálogo e correio
eletrônico criado pela Procergs - em todos os órgãos e secretarias. “São
dois projetos de prioridade máxima e que devem estar concluídos ainda neste
ano”, garante o secretário da Administração de Caxias do Sul, Rudimar
Caberlon.
Consolidação
Os projetos de lei que tramitam
no Rio Grande do Sul vêm institu-ciona-lizar de vez a iniciativa do governo
do Estado - capitaneada pela Procergs - de formar a maior rede de
computadores do Sul do país baseada no sistema operacional GNU/Linux,
associado a outros aplicativos de livre distribuição. Um estudo do Gartner
Group intitulado “A transformação do governo eletrônico - Uma pesquisa
global” aponta que, pelo menos até 2005, pouco vai se ver do governo
eletrônico. Segundo o instituto, só a partir de 2020 é que alguns paí-ses
vão estar prestando serviços no mesmo padrão que os do setor privado. Mas
os gaúchos querem sair na frente.
É um processo que, nas palavras
do presidente da Procergs, Marcos Ma-zoni, não tem data para acabar. Mas,
ano a ano, vem avançando na subs-tituição dos programas proprietários por
abertos. Em 1999, o governo estadual gastou R$ 18 milhões em soft-wares que
exigem pagamento de licença. Isso para atualizar o parque herdado da
administração anterior. Em 2000, a verba caiu para R$ 3 milhões, pagos em
aplicativos de produtividade individual - tipo Office - e no sistema
operacional Windows NT. Para este ano, o montante não deve passar de R$ 150
mil. Ao mesmo tempo - desde 1999 - o parque de máquinas passou de 5 mil
para 15 mil e as redes locais aumentaram de 105 para 450.
Segundo Mazoni, hoje, secretarias
estaduais de menor porte, como a Procuradoria Geral do Estado e a
Secretaria do Interior (que atende prefeituras) estão chegando mais rápido
na utilização do Linux e do StarOffice. Nesses casos, esses softwares já
cobrem até 80% das redes. E o Direto, empregado em 100% da Procergs - e que
começa a ser utilizado pelas Forças Armadas - já marca presença nos demais
órgãos do governo gaúcho. Além disso, a companhia acaba de instalar o Linux
em seu mainframe, onde vai rodar associado a sistemas proprietários,
como bancos de dados da Oracle e da IBM. “Sempre teremos sistemas livres
convivendo com proprietários em certas funções específicas. A migração
total nunca vai acontecer”, explica Mazoni.
Mas é na pasta da Educação que o
processo está mais avançado. No final do primeiro semestre deste ano foi
lançado o projeto Rede Escolar Livre, que interliga 25 laboratórios
localizados em escolas públicas do Estado. Até julho de 2002, o projeto vai
colocar em rede 20 mil computadores em mais de dois mil estabelecimentos,
atingindo a quase totalidade dos alunos do ensino público estadual. A Rede
Escolar Livre tinha sido orçada em R$ 87 milhões com o emprego de software
proprietário. Com o uso do Li-nux, seu custo caiu para R$ 37 milhões. “Sem
uma plataforma livre, esse projeto seria inviável”, considera Ma-zoni.
Ação local
Além da Rede Escolar Livre, a
Pro-cergs coordena o Via Prefeitura - um projeto na Web que fornece o
bê-a-bá da informatização livre para administrações municipais - e também o
Via Empresa - um sistema que permite a companhias de qualquer porte adotar
uma solução de ERP (Enterprise Resource Planning) dentro do conceito de
plataforma aberta. As duas iniciativas já estão no ar.
O Via Empresa, a propósito, é
exemplo de como a filosofia do software livre vem estimulando o
desenvolvimento da inteligência local no Rio Grande do Sul. O projeto é uma
parceria com a Abyz Informáti-ca, de Novo Hamburgo (região metropolitana de
Porto Alegre). A companhia disponibiliza sua solução de ERP - o Cigam - via
ASP (Aplication Service Provider) - disponibilizado pela Procergs - em
ambiente Linux.
Enquanto uma solução proprietária
do gênero sai por R$ 80 mil a implantação, mais R$ 100 mil anuais a
manutenção, no Via Empresa, o cliente só paga R$ 700 mensais. Isso inclui
todo o custo de manter a base de dados, back up e avanço
tecnológi-co do ambiente (o que é feito também pela Procergs). “O custo
reduzi-do só foi possível graças ao emprego de software livre”, garante o
diretor comercial da Abyz, Robinson Oscar Klein. Além da empresa de Novo
Hamburgo, a Procergs já tem cadastrados mais de 150 desenvolvedores e
prestadores de serviços de todo o país, engajados na filosofia do software
livre. Um terço deles é do Rio Grande do Sul.
Muito do crescimento da
utilização dos programas abertos entre os gaúchos se deve ao Projeto
Software Livre RS, uma parceria do governo do Estado com instituições
públicas e privadas. Entre as iniciativas do projeto, estão as implantações
de uma rede de laboratórios para o estudo do GNU/Linux, as estru-turações
de um curso para formar profissionais especia-lizados na área, a criação de
um consórcio editorial e a realização de um evento anual - o Fórum
Internacional Software Livre, que teve sua segunda edição no primeiro
semestre de 2001.
Neste segundo semestre, a Pro-cergs
quer intensificar o relacionamento com universidades como a Federal do Rio
Grande do Sul, PUC, Univates e Feevale, que têm tido papel de destaque na
disseminação do modelo livre no território gaúcho. “O governo tem grande
‘culpa’ pela dimensão que o movimento do software aberto vem adquirindo no
Estado. Começou com a necessidade de economizar, mas acabou aglutinando as
iniciativas que já existiam para serem trabalhadas em conjunto”, avalia
César Brod, consultor de tecnologia da Univates.
A universidade vem trabalhando na
versão 2 de seu soft-ware livre, o Sagu, que ge--rencia todo o
relacionamento do aluno com a instituição e também em outros aplica-tivos
como o Gnuteca (um sistema de gestão de acervo de bibliotecas) e o Gnudata,
lançado no último Fórum Software Livre de Porto Alegre. Este é uma
estrutura para qualquer base de dados de onde se queira extrair informações
estatísticas. Já fazem parte do projeto 36 municípios da região de Lajeado,
que estão computando dados referentes à produção agrí-cola, saúde e
educação. Ou seja, é mais uma iniciativa que, como diz o go-vernador Olívio
Du-tra, colabora para “espraiar” o soft-ware livre pelo Estado e fazer do
Rio Grande do Sul a Meca dos progra-mas abertos, no país.
Em Porto
Alegre, o Linux já é usado na Rede Escolar Pública
Fórum do leitor
No fórum do site da Revista do Linux os
leitores podem opinar e discutir aspectos levantados nas principais
matérias e artigos da RdL. Esse serviço permite uma interatividade e
participação maior de toda a comunidade Open Source. A pergunta que fazemos
é: “Além de proporcionar mais economia para os cofres públicos, em que
outras situações o Linux pode beneficiar o Estado?”
www.RevistadoLinux.com.br/forum
Romeu de Bruns Neto
bruns@syg.com.br
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