Revista do Linux - Revista do Linux

Conhecido por sua facilidade em se adaptar às mais variadas plataformas e arquiteturas, o Li-nux já foi portado para vários modelos de computadores pessoais, servidores, dispositivos multi-mídia para uso doméstico, como os gravadores de vídeo digital TiVO, e até mesmo videogames. Por que não portá-lo para um PDA? Várias distribuições estão surgindo, muitas delas voltadas ao poderoso iPaq, produzido pela Compaq. Instalamos a distribuição Familiar e o ambiente gráfico Qt Palmtop Environment em um PDA iPaq, gentilmente cedido pela Compaq do Brasil.

O modelo cedido para nossos testes era um iPaq 3650, com 32 MB de RAM. Junto com a unidade estavam inclusos uma base para sincronização com o PC via USB, duas canetas, adaptador AC, uma “jaqueta” preta e uma bolsa de cou-ro para proteger o PDA. Vários opcio-nais estão disponíveis, como jaquetas de expansão para uso de cartões Compact-Flash (usados principalmente para expansão de memória) e PCMCIA (para adição de modems, placas de rede, etc.), jaquetas coloridas para mudar o visual do PDA, cabos e base pa-ra sincronização via por-ta serial com o PC (indispensáveis para instalação do Linux).

O hardware é baseado no pro-cessa-dor Strong-ARM SA-1110, da Intel, um pro-ces-sador RISC de 32 Bits, rodando a 206 MHZ. 16 MB de Flash armazenam o sistema opera-cional e aplicativos, enquanto 32 MB de RAM são utilizados para armazenar seus arquivos e dados pessoais. Um display LCD (cristal lí-quido) sensível ao toque, com resolução de 240x320 pixels e capacidade para exibir 4.096 cores simultâneas, é o “ponto central” da máquina, servindo tanto para a exibição quanto para a entrada de dados. O hardware de áudio possui capacidade de gravação e reprodução em alta qualidade, com uma saída em estéreo para fones de ouvido e um alto falante mono embutido.

O sistema operacional usado é o Windows CE, versão 3.0, também conhecido como Pocket PC. Embora não suporte oficialmente o Linux no iPaq, a Compaq apóia seu desenvolvimento, hospedando o site handhelds.org, liberando especifica-ções técnicas de seu PDA, fornecendo hardware aos desenvolvedores e até mesmo reparando, sem custo, unidades danificadas durante testes de novas versões do sistema operacional. Os interesses da empresa são óbvios: participando no desenvolvimento do sistema operacional, ela pode fazer com que ele aproveite melhor os recursos de seu hardware, e ainda foge dos custos de licen-ciamento do Windows CE.

Em termos de hardware, o iPaq realmente impressiona. Seu proces-sador poderoso e as possibilidades de expansão garantem que suas necessidades em computação móvel serão atendidas e seu investimento preservado por um bom tempo. Seu visual prateado e seu tamanho, pouco menor que um bloco de notas, chamam a atenção e provocaram o impulso consumista de qualquer um que o veja em nossa redação. O único ponto negativo, em nossa opinião, é a localização do alto-falante embutido. Por estar em baixo do botão “joys-tick” o som tem a sua saída obstruída, soando como um daqueles antigos radinhos de pilha. Contudo, esta falha é compensada pela boa qualidade sonora fornecida pela saída do fone de ouvido.

Dentre as distribuições Linux disponíveis para o iPaq (Pocket-Linux, Intimate, HandHelds.org), a que mais se destaca é o Familiar. O projeto foi criado no início de 2001 por Alexander Guy e Carl Worth, e é baseado no Debian Gnu/Linux. A primeira versão foi lançada em 11 de abril de 2001 e, com o tempo, seus recursos rapidamente superaram os disponíveis na distribuição oficial da Com--paq, na época, a Hand-Helds.org. E o Familiar, a partir da versão 0.4, foi adotado como a distribuição Linux de referência no iPaq.

A instalação do Familiar ainda é uma operação delicada, já que o processo de gravação das imagens do sistema operacional na memória Flash do iPaq, que remove assim o Windows CE, pode transformar seu PDA em um caro peso de papel, caso ocorra falta de energia durante a transferência das imagens, ou um erro mais sério na transmissão dos dados. Contudo, este processo está se solidificando e as “histórias de horror” ficando cada vez mais raras.

Através de uma conexão PPP via cabo serial com sua máquina desk-top (ou uma conexão via mo-dem ou ether-net, ca-so você tenha os adap-ta-dores e cartões adequados), é possível colocar seu iPaq na rede. Isso é indispensável para que se possa aproveitar um dos recursos mais interessantes do Familiar: seu sistema de geren-ciamento de pacotes. O ipkg é um apt simplificado, capaz de realizar as funções de ins-talação, remoção e atualização de software, que é armazenado no espaço dedicado à Flash. Como todo bom descendente do apt, o ipkg é capaz de detectar dependências entre pacotes e resolvê-las automaticamente.

Um conjunto completo de pacotes, incluindo desde aplicativos para controle do hardware do iPaq, como controle de brilho da tela, até um servidor X e uma versão do gerenciador de janelas BlackBox, está disponível. Vários aplicativos para organização pessoal (PIM - Personal Information Manager) estão presentes, além dos tradicionais XTerms e aplicativos para multimí-dia. O que você pode instalar só depende da quantidade de espaço disponível na Flash de seu PDA.

Desenvolvido pela TrollTech, criadora da biblioteca gráfica Qt, que é a base para o KDE, o QT Palmtop Environment fornece ao usuário um ambiente gráfico e aplicativos poderosos. Pode ser instalado sobre uma instalação “mínima” do Familiar, através do sistema ipkg. Sua interface é muito similar à de outros ambientes gráficos para PDAs, como a do Windows CE 3.0 e o Palm OS. Os itens são organizados em categorias (Aplicativos, Jogos, Configuração e Documentos Pessoais) separadas por abas. Para lançar um aplicativo ou abrir um arquivo, basta um toque com a caneta sobre seu ícone. Um toque segurando a caneta sobre a tela funciona como o botão direito do mouse, possibilitando o acesso a propriedades dos arquivos ou menus com funções específicas pa-ra o item selecionado.

Entre os aplicativos disponíveis para o QPE, estão: um livro de endereços, agenda, lista de tarefas, relógio, mapa-múndi e calculadora, comuns a praticamente todos os PDAs. Entre os extras, temos um player de MPEG, capaz de tocar arquivos MP3 ou vídeos MPEG-1 em tela cheia, um editor de textos simples (suficiente para escrever pequenas notas), uma planilha de cálculo, um gerenciador de arquivos, uma interface gráfica para o ipkg e até um terminal para os usuários “hardcore”. Além disso, estão presentes os tradicionais joguinhos (paciência, tetris, nethack) e utilitários para ajustes do sistema, como data/hora, volume, carga da bateria, iluminação da tela, aparência, idioma ou conexão PPP com a máquina desktop. Ainda não há um aplicativo de sincronização de dados com o desktop, simples de usar como no Windows, mas através da conexão PPP com seu computador de mesa é possível transferir dados entre ele e o iPaq.

Todos os aplicativos são bem pequenos, poucos passam de 100K, o que é excelente, dado o pouco espaço (16 MB) disponível na Flash. A entrada de dados pode ser feita através de reconhecimento de escrita, ou por meio de um teclado na tela. Embora estes só aceitem caracteres do alfabeto latino, um terceiro método de entrada de dados, o unicode, pode gerar carac-teres de praticamente qualquer alfabeto do mundo. Este recurso casa muito bem com o suporte a in-ternacionalização. Instalando os pacotes i18n e selecionando o idioma desejado no painel de controle, é possível traduzir tanto a interface do QPE quanto os próprios aplicativos, para idiomas como o norueguês, japonês, inglês, alemão, coreano e duas variantes do chi-nês. Infelizmente, o português ainda não está disponível.

É de se esperar que, com o tem-po, mais aplicativos surjam, como um leitor de e-mail e um navegador. Sendo o QPE baseado na Qt, é provável que surja uma versão do Konqueror, o navegador do KDE 2. Este, aliás, é um dos trunfos do Qt Palmtop En-vi-ronment sobre ou-tros sistemas, co-mo a combinação Java + XML usada no Po-cket-Linux: pou-co ou nenhum esforço é requerido para por--tar um aplica-tivo baseado em Qt para a versão Frame-Buffer utilizada na QPE, o que, com certeza, irá atrair muitos desenvol-ve-dores.

Com todos estes recursos, falta muito pouco para a combinação Linux + iPaq estar pronta para o dia-a-dia. A falta de alguns apli-cativos e uma ocasional “travada” da interface gráfica deixam clara a necessidade de alguns ajustes, embora a maior parte do trabalho já esteja (bem) feita. Os mais aventureiros com certeza irão gostar da experiência. Já podemos imaginar um futuro, bem próximo, em que PDAs poderosos e um sistema operacional livre, estável e robusto dominarão o cenário da computação móvel, lembrando-nos de compromissos ou apenas nos ajudando a matar o tempo com uma partida de paciência.